Concluiu o Curso da Escola Superior de Guerra,
em 1891 "de onde saiu com o título de Bacharel em Matemática,
Ciências Físicas e Naturais. "Em Janeiro de 1892, foi
promovido a primeiro-tenente. De 29 de Março a 6 de Julho
escreveu para o jornal "O Estado de S. Paulo": coisas novas,
como o Socialismo, estão claras em seus artigos, como o
publicado em 1º de Maio, cujo trecho se repete no final de "Um
velho problema", de 1904: "Para abalar a terra inteira
basta-lhe um ato simplíssimo - cruzar os braços". Em Julho foi
nomeado assistente de ensino técnico na Escola Militar da
Praia Vermelha.
Em Agosto de 1893, o presidente, marechal Floriano Peixoto,
mandou chamar Euclides, oferecendo-lhe cargos e posições.
Euclides apresentou-se com a farda de primeiro-tenente. "Veio
em ar de guerra...não precisava fardar-se. Vocês aqui entram
como amigos e nunca como soldados." - Disse-lhe o marechal,
declarando que Euclides tinha direito a escolher qualquer
posição. "Ingenuamente", o primeiro-tenente, com 27 anos,
respondeu-lhe que desejava o que previa a lei para os
engenheiros recém-formados: um ano de prática na Estrada de
Ferro Central do Brasil!
Em Setembro, a Marinha pretendeu depor Floriano Peixoto
(Revolta da Armada). No ano de 1894 um regime ditatorial se
implantou no Brasil: prisões, suspensões de garantias,
intervenções nos Estados. Os marinheiros da "Revolta da
Armada" exigiam a renúncia de Floriano Peixoto. Uma bomba
explodiu nas escadarias do jornal "O Tempo". Boatos afirmavam
que Solon Ribeiro, sogro de Euclides, deputado por Mato
Grosso, estava preso e que seria fuzilado. Euclides interpelou
Floriano, que silenciou. O engenheiro-jornalista escreveu duas
cartas, com o título "A Dinamite", publicadas no jornal
"Gazeta de Notícias", em 18/2 e 20/2, contra as idéias Loucas
do senador João Cordeiro, do Ceará, que "pedia fuzilamento dos
manifestantes presos, como vingança aos florianistas mortos."
Condenava a posição do senador, "não o desejando nem como
companheiro de lutas". Seus artigos e sua posição
trouxeram-lhe complicações. Em 28 de Março, Euclides foi
transferido para a pequena cidade mineira de Campanha para
dirigir a construção de um quartel. Como um exilado, voltou-se
para os livros, tendo sido encontrado, com anotações desse
período, o "Teoria do Socialismo", de Oliveira Martins.
Em Fevereiro de 1895, recebeu a visita do pai, indo com ele
para Descalvado. Em 28 de Junho, era agregado ao Corpo do
Estado-Maior de 1ª classe, depois do parecer de uma junta
médica. No ano seguinte, desencantado com a República e seus
líderes, abandonou a carreira militar. Foi reformado como
primeiro-tenente. Em 18 de Setembro, foi efetivado na
Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo,
como engenheiro-ajudante de 1ª classe.
Foi autorizada a construção da ponte metálica em São José do
Rio Pardo. Ganhou a concorrência o engenheiro Artur Pio
Deschamps de Montmorency, brasileiro, nascido no Rio de
Janeiro, em 1858, que concluiu os estudos de Engenharia Civil
na Universidade de Gand (Bélgica), em 1879, com 21 anos, "com
sólidas credenciais de competência e idoneidade". No Brasil,
trabalhou com o engenheiro Ramos de Azevedo e na Companhia
Mogiana de Estradas de Ferro. Em São José, Montmorency liderou
um movimento para a construção de uma pequena usina
hidrelétrica, recebendo o apoio de muitos entusiasmados
rio-pardenses-acionistas. Com a queda da ponte, ele foi
processado e absolvido, em 1900. Dizem que, muitos anos
depois, suicidou-se. Euclides da Cunha, fiscal de obras desse
distrito, veio a São José duas vezes: de 25 a 28 de Agosto e
em 25 de Setembro. No final de 96, já estavam prontos os dois
encontros, um dos pilares, estando o outro quase
pronto. Finalmente, a ponte metálica de São José do Rio Pardo,
vinda da Alemanha, chegou em fins de Fevereiro ou início de
Março, em três partes, para alegria dos rio-pardenses. Os
jornais de 7 de Março comentaram a morte do Coronel Moreira
César e o desbaratamento de 1.500 soldados pelos fanáticos do
Conselheiro, que pregava contra a República.
