MENSAGENS EDUCATIVAS POSITIVAS
TEMA: TEXTO DOS CAPÍTULOS DO LIVRO "1932 - OS DEUSES ESTAVAM COM SEDE"
- de autoria de Antonio de Andrade
Prezado/a
internauta
Apresento aqui, para você conhecer o texto
dos Capítulos (tirei a parte da descrição dos combates militares), com
ilustrações, da história que criei para o livro
"1932 Os deuses estavam com sede",
cuja primeira edição com 358 páginas foi publicada em 1997
(Registrado na Biblioteca Nacional, Escritório de Direitos
Autorais, registro nº 123.156, ISBN da 1ª publicação 85-86633-03-8).
Como autor e detentor dos
Direitos Autorais deste livro, dentro do sistema "Creative Commons"
(CC), autorizo, como licença autoral, o acesso livre sem fins
comerciais ao texto dos Capítulos do meu livro, para conhecimento
da obra. Os meus direitos como autor são reservados exclusivamente para
uso comercial.
As fotografias de fatos históricos
são
meios das pessoas verem uma realidade que ocorreu e "sentir" os
acontecimentos. A utilização das fotos aqui
publicadas de fatos históricos, desenhos ou mapas, é um modo de
preservar parte da história para a posteridade. Ao apresentar este novo
formato do livro, condensado, mas com muito mais fotos e ilustrações, estou
reforçando a importância do caráter documental das imagens,
reconstruindo assim, um momento importante da história do Brasil.
No formato
E-Book é encontrado para compra na
Amazon pelo link direto:
http://migre.me/vLrH8
#romancehistórico
#Ficção #militar #politica #1932 #Getuliovargas
...
Aguarde uns minutos a entrada do texto do livro ...
Os
trabalhos artísticos, colorindo as fotos de 1932 que em seus
originais eram em preto e branco, foram feitos pelo
design norte-americano GREGORY ANTHONY GALLO, que residiu em Lorena, SP
por 2 anos onde tinha um estúdio chamado "Red Man Studios" e reside
atualmente em Nova York, Estados Unidos, sua cidade natal. Os direitos da
utilização, desses trabalhos artísticos feitos com as fotos, foram adquiridos
pela Editora Opção (Antonio de Andrade Editora ME).
Os
desenhos, a bico de pena, das cidades históricas do Vale do
Paraíba, foram feitos pelo artista TOM MAIA (JOSÉ CARLOS FERREIRA MAIA,
Promotor aposentado no Estado de São Paulo), radicado em Guaratinguetá,
SP, a quem agradeço pela gentileza de autorizar a sua utilização neste
texto sobre 1932.
E muitos dos
nomes que dei a personagens desta história, foi
também um modo de homenagear pessoas que conheci ao longo de
minha vida profissional... Faço votos que as pessoas fiquem felizes com essa
homenagem...
E como esta é uma história
de ficção, ambientada nos acontecimentos de 1932, qualquer semelhança
com pessoas ou fatos reais terá sido mera coincidência.
Com personagens fictícios
interagindo com fatos históricos reais, a história fica mais interessante
para ser lida. Assim, aproveite esse novo jeito de contar a história...
Apresentação
A história da Revolução Constitucionalista de 1932 é uma história que
todos os brasileiros tem que conhecer melhor pois deixa grandes
lições de idealismo e coragem, como é o caso, dentre tantos
outros, do lavrador
Paulo Virgílio, da cidade de Cunha, S.P., que foi preso e
torturado pelos fuzileiros navais que atacaram a cidade, obrigado
a cavar a própria sepultura e, perguntado pela última vez sobre
informações das tropas paulistas (que ele, sendo lavrador, não sabia...)
respondeu com bravura: - São Paulo Vence!
Foi morto com 18
tiros nas costas. Atualmente, o bravo paulista está
homenageado, com seu nome dado à rodovia que
liga a cidade de Cunha à Guaratinguetá e por uma estátua,
existente em Cunha.
