MENSAGENS EDUCATIVAS POSITIVAS
Prezado/a internauta O texto de de Clarice Lispector. É para ler e refletir sobre a vida que levamos.
Antonio de Andrade |
EU SEI, MAS NÃO DEVIA (Autoria: Clarice Lispector)
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas logo se acostuma a ascender cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol,
esquece o ar, esquece a amplidão. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o
dia. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais
dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias de água potável. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono
atrasado. para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.
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