Euclides da Cunha, preocupado com um provável movimento
monarquista, escreveu dois artigos com o mesmo título: "A
nossa Vendéa", "O Estado de São Paulo", em 14 de Março e 17
de Julho. Nos artigos, comparou a região francesa da Bretanha
(Vendée) com os sertões da Bahia, as charnecas com as
caatingas, o "chouan" (insurrecto da Vendéa) com o jagunço,
ressaltando o mesmo objetivo: lutar contra a República para
restaurar a Monarquia. Júlio de Mesquita, director de "O
Estado de S. Paulo", convidou-o a seguir como repórter de
guerra para Canudos, no sertão da Bahia (área limitada pelo
rio São Francisco, ao Norte e Ocidente, e pelo Itapicuru, ao
Sul). Tirou licença na Superintendência para "tratar de
interesses", em 1º de Agosto. Aceitou o convite, seguindo a 4
de Agosto, no vapor "Espírito Santo", acompanhando a 21ª
Brigada de Divisão Auxiliar. Chegou a Canudos a 16 de
Setembro, um vilarejo iniciado em 1893, no sertão da Bahia,
numa curva do rio Vaza Barris, hoje submerso, coberto pelas
águas da represa de Cocorobó . Viu a luta desigual, a morte de
amigos, a bravura dos jagunços. Canudos não era um foco
monarquista, como dizia Artur Óscar: "António Conselheiro era
um monarquista por fanatismo. Seu monarquismo era meramente
religioso, sem aderências à política." Euclides viu o final da
guerra, encerrada aos 5 de Outubro. Voltou abalado, fazendo
uma promessa: vingar o extermínio de Canudos. Os Sertões, seu
livro vingador, começava a nascer. Em Janeiro de 1902, de
Lorena, escreveu a Francisco de Escobar: "(...) Serei um
vingador e terei desempenhado um grande papel na vida - o de
advogado dos pobres sertanejos assassinados por uma sociedade
pulha e sanguinária."
Uma revista francesa, a "Hachette", de Paris, na sua resenha
de 1897, citou o Conselheiro como um comunista pregando o
restabelecimento da Monarquia. Euclides voltou. Na passagem
pelo Rio de Janeiro, publicou no "Jornal do Comércio" o plano
de um livro, "A nossa Vendéia", com duas partes: a "natureza"
e o "homem". Em 21 de Outubro, estava em São Paulo. Dia 26,
publicou o último artigo da série "Diário de uma expedição":
"O Batalhão de São Paulo", no jornal "O Estado de S. Paulo".
Doente, Euclides foi descansar na fazenda do pai, em
Descalvado. A ponte metálica de São José do Rio Pardo, depois
da prova de resistência (Montmorency e um empreiteiro
atravessaram-na num trole), foi aberta ao público, sem festas,
em 3 de Dezembro de 1897. Mais festejada do que a ponte foi a
inauguração da luz elétrica, no mesmo dia.
Dia 18 de Janeiro de 1898, o "Estado" publicou um artigo de
Euclides: "Excerto de um livro inédito", com trechos de Os
Sertões. Apresentou no Instituto Histórico de São Paulo um seu
trabalho: "Climatologia da Bahia", aproveitado em Os Sertões.
Na madrugada de 23 de Janeiro de 1898, um domingo, a bela
ponte metálica alemã de São José do Rio Pardo ruiu, emborcou,
50 dias depois de inaugurada. Os jornais condenaram a
Superintendência de Obras e os engenheiros responsáveis.