A história aqui contada é sobre uma parte dessa Revolução, a
frente de combates do Setor Norte ou Frente Norte, no Vale do
Paraíba, vale entre as cidades de São Paulo e o Rio de Janeiro,
região norte do vale onde nasci e onde resido, englobando as
cidades de Lorena, Guaratinguetá, Cunha, Piquete, Cachoeira
Paulista, Cruzeiro, Silveiras, Areias, S.José do Barreiro e
Bananal. E, além de falar da Revolução, apresentar alguns fatos
de algumas dessas cidades que floresceram na época do
café e que muito influenciaram a minha juventude. São Paulo era um Estado humilhado pelo governo ditatorial de Getulio
Vargas, imposto ao país pela Revolução que ele comandou e venceu em 1930
contra o governo, legalmente constituído, de Washington Luiz.
São Paulo havia apoiado Getulio contra Washington Luiz, mas estava
descontente e muito, com as ações de Getulio Vargas que agia mais
pela força, sem democracia, sem Congresso e com as Leis sendo
feitas por ele e seus ministros. Getulio era chefe de um Governo
Provisório até serem realizadas eleições e elaborada uma nova
Constituição, mas suas ações não demonstravam ir para esses objetivos.
Não havia ainda, depois de dois anos no poder, convocado as eleições
para a Assembléia Constituinte e as eleições para presidente e governos
estaduais. Getulio impunha interventores militares nos governos
estaduais, como era o caso dos tenentes interventores João
Alberto e Miguel Costa em São Paulo. E o anseio do povo, em
especial dos políticos, era um civil e paulista para governar São
Paulo. O descontentamento era tão grande que fez unir todas as
classes
desde os patrões, os operários,
os partidos políticos, a classe média, os industriais e também,
todos os grupos de idéias, mesmo as mais divergentes, como os
reacionários, os conservadores, os separatistas, os federalistas, etc.
Todos se uniram desejando trazer de volta certos valores como liberdade
e democracia representados nas bandeiras: eleições para presidente e
governadores, e uma nova Constituição para o país. Devido a essas
bandeiras, a revolução foi chamada de Constitucionalista.
A conspiração para a explosão do movimento revolucionário já estava há
muito iniciada quando Getulio Vargas - conhecedor dos planos paulistas -
convocou as eleições para o ano de 1933 e nomeou uma Comissão para
elaborar o anteprojeto da nova Constituição. Os paulistas não
acharam isso suficiente. A insatisfação já era demais com Getulio
Vargas.
E São Paulo fez a revolução sozinho, lutando sozinho contra
todo o país. Cumpriu bravamente o seu dever. Nas palavras do Comunicado
de 2 de outubro de 1932, quando São Paulo assinou a rendição, comunicado
assinado por Pedro de Toledo, governador de São Paulo e outros oito
membros do Governo Provisório:
"AO
POVO DE SÃO PAULO
... Cessa destarte, a vida do Governo Provisório Constitucionalista,
aclamado pelo povo paulista, pelo Exército Nacional e pela
Força Pública e hoje, por esta deposto.
Fica encerrada, nesta faixa do território
brasileiro, a campanha militar pela restauração do regime legal.
Deu São Paulo tudo o que podia dar ao
Brasil. Tudo empenhou em prol de sua reorganização
político-administrativa. E disso não se arrependerá. O seu
governo, instituído pelo povo paulista, com o apoio das Forças
Armadas, encerra o seu ciclo histórico. Antes, porém,
que se lhe extinga a vigência,
afirma que CUMPRIU O SEU DEVER!
TUDO POR SÃO PAULO!