Euclides, o engenheiro-fiscal, embora em licença desde Agosto
de 97, sentiu-se abalado, culpado. Cinco dias depois, dia 28,
estava em São José, com o diretor Gama Cochrane e o engenheiro
Carlos Wolkermann. Vieram a fim de verificar "in loco" o
desastre e tentar salvar a ponte metálica. Euclides pediu ao
seu superior que o deixasse reconstruir aquele monumento.
Em Fevereiro, Euclides já estava residindo em São José e
trabalhava com afinco na desmontagem da ponte. Dia 9 de Março,
Euclides solicitou o pagamento dos seus vencimentos para
saldar compromissos e para as despesas da mudança e da viagem
da mulher e dos dois filhos para São José do Rio Pardo. Em
Março, talvez dia 14, a família já estava reunida em São José:
Euclides, a esposa Anna e os dois filhos: Solon, com 6 anos, e
Euclides Filho, o Quidinho, com 4. Foram morar na Treze de
Maio, mas o botequim do Sílvio Dan, em frente, onde se reuniam
muitos italianos para ouvir música e jogar o "jogo do morra",
acompanhado de uma gritaria infernal, perturbava. Euclides não
podia escrever, nem estudar. Conta-se que certa noite,
nervoso, saiu armado. Procurou o amigo intendente (perfeito)
para protestar. Dias depois, Dan mudou-se para o Bonsucesso e
a família Cunha mudou-se para o sobradinho de esquina da Treze
de Maio com a Marechal Floriano.
Diziam, na cidade, que Anna Emília foi muito falada. Ela
abominou a cidade e não perdeu oportunidades para diminuí-la,
declarando aos jornais, sem argumentos, que Os Sertões não foi
escrito em Rio Pardo. Mais tarde, criticou o Grêmio Euclides
da Cunha, que lhe enviava, com regularidade, os convites das
festas euclidianas. Sua filha, Judith, nascida do casamento
com Dilermando de Assis, autora do livro Anna de Assis -
História de um Trágico Amor, escreveu: "Enquanto a mulher do
fim do século se escondia na cozinha, (...) Anna de Assis foi
para a sala de visitas palestrar com um Machado de Assis, um
Barão do Rio Branco (...). Mulher audaz, independente, morando
numa cidadezinha pequena e provinciana como São José do Rio
Pardo, teria seus momentos ímpares confundidos pela mente
pequena e bitolada daqueles que não enxergavam o horizonte
(...). Ali naquela cidadezinha, Anna de Assis deixou a imagem
de uma mulher fútil e namoradeira. Conclusão chegada porque se
postava à janela e alegre e moderna, não se escondia dos
homens. (...)". Euclides, com a família em São José, teve
momentos de grande serenidade, até aceitando o seu "triste
ofício de engenheiro". Na cidadezinha, encontrou aquele
recanto de paz tão procurado, que lhe permitiu concluir a obra
máxima da literatura brasileira: Os Sertões, o livro vingador,
que defendeu "os pobres sertanejos assassinados por uma
sociedade pulha e sanguinária."
A ponte em reconstrução ficava perto do sobradinho de esquina
onde morava. Ele descia a ladeira a pé, ou a cavalo, passando
o dia à beira do rio, entre operários, cálculos e ferragens,
só voltando a casa à noitinha. O preto Benjamin, britador da
turma, era o encarregado de pegar seu almoço, trazendo-o numa
bandeja. Foi o que declarou Atílio Piovesan ao repórter de
"Gazeta do Rio Pardo", numa entrevista publicada em 15 de
Agosto de 1939, cujo número, infelizmente, desapareceu da
coleção. Ele falou dos operários da ponte, na maioria
italianos, "fortes e rijos, vendendo saúde", mostrando a todos
que o trabalho, tão relegado por ter sido uma atividade de
escravos, não era vergonha e, sim, um gerador de liberdade e
progresso. Atílio, mais tarde encarregado do vapor que movia a
bomba centrífuga, citou alguns companheiros: Agostinho Rossi,
encarregado do serviço dos pedreiros; Torquato Colli que,
diziam, conheceu Euclides no final da Guerra de Canudos, na
Bahia, reencontrando-o no trabalho da ponte; Guido Marchi
ganhou do escritor seu banco tosco, que ficava na cabana,
durante a limpeza do recanto para a inauguração da ponte; nos
anos 30, a família Marchi o doou a municipalidade, voltando à
cabana; Mateus Volota, o guarda da ponte, calabrês, de
argolinha de ouro na orelha furada, era o homem de confiança
do engenheiro: foi o trabalhador citado várias vezes por
Euclides nas suas cartas; morreu na epidemia de febre amarela,
em 1903. D’Andrea e Garibaldi Trecoli morreram afogados
durante os trabalhos.