TUDO PELO BRASIL! " (Hernani Donato, A
revolução de 32, pp. 168)
Esta é
uma
história de ficção dentro da história da Revolução
Constitucionalista de 1932, misturada aos fatos reais
contados por ex-combatentes e existentes em livros sobre a
Revolução, fontes citadas no desenrolar da história. Contar
um pouco da Revolução de 1932, apresentando fatos reais e
históricos, junto com a história criada, é um modo de homenagear a
memória de meu pai Ten. Firmo de Andrade Júnior que nela lutou e
por isso, recebeu em 22/11/1970 a Medalha da Constituição
outorgada pela Assembléia Legislativa de São Paulo. (Foto ao lado
com meu pai junto ao chafariz de água do tempo do Império, da praça
principal da cidade de Bananal, SP). E
homenagear, também, os 135 mil soldados e voluntários paulistas
de 1932 que com bravura lutaram nas trincheiras pelo Vale do Paraíba e
outras fronteiras de São Paulo, nos morros, nos túneis e nos
vales. E em especial, tentar resgatar essa parte da história
para as novas gerações
que raramente, ou nunca, ouviram falar dos heróis paulistas de 1932 e
dos personagens dessa epopéia. As novas gerações, atualmente, sem
perceberem ou terem consciência, convivem com personagens dessa
Revolução, apesar de muitos anos já terem se passado: qual é a
cidade que não possui ruas, praças ou avenidas com denominações de
datas, como 9 de julho, 23 de maio ou de nomes, como Pedro de
Toledo, Euclydes Figueiredo, M.M.D.C., ou até mesmo Osvaldo
Aranha, Getulio Vargas e outros? E finalmente, prestar uma homenagem póstuma aos
830 paulistas que tombaram mortalmente dando a sua vida e o seu
sangue, pelos ideais democráticos.
E foi tanto sangue derramado nos combates que um comandante de
tropa, após um sangrento combate no Vale do Paraíba chegou a dizer:
Os
deuses estavam com sede... de sangue.
Antonio de Andrade
Capítulo 1
Na sala de refeições, com dez mesas cobertas por toalhas de um
xadrez vermelho e branco, somente duas pessoas almoçam: dois jovens
senhores, beirando os trinta anos. O relógio de parede com números
romanos e pêndulo dourado, em seu tic-tac constante, marca apenas onze
horas da manhã. Para quem tinha saído de madrugada de São Paulo,
onze horas já é uma boa hora para almoçar. No lado oposto à porta
que dá para a cozinha do restaurante, os dois jovens senhores
conversam baixinho, enquanto comem apressados pedaços de polenta frita,
junto ao tradicional arroz com feijão, farinha torrada e pedaços de
traíra frita, ¾ pescada
hoje de manhã no rio Paraíba ¾
segundo as palavras do dono do restaurante, Sr. Pissanga, um senhor
alto, de voz mansa e um marcante sorriso e cordialidade.
O sabor da comida não os afeta. Seus pensamentos estão longe,
lembrando da missão secreta que receberam há dois dias atrás e do
conteúdo do envelope, da maleta de couro cheia de dinheiro e das quatro
caixas de metal que estão carregando no porta-malas do Chevrolet 124,
com 40 barras de ouro de meio quilo...
¾ ...essa situação criada
pelo Getulio só tende a piorar e nós não iremos poder ficar às margens
dos acontecimentos...
¾ O Antunes tem toda razão
¾ corta abruptamente um dos
presentes, o velho Dinardi, um dos industriais paulistas, dono de várias
empresas, e continua: ¾
estou com ele e acredito que todos aqui presentes. Nós temos
indústrias nesta cidade. Nossos interesses estão aqui em terras
paulistas. Do jeito que as coisas estão, com essas greves que não param
e com a situação econômica do país, logo logo seremos afetados. E
temos que defender o que é nosso...
Em volta da grande mesa de mogno escuro, sentados nas cadeiras forradas
de palhinha entrelaçadas nos assentos e nos encostos, de espaldar alto,
nove senhores debatem e discutem. A fina flor dos donos das
indústrias paulistas está ali. Antunes, o mais velho deles e, por
isso, mais respeitado em suas opiniões, saboreava o sabor do cigarro
Yolanda, enquanto os seus olhos pousavam no desenho pintado do corpo nu
da modelo Yolanda D'Alencar. Parecia extasiado ao contemplar o corpo nu
da modelo no maço de cigarros, mas seus olhos refletem a sua
satisfação do final do debate que se aproxima e o atingimento de seus
objetivos. Ainda soam nos ouvidos dos presentes as últimas palavras do
velho Dinardi:
¾ e temos que defender o
que é nosso ¾
quando Antunes levanta-se enquanto larga o maço de cigarros que
segurava com a mão esquerda, com a direita tira o cigarro da boca,
e após pigarrear fala em tom sério:
¾ Senhores, qualquer um de nós
pode concluir que o Getulio Vargas vai querer se perpetuar no poder e
abafar São Paulo. A revolução que ele venceu em 1930, só venceu porque
teve o apoio dos tenentes. Sabemos todos que o Getulio não
tinha poder próprio, mas agora quer ter poder, cada dia mais. E ele sabe
que aqui em São Paulo há muito poder em nossas mãos, nas mãos dos
nossos amigos fazendeiros de café e nos políticos. E, não há
dúvida que ele quer acabar com todos nós, amarrar nossas mãos e
pés. E, além de São Paulo, Getulio vai querer
pôr sob seus pés nossos amigos que tem poder no Rio Grande do Sul e em
Minas. Nós não podemos deixar isso acontecer! E o Getulio não vai
ceder um pé se não for pela força!
Conversar com ele é perder tempo! É claro que nós todos - e os que
comungam nossas ideias e valores - iremos ajudar a mudar isso que está
aí, apoiando nossos aliados políticos dos vários partidos, para
que consigam que o Getulio marque logo a convocação das eleições para a
Assembléia Constituinte e, também, as eleições para os governos
estaduais. Nós não podemos continuar aceitando esse regime de exceção,
sem Congresso e o Getulio e seus ministros fazendo quantas leis eles
querem. E não podemos mais aceitar esses interventores impostos pelo
Getulio, no lugar dos governadores. Chega de ter esses tenentes
que o apoiaram em 30 como nossos governadores... Senhores, vai
chegar o dia do basta!...
Antunes, antes de continuar, olha fixamente para cada um dos oito
participantes da mesa para sentir o efeito de suas palavras.
¾ Senhores, vai chegar o
dia do basta ao Getulio! E esse dia chegará, quer nós queiramos ou
não!
¾ Depois de uma pausa
calculada, dando tempo para cada um pensar um pouco, continua:
¾ Os senhores souberam ontem do
resultado da conversa que dia nove a delegação do Partido Democrático
teve no Rio de Janeiro com o Getulio. A delegação saiu de São Paulo
composta pelo Joaquim Sampaio Vidal, Vicente Rao, Waldemar Ferreira e
Paulo Moraes Barros. No Rio juntou-se a eles o Paulo Nogueira Filho. O
plano era tratar logo de solucionar o CASO PAULISTA junto ao Getulio:
queremos já um interventor civil e paulista, enquanto não são realizadas
as eleições. O Partido Democrático sempre apoiou o Getulio, mas a
arrogância dos militares está fazendo o Partido rever esse apoio. O
Partido não aceita mais que os militares reunidos nos Campos Elíseos
decidam manter como interventor o coronel Manoel Rabello. E não aceita o
poder, de decidir isso, que o capitão João Alberto se dá.
O Partido Democrático, então - notem bem Senhores - foi EXIGIR
do Getulio uma mudança nessa situação, caso contrário o Partido deixaria
de apoiá-lo e se uniria a todas as alas políticas que fazem oposição ao
Governo Federal. O Getulio, Senhores, não quis receber a delegação. Ela
foi recebida pelo ministro da Justiça. E este, junto com um
representante da delegação - foi escolhido o Paulo Moraes Barros -
avistaram-se com o Getulio. E todos vocês sabem do resultado: NADA FOI
CONSEGUIDO! Voltaram todos de mãos abanando para São Paulo.
Por aí os Senhores sentem o que iremos obter do Getulio: NADA!
O rompimento do Partido Democrático com o Getulio é um sinal grave de
alerta para todos nós, Senhores! VAI HAVER LUTA ! E
LUTA ARMADA!
¾ Antunes destaca bem com a
mudança do tom de voz: ¾
Nós não vamos agüentar essa situação por muito tempo. E temos que nos
preparar rapidamente para a luta. É aí que nós temos que unir
nossas forças e poder...