A minúscula cabana de sarrafos e zinco foi construída sob a
frondosa paineira, que morreu em 1961. Era seu escritório,
onde fazia cálculos, desenhava, via e revia as plantas da
ponte e escrevia nos momentos de folga, dando continuidade ao
seu livro... Em Fevereiro de 1898, Euclides construiu a ponte
provisória, começando o desmonte da metálica tombada. Três
meses depois, o jornal "O Estado de S. Paulo" deu notícias do
trabalho: "(...) está concluído o serviço de remoção da ponte
do Rio Pardo. Dia 30 de Maio, à 1 hora da tarde, foi retirada
a última peça."
Serviu-se cerveja aos operários e pessoas presentes. Uma
passeata comemorativa percorreu as ruas da cidade. No ano
seguinte, continuavam os trabalhos de reconstrução da ponte e
a redação de Os Sertões. Na "Revista Brasileira", foi
publicado um artigo de Euclides: "A Guerra do Sertão". Ele
terminava o seu livro, ouvindo o Chico Escobar e sendo ouvido
pelos seletos amigos nas tertúlias à beira-rio, ou em sua
casa. O artigo abaixo comprova o fato.
Dia 1º de Junho, o jornal "O Rio Pardo" publicou "De cá para
lá", de Humberto de Queiroz, o amigo mocoquense, que assinou
seu trabalho com a letra Q: "O de cá para lá de hoje, se
deveria intitular - de lá para cá - pois ele é escrito sob as
agradáveis impressões, que me ficaram de um dia e uma noite,
passados em São José. O dia correu alegre, variado e bom,
daqui para ali, dali para aqui, faltando apenas o Mauro para
que fosse melhor. O Valdomiro, o Chico, o jantar cordial e
alegre do meu reverendo e respeitável amigo o bom do Oliveiros
(...). / À noite, (...) foi gasta, gasta não, aproveitada em
casa do Dr. Euclides da Cunha, onde se reuniram ele - uma
inteligência fina, sagaz e cultíssima; o Dr. V. S. (Valdomiro
Silveira. Este parêntese e os que se seguem são meus),
adorável homem de letras; o F.E. (Francisco de Escobar) um
juízo e uma ilustração ‘equilibrados, fartos e matemáticos,
mais tarde o Dr. J.S. (Jovino de Sylos) jurisconsulto e poeta
de renome e eu que, se nada sou, gosto de admirar o que é fino
e bom de verdade, coisa rara nos tempos que correm. / Depois
de uma deliciosa palestra, a leitura não menos deliciosa de
trechos de um livro, a ir para o prelo, proficientemente
escrito pelo dr. E. C — a Guerra de Canudos. / O Mauro ( Mauro
Pacheco) não quer que a gente escreva muito, razão bastante
para que eu não possa dizer tudo o que ficou de sincera
admiração por esse trabalho de um valor extraordinário, por
esse livro que vai em breve produzir real sensação no mundo
que lê. (...) / Mococa, 25-5-1899 - Q". Dia 3 de maio de 1900,
e não mais em 22 de Abril, em respeito ao calendário
gregoriano, foi comemorado o Quarto Centenário do Brasil. Em
São José, mais de duas mil pessoas participaram da passeata,
com fogos, banda e discursos dos doutores Álvaro Ribeiro,
Pedro A. de Aquino, José Rodolfo Nunes e Euclides da Cunha.
Foi a primeira e única vez que o engenheiro-jornalista
participou de uma festa e falou em público em Rio Pardo.