Antunes faz uma pausa, puxa uma baforada do seu Yolanda que quase estava
se apagando no cinzeiro de cristal à sua frente, solta a
fumaça para cima e continua:
¾ ...nós temos que unir nossas
forças, Senhores. E temos dois caminhos, ambos necessários: Primeiro, em
nossas indústrias começarmos a fabricar fuzis. Os desenhos do fuzil 1908
já estão à disposição. Mas fabricar escondidos em salas fechadas, para
manter o sigilo. Temos que escolher bem os operários que irão
fabricá-los. E capacetes e outros equipamentos, cujos desenhos e
plantas os senhores receberão ao saírem desta sala, junto com os
desenhos do fuzil. O segundo caminho, essencial, é mandarmos vir
do exterior, especialmente, as munições para esses fuzis e outros
equipamentos. Pelos cálculos que um amigo especialista fez teremos que
encomendar no mínimo 8 milhões de tiros de fuzil para
podermos iniciar a luta, pois não temos ainda condições de
fabricar por aqui. A única fábrica de pólvora é a de Piquete, no Vale do
Paraíba e é controlada pelo Governo Federal. E vamos ter que pagar em
ouro. Os fornecedores já contatados no exterior, só aceitam ouro em
barras como pagamento. A encomenda já foi feita e estará a caminho em 40
dias: 8 milhões de tiros e mais alguns apetrechos. E, agora, Senhores, é
a hora de cada um dar uma parte do seu ouro. É preferível perdermos um
pouco do que temos do que perdermos tudo...
Antunes senta-se e a lista com as adesões começa a circular. Ele faz
questão de iniciar com seu nome e 10 barras de meio quilo. Antunes
quer forçar os outros a uma boa contribuição. A lista, depois de algum
tempo, volta ao Antunes. Como cada um dos presentes deu 10 barras, há na
lista 90 barras de ouro doadas. 45 quilos de ouro! Ele quer e precisa de
40 barras, para iniciar, pois esse era o preço dos vendedores de armas e
munições, para a encomenda feita. O restante das barras irá para o fundo
especial para mais compras de outros materiais e pagamento das empresas
que os fabricarem.
Antunes levanta-se. ¾
Senhores, vejo que todos nós estamos unidos na causa por São Paulo e,
por que não dizer, na defesa de nossos interesses. E vamos precisar
de todo esse ouro, e talvez mais algum, para podermos armar o povo na
hora que desejarmos. Armas, munições,
uniformes e outros apetrechos, Senhores, não custam barato!
Iremos pagar os fornecedores estrangeiros com 40 barras de ouro; as
restantes serão para pagar as despesas de nossas próprias fábricas na
compra de matérias primas para fabricarmos o que pudermos, além de
mantermos alimentado o nosso futuro exército de paulistas. Acho
que serão necessárias umas 150 barras para podermos realizar a nossa
luta e vencermos. Ainda faltam 60 barras para completar as 150
planejadas. Alguns dos senhores tinham a responsabilidade de angariar
doações com outros amigos que não iam poder comparecer hoje. O que
conseguiram?
Um industrial do ramo têxtil, Gert Herbert, sentado ao canto da mesa,
levanta-se e com um largo sorriso dado por baixo do bigode grisalho,
fala em um português com leve sotaque alemão:
¾ Antes da reunião levantei
os dados dos que ficaram com essa missão. Temos exatos 59
barras e eu coloco mais uma barra, completando as 60 de que precisamos.
E continuamos a manter contato com outros industriais que querem
contribuir para a causa paulista.
¾ O meu amigo Gert está de
parabéns pela sua grande generosidade. Tudo pela causa e pelos nossos
interesses! ¾ completa
Antunes. E continua:
¾ Senhores, na
ante-sala, está o Dr. Ruy, meu sobrinho e homem de
confiança. Ao saírem desta sala peguem com ele os desenhos do fuzil e
dos outros equipamentos e acertem com ele o horário, hoje e
amanhã, e o local para mandarmos buscar as barras de ouro. E, logo
que puderem, me avisem o que irão produzir para acertarmos as despesas
da compra dos materiais para a fabricação. Temos que agilizar a
reunião desse material. E, para informação de todos, já que todos aqui
somos de confiança, as munições e outros equipamentos entrarão pelo
porto de Mambucaba, em Angra dos Reis, já que no porto de Santos há
muitos olheiros do Getulio. E, de lá chegarão até São Paulo, por
terra. Fiquem sossegados que o caminho escolhido é seguro e já tenho
tudo organizado...
Eunildo e seu irmão Celio se entreolham. Chamam o seu Pissanga e pedem a
conta. Estão com pressa de continuar a viagem. Pelos cálculos,
pela nova rodovia Rio de Janeiro - São Paulo, levarão de Lorena a
Bananal, o destino, sem correr muito, umas 5 horas. Será a última
etapa dos 314 km que separam São Paulo de Bananal. Pagam a conta e
saem apressados, entrando a seguir no Chevrolet 124. Desta vez Celio
senta-se ao volante. Conhece melhor os trechos cheio de
curvas da estrada que vão enfrentar. Descem a Rua Alegre até a
primeira esquina.
Antes de virarem a esquina, Eunildo repara em um homem, que
no alto de uma escada, substitui a placa com o nome da rua. Eunildo lê:
Rua Manoel Prudente e fica a matutar como é estranho o
costume de uma cidade homenagear algum emérito cidadão depois do seu
falecimento. E, pensando nisso, ri sozinho ao lembrar-se de outro
costume que observou nesta cidade ao entrar no restaurante: na
parede estava afixado uma folha impressa, com uma tarja preta em um dos
cantos, anunciando o falecimento de mais um cidadão...
O Chevrolet 124 passa pelo Largo Imperial, bonito jardim
público, todo cercado de grades, com portões nos seus quatro
cantos, com palmeiras imperiais, plantadas por D.Pedro I quando em
uma de suas passagens por Lorena, plantadas de tal modo que forma o
brasão imperial, se pudessem ser vistas do alto. D.Pedro gostava de
deixar sua marca pessoal por onde passava...
Logo após o Largo Imperial, o Chevrolet toma a Rua do
Comércio, rua cheia de armazéns, ferreiros, lojas e bares, rua que
vem da única ponte que cruza o ribeirão, localizada na rua
Direita, também chamada de Rua das Palmeiras Imperiais, com suas 30
palmeiras de cada lado da rua, como se fossem cavaleiros com lanças
homenageando todos os tropeiros e viajantes que entram na
cidade por essa rua - estrada, passagem obrigatória para os
que viajam a cavalo ou de carro. Há tantas palmeiras imperiais que
a cidade é conhecida como a cidade das palmeiras
imperiais...
A cidade de Lorena nasce assim, a 182 quilômetros de São Paulo, como um
lugar onde os bandeirantes e viajantes fazem a travessia do rio para
subir a serra em direção às Minas Gerais. O lugar fica conhecido como
Porto Guaypacaré, que na língua Tupi dos índios que habitam a
região, significa Braço ou seio da Lagoa Torta, pois
o porto fica em uma parte calma do rio, parecida com um cotovelo,
tendo uma parte de várzea ao lado do rio, que nas cheias, forma uma
lagoa.
Os primeiros a se fixarem no local o fizeram pelo fim do século XVII e
fizeram plantações no local para abastecer os viajantes. A plantação fez
o local ser conhecido como as Roças de Bento Rodrigues Caldeira, o
mais abastado dos que fizeram as plantações. De pequeno vilarejo
incrustado nos sertões de Guaratinguetá, passa a ser Vila da terra
de Bento Rodrigues Caldeira. Com o levantamento de uma capela em 1705
dedicada a Nossa Senhora da Piedade, mais tarde, em 1718, passa a
ser Freguesia de N.Sra. da Piedade, mas todos, inclusive os índios
chamam o local de Guaypacaré. Mas os viajantes não sabem
pronunciar direito esse nome. Com o tempo, por corruptela,
fica conhecido como Hepacaré, em língua Tupi significando
Lugar das Goiabeiras. Fica tão conhecido o lugarejo
pelos viajantes que o Capitão-General que ocupa o posto de Governador de
São Paulo, Bernardo José de Lorena, mais tarde elevado a Conde de
Sarzedas, baixa um Decreto em l4 de Novembro de 1788 elevando
o lugarejo à Vila, dando-lhe o nome de Lorena. E a vila é
oficializada como cidade em 24 de abril de 1856 e dez anos depois,
no dia 20 de abril de 1866 a cidade torna-se Comarca. Em 1877, com a
inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil, passando pela
cidade de Lorena, há um maior desenvolvimento das culturas
cafeeira e canavieira, culturas típicas da época, utilizando
escravos nas fazendas pertencentes a grandes proprietários, situação que
começou o seu declínio lento a partir do fim da escravidão em 1888.