Talvez, querendo mostrar-se grato ao simpático jornal que,
carinhosamente, tanto o citava, escreveu um artigo, e único,
para "O Rio Pardo", intitulado "O 4º Centenário do Brasil",
que "tratava das viagens de Colombo, Vasco da Gama, de
Cabral", saudando as três nações: Itália, Portugal e Brasil. O
artigo foi assinado com as letras E.C.. Dizem que em Maio de
1900, o livro Os Sertões estava pronto, sendo copiado, com
letra legível, pelo comerciante, calígrafo e copista José
Augusto Pereira Pimenta, citado por Euclides da Cunha em carta
a Escobar. Passou a limpo as tiras do livro que Euclides
escrevia com garranchos, afirmando que a partir de "O estouro
da boiada", o livro foi aqui escrito, cerca de 80% da obra. As
declarações de José Honório de Sylos, que também teve em mãos
as primeiras tiras, são concordes com as de Pimenta. Em Junho
de 1900, o povo desceu as ladeiras para chegar ao pátio de
obras e ver a ponte montada num plano, em terra firme, novinha
em folha, não acreditando que era a mesma que tombara e ficara
toda retorcida. Ela estava com suas medidas originais: 100,08m
de comprimento, 6,60m de largura e o vão de 4,50m entre os
passeios. Os visitantes admiraram, também, os fortes pilares
de pedra e concluíram que era a fase final dos trabalhos. Um
mês depois, o jornal do dia 15 de Julho informava que
"terminou anteontem o conserto da ponte sob a inteligente e
criteriosa direção do Dr. Euclides da Cunha. "4 de Novembro.
"O Rio Pardo" transcreveu do jornal "Comércio de S. Paulo" um
longo artigo que versava sobre a conclusão do livro "do
ilustrado engenheiro Dr. Euclides da Cunha (...) sobre a
dramática expedição militar do sertão da Bahia. (...) O autor,
que foi testemunha presencial dos horrores que se passaram
naqueles ínvios lugares, se pronuncia com independência de
exposição e muito talento. Para a publicação (...) tem o Dr.
Euclides da Cunha editor escolhido. Muito breve começará a
impressão (...)."
O versátil Euclides conseguiu conciliar as ciências humanas e
as exatas. Escrevia, reconstruía a ponte e, ainda, dirigiu os
serviços da estrada São José-Caconde (28,8 km), terminados em
Novembro de 1900. Elaborou um projeto para a reforma da cadeia
e, a pedido do juiz de Direito, supervisionou as atividades do
agrimensor, indicado por ele, na divisão da fazenda "Açudinho",
objeto de partilha. No final do ano, preocupado com tanto
trabalho, Euclides abandonou seu Os Sertões para atender a um
pedido do amigo Júlio de Mesquita, diretor d’ " O Estado de S.
Paulo" que lhe solicitara um difícil trabalho de análise dos
cem últimos anos das atividades humanas no Brasil. Dia 31 de
Dezembro de 1900, o último dia do século XIX, o artigo foi
publicado em página inteira, com o título: "O Brasil no século
XIX".
Euclides assistiu de longe às comemorações socialistas,
estraçalhastes. O "Clube Socialista dos Operários", fundado
por italianos em 19 de Abril de 1900, realizou a grande festa
do 1º de Maio, Dia do Trabalho, dias depois, com alvorada,
salva de 21 tiros, passeata, bandas e discursos no salão de
honra da Sociedade Italiana. Os muitos imigrantes ombreavam-se
com autoridades e pessoas de renome da sociedade local. Era a
nova ordem social que se iniciava na província... Euclides
chegou a São José ainda desencantado com os homens da
República, sem a rebeldia do adolescente aluno da Escola
Militar, sem a ousadia do redator das duas cartas publicadas
em "Gazeta de Notícias" contra o florianista senador João
Cordeiro, que lhe valeu o exílio em Campanha (MG)... Na cidade
da Mojiana, trabalhava na ponte e continuava a escrever seu
livro. Embora com convicções socialistas, Euclides manteve-se
longe de todas as manifestações. Sua posição ideológica em
defesa do injustiçado, do oprimido e do explorado está em suas
obras. Em 9 de Setembro de 1900, foi fundada uma nova
instituição socialista: o "Clube Internacional - Filhos do
Trabalho". Eram seus sócios os eruditos amigos de Euclides:
Francisco de Escobar, Inácio de Loyola Gomes da Silva, Mauro
Pacheco... O clube manteve um curso de alfabetização de
adultos. No 1º de Maio de 1901, o "Clube Socialista dos
Operários" se transformou em instituto de benemerência, com
novo nome: "Clube dos Operários 1º de Maio - Honra e
Trabalho". Por informações imaginosas, sem fundamento,
passadas aos biógrafos, Euclides entrou na história como
socialista militante em São José, fundador do partido
socialista, dirigente de desfiles, colaborador d’ "O
Proletário", autor do manifesto do Partido Socialista em 1901.
E essas inverdades foram transmitidas a levas de estudantes.
Coube ao promotor público, Dr. José Aleixo Irmão, sério e
incansável pesquisador, no seu livro Euclides da Cunha e o
Socialismo (1960), desfazer enganos e contestá-los nas obras
de Francisco Venâncio Filho, Eloy Pontes, Sílvio Rabelo,
Freitas Nobre, Menotti del Picchia e de outros. O século XX
chegou encontrando ponte e livro prontos. A ponte, já com data
para a inauguração: 18 de Maio de 1901. O livro iria com o
escritor, à procura de uma editora. Em Janeiro de 1901,
Euclides foi promovido a Chefe de Distrito de Obras Públicas
de São Paulo. Dia 31 de Janeiro, nasceu Manuel, o terceiro
filho de Euclides, conhecido como Manuel Afonso (Afonsinho).
Dia 18 de Maio, aconteceu a grande festa da
inauguração da ponte. Neste dia, seu filho de quatro meses
foi baptizado pelo vigário José Thomaz de Ancassuerd, com um
só nome: Manuel, tendo como padrinhos o dr. Álvaro Ribeiro e
dona Julieta de Souza. Estava encerrada a missão do engenheiro
em São José. Euclides, Anna, Solon, Quidinho e Manuel deixaram
a cidadezinha dias depois, cidade predestinada a proteger três
monumentos: a ponte e a cabana, que seriam monumentos
nacionais, e a memória de Euclides, através do euclidianismo,
um traço cultural que diferencia São José do Rio Pardo das
demais cidades. Com a família, Euclides deixou São José, indo
para São Carlos do Pinhal, acompanhar a construção do edifício
do fórum local. Em Novembro, já residia em Guaratinguetá, por
estar entre Rio e São Paulo. Euclides, pobre, levava consigo o
original d’ Os Sertões, seu pedestal para a glória. Um ano
depois da inauguração da ponte, Maio de 1902, de Lorena,
Euclides escreve a Escobar: "Sempre pensei estar aí no dia 18,
1º aniversário da ponte. Mas estarão você, o Álvaro, o João
Moreira e o Jovino. Encaminhem-se para lá naquele dia, paguem
uma cerveja (barbante) ao velho Mateus e recordem-se por um
minuto do amigo agradecido ausente." Noutra carta do mesmo
ano pedia a Escobar olhar o velho Mateus, pois soubera que
seria despedido "com a próxima contradança municipal".
Euclides fixou residência em Lorena. Em Maio, recebeu da
Editora Laemmert as primeiras páginas impressas do seu Os
Sertões. Em Junho, desapontado, responde a carta de Escobar
sobre o aniversário da ponte: "(...) Iludi-me apenas num
ponto: os "numerosos" quatro amigos de que lhe falei antes
reduziram-se a dois: você e o Lafayette. Mas estes... estou
satisfeitíssimo." Em Agosto, preocupado, Euclides escreve a
Escobar exigindo-lhe resposta imediata. Soube que uma fenda
num dos pilares punha em perigo a segurança da ponte. Queria
confirmação. A fenda nada mais era do que um risco de colher
de pedreiro.