O Chevrolet 124 sobe a Rua do Comércio. Passa em frente
à Igreja Basílica de São Benedito, com suas duas torres pontudas. Eunildo
não deixa de fazer o sinal da cruz, ao passar por ela, religioso e
supersticioso que é... Ao final da rua, o automóvel contorna
a grande e secular figueira existente no alto de uma colina,
último marco existente na saída da cidade. Em seguida toma o rumo
do Caminho Novo, rodovia de terra e pedrinhas. Eunildo,
começa a cochilar de olhos fechados, passando pela sua mente os
acontecimentos de que participou em Bananal, no dia 28 de maio de
1928... Ele havia chegado a Bananal, última cidade paulista em
direção ao Rio de Janeiro, uns dias antes a convite da família Alves de
Algarves, junto com o seu tio Antunes...
O
sobrado dos Alves de Algarves é de impressionar a quem o vê
pela primeira vez. É a terceira vez que se hospeda
nesse sobrado, localizado no centro da cidade, bem no meio da Rua Prudente de
Moraes, paralela à Rua Comendador Manoel de Aguiar, rua principal da cidade,
chamada por todos de Rua do Comércio.
O sobrado construído em velho estilo português, situa-se no meio de uma
chácara, com a extensão de um longo quarteirão. À sua entrada, um muro
baixo, com grades na parte de cima, toda artisticamente fundida. Ao meio
do terreno, um grande portão de ferro fundido, com duas letras A,
entrelaçadas dentro de um círculo, inicia o caminho que leva ao casarão.
No meio do enorme e florido jardim, cultivado com capricho, o caminho
forrado por pequenas pedras abre-se em dois, tendo ao centro um repuxo
jorrando água sobre um tanque redondo de azulejos azuis, contendo
peixinhos de um vivo vermelho dourado e algumas plantas aquáticas. O
caminho volta a se unir, e alguns metros à frente, desemboca
na escada que dá acesso ao alpendre de entrada no 2º
piso, escada de grades enfeitadas com buquês de flores fundidas no
ferro.. O enorme sobrado tem, na sua frente, 12 janelas em seus dois
andares. Por dentro, o casarão possui, no 2º piso, 3
salas, 2 salões, 10 quartos e 2 alcovas, além de cozinha e de 3
banheiros. E no térreo, acomodações para os empregados. Ao lembrar das
alcovas, Eunildo parou para refletir a estranheza destes cômodos sem
janelas, tendo só porta de entrada, sem ventilação e iluminação direta e
natural.
¾ Como deve ser
difícil dormir com uma mulher num lugar como este
¾ pensou ele. E
visualizou mentalmente os quartos, amplos, com camas tão altas que uma
criança de 10 anos teria que dar um pulinho para subir nelas. E todas
com os quatro pés como se fossem pilastras, segurando no alto
cortinados brancos que desciam pelos quatro lados, protegendo seus
ocupantes dos pernilongos. Ao pensar em crianças, lembrou-se do pomar
que existe atrás e do lado esquerdo do casarão, até o
terreno chegar ao rio Bananal. Maçãs, peras, jabuticabas, abacates,
uvas, bananas, laranjas, todas conviviam bem no pomar e é a
alegria da garotada. Nunca vira tantas frutas juntas! É só entrar
no pomar e pegar a fruta no pé, saboreando-a ali mesmo. E, no
pomar, sempre se encontravam os moleques das redondezas que aventuravam
entrar lá para pegar frutas. E é realmente uma aventura pois é
constante a dona da casa, dona Nimpha, com seu gênio terrível, correr
atrás dos meninos com uma vara de marmelo a estalar em suas pernas...
Eunildo sorri por baixo do vasto bigode preto ao lembrar-se dos
três dias divertidos, com banhos no rio Bananal. Como foi gostoso
pular dos galhos das árvores no Poço da Pedra ou no outro poço,
distante uns 300 metros deste, o Poço dos Tocos. No outro dia, junto com
os amigos que tinha feito na cidade e algumas moçoilas, tinham feito um
pic-nic à Cachoeira da Barra, no rio Formoso e à tarde tinham ido tomar
outro banho na Cachoeira do Gordo, no rio Barreiro. Eunildo
lembrou-se até da ida ao rio da Paca, munidos de pás e bateias, a
leste de Bananal, onde seus amigos da cidade diziam existir ouro em seu
leito arenoso. Não achou nada, nem uma pepita, mas valeu a emoção de
sentir-se um garimpeiro como os velhos bandeirantes que se
aventuravam pelo sertão em busca de ouro. Não teve sorte em encontrar
ouro, mas seus amigos também não. Voltaram à cidade com os bolsos
vazios.
¾ Acho que é mais uma das lendas
que os velhos moradores contam em Bananal. Será que alguém já achou
alguma pepita de ouro no rio da Paca? Se achou ficou quietinho e não
contou nada para ninguém...
O Chevrolet 124 sacoleja pela rodovia de terra batida, com
cascalho, em direção à Cachoeira Paulista e logo após esta cidade, em
uma curva fechada, toma a direção da Serra da Bocaina, no maciço
da Serra do Mar. Até chegar a Bananal haverá muitas curvas e muito
chão a percorrer. Mas a paisagem montanhosa agrada-o sobremaneira.
Eunildo não se incomoda nem com os sacolejos mais fortes que de
vez em quando um buraco na estrada provocava no Chevrolet 124. Os
sacolejos embalam seus pensamentos e lembranças...
...
¾ Grande festa aquela
¾ Eunildo começa a
lembrar
¾ uma das maiores festas
que a cidade de Bananal presenciou e participou. Todo mundo com sua
melhor roupa, a usada nos domingos de festa. As mulheres com seus
vestidos até a altura dos joelhos, meias brancas 3/4 e sapatos com
uma grande fivela quadrada e dourada, além de o costumeiro e charmoso
chapéu com fita na cabeça, colocado na cabeça até à altura dos olhos. Só
se diferenciavam umas das outras pelo corte e comprimento
dos vestidos, a cor dos tecidos e dos chapéus, já que todas com cintos
apertando e delineando bem a cintura, como é a moda. Ah! e a bolsa
pendurada no ombro direito ou segura por uma das mãos. E os
homens, elegantes em seus ternos pretos ou cinzas, com gravatas em
cima das camisas de linho branco, com um chapéu da mesma cor do terno,
tendo uma fita escura circundando toda a base do chapéu, junto à aba, ou
o tradicional chapéu de palhinha clara com a fita escura. Até os
guris estavam em suas melhores roupas, meias soquetes, calça curta
até os joelhos e um paletó. E alguns com a gravatinha de duas pontas. E.
na cabeça, um gorro caído para a frente, cobrindo a testa. E as
donzelas, com seus vestidos rodados, a maioria na cor branca, cor que
acentuava a pureza de seus corpos, com fitas cor de rosa claro à
cintura, meias e sapatos brancos, além de um chapéu na mesma cor do
vestido.
Todo mundo na sua melhor aparência para presenciar a passagem do
presidente da República, Dr. Washington Luiz - cujo lema era
Governar é abrir estradas - e sua enorme comitiva de gente
importante. Os notáveis da Primeira República ou República Velha, como
diziam as más línguas, estavam presentes: o vice-presidente Melo
Viana, o presidente do Senado Dr. Dino Bueno, o presidente da Câmara dos
Deputados Dr. Aguiar Whitaker