Em Outubro, na Editora Laemmert, no Rio de Janeiro, Euclides
encontrou erros no seu livro. Preocupado e perfeccionista,
corrigiu, com paciência monarcal, com canivete e tinta
nanquim, 80 erros em cada um dos mil livros da 1ª edição. Em
Dezembro (ou fins de Novembro), o livro Os Sertões vem à luz,
com elogios dos críticos literários. A edição esgotou-se em
dois meses. Sucesso. Foram lançadas novas edições: 1903, 1904
(Euclides fez correções num volume desta 3ª edição, com uma
observação: "Livro que deve servir para a edição definitiva
(4ª)." (Este volume foi encontrado só depois da sua morte e as
correções, com duas mil emendas, foram feitas na 5ª edição),
1911, 1914, 1923, 1924, 1925, 1926, 1927 (com prefácio), 1929.
Da 6ª edição (1923) à 11ª (1929), os livros foram impressos em
Paris. Em 1929, o livro Os Sertões voltou a ser impresso no
Brasil, pela Livraria Francisco Alves, até a 27ª edição, em
1968, com revisão cuidadosa de Fernando Nery, com títulos e
subtítulos à margem. O livro caiu em domínio público, hoje
publicado por muitas editoras, como a da Editora Cultrix -
edição didática, cotejada pelo nosso preclaro Professor
Hersílio Ângelo. Os Sertões correu mundo, traduzido em mais de
uma dezena de línguas. Com ele, São José do Rio Pardo também
se projetou, muito além das suas fronteiras.
Em 21 de Setembro, Euclides foi eleito membro da Academia
Brasileira de Letras e, em 20 de Novembro, tomou posse no
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Em 15 de Janeiro de 1904, o engenheiro-escritor foi nomeado
engenheiro-fiscal das obras de saneamento de Santos. Pediu
exoneração em 22 de Abril. Em Agosto, foi nomeado chefe da
Comissão do Alto Purus, partindo dia 13, do Rio de Janeiro
para o Amazonas, no vapor "Alagoas". Chegou a Manaus em 30 de
Dezembro.
Em março de 1905, reuniram-se as comissões Brasil-Peru. Em 5
de Abril partiram de Manaus para as nascentes do Rio Purus,
chegando em 14 de Agosto. Em Outubro, a comissão regressou a
Manaus, concluindo os trabalhos, em 16 de Dezembro.
De volta ao Rio de Janeiro, em Fevereiro de 1906, Euclides
entregou o relatório ao Ministério do Exterior, que só foi
publicado em Junho. Tornou-se adido ao Gabinete de Rio Branco.
Em 18 de Dezembro, Euclides tomou posse na Academia Brasileira
de Letras. Lançada em Portugal a 1ª edição de Contrastes e
Confrontos (artigos publicados entre 1901-1904 nos jornais "O
Estado de S. Paulo"e "O País").
Publicação de Peru versus Bolívia (oito artigos escritos para
o "Jornal do Comércio"). Em 2 de Dezembro de 1907, proferiu a
conferência "Castro Alves e seu tempo", no Centro Académico XI
de Agosto (Faculdade de Direito), de São Paulo.
Em 1908 Prefaciou os livros Inferno Verde, de Alberto Rangel,
e Poemas e Canções, de Vicente de Carvalho. Reviu seu livro À
margem da História (estudos sobre a Amazónia), só publicado
depois da sua morte, em Setembro de 1909.
Maio de 1909, dias 17 e 26. Euclides prestou o concurso de
Lógica do Colégio Pedro II, prova escrita e oral,
classificando-se em 2º lugar (o primeiro foi Farias Brito).
Foi nomeado professor em 14 de Julho. Ministrou sua primeira
aula dia 21 e a última em 13 de Agosto.
Euclides viajou para a Amazônia, em Dezembro de 1904, a
serviço do Ministério das Relações Exteriores, para demarcar
os limites entre Brasil e o Peru, no Acre. Ficaria um ano
fora. Anna Emília e o caçula Manuel mudaram-se para a Pensão
Monat, de madame Monat, à Rua Senador Vergueiro, 14. Solon e
Quidinho estavam em colégios internos. Em 1905, Anna Emília,
com 30 anos, conheceu, na pensão, o belo rapaz loiro, olhos
claros, alto, de 17 anos, Dilermando de Assis, cadete da
Escola Militar. Apaixonaram-se. A diferença de idades não foi
empecilho para o nascer daquele trágico amor. Dilermando era,
apenas, quatro anos mais velho do que seu amigo Solon, o
primogênito do casal Cunha. Ainda em 1905, Anna, os filhos e o
jovem amante mudaram-se para a casa da Rua Humaitá, 67. Dia 1º
de Janeiro de 1906, Euclides desembarcou no Rio. Voltava para
"as suas quatro e enormes saudades". Anna estava grávida.
Dilermando transferiu-se para a Escola Militar do Rio Grande
do Sul. Euclides não poderia ter mais dúvidas da traição da
esposa. Foram muitas as cartas trocadas pelos amantes. As de
Dilermando iniciavam-se, sempre, com frases de carinho e
ternura: "Minha nunca esquecida e queridinha S’Anninha";
"Minha adorada e sempre idolatrada esposinha"; "Adorada e
saudosa esposinha"; " Perene lembrança de meu coração"; "Minh’alma
que tanto adoro"... Euclides, tuberculoso, tinha crises de
hemoptise.
Nasceu Mauro, em Julho de 1906, registrado como filho do
engenheiro-escritor. Viveu, apenas, sete dias. No início de
1907, Dilermando voltou de férias ao Rio. Anna, novamente,
engravidou. Em Novembro, nasceu Luiz, que Euclides registrou,
também, como seu filho, definido como uma "espiga de milho no
meio de um cafezal", pelos cabelos claros e olhos azuis, que
contrastavam com as características físicas de seus outros
filhos. Dilermando terminou o curso no Rio Grande do Sul, foi
promovido a tenente, voltou ao Rio em 1908, indo morar com o
irmão Dinorah, guarda-marinha, aluno da Escola Naval, atleta,
jogador de futebol do Botafogo de Futebol e Regatas, no bairro
de Piedade, subúrbio carioca.
As desavenças entre Anna e Euclides cresciam num
relacionamento insustentável. Dia 14 de Agosto de 1909, ela
abandonou o lar, hospedando-se na casa de Dilermando.
Na manhã chuvosa do dia seguinte, 15, às 10 horas, mais ou
menos, Euclides batia palmas no portão da casa 214, da Estrada
Real de Santa Cruz, em Piedade, sendo recebido por Dinorah.
Anna e os filhos Luiz e Solon esconderam-se na despensa.
Euclides entrou. Dilermando ficou num quarto. Armado, Euclides
atirou. Dinorah ficou ferido: a segunda bala se alojou na sua
nuca. (O atleta, jogador de futebol, gradativamente, foi
perdendo seus movimentos. Aleijado, morreu à míngua, como
mendigo, suicidando-se no porto, em Porto Alegre). Dilermando
recebeu tiros na virilha e no peito. Campeão de tiro ao alvo,
tentou desarmar o marido traído e desequilibrá-lo, com tiros
no pulso e na clavícula. Euclides dera seis tiros. A sétima
bala ficou travada. Saindo da casa, o famoso homem que honrou
o Brasil com seu livro e seu saber, foi atingido nas costas.
Caiu. Levaram-no para dentro. Ao filho Solon, que estava
naquela casa, talvez tentando convencer a mãe a voltar ao lar
desfeito, o pai moribundo disse: "Perdoo-te". Ao desafecto,
"Odeio-te". À mulher: "Honra... Perdoo-te".
Quando o médico chegou, Euclides da Cunha estava morto.
Dilermando foi absolvido em 5 de Maio de 1911, casando-se com
Anna sete dias depois, em 12 de Maio. Abandonou-a em 1926, com
cinco filhos. Ela estava com 50 anos, ele, com 36 anos.
Em 1916 Solon, seu filho mais velho, delegado no Acre, foi
assassinado numa tocaia, na floresta, a seis de Maio. Quidinho
(Euclides da Cunha Filho), aspirante da Marinha, encontrou-se
com o assassino do seu pai no Cartório do 2º Ofício da 1ª Vara
de Órfãos, no Rio de Janeiro. Puxou a arma e feriu Dilermando
de Assis. Este o matou com três tiros, em 4 de Julho de 1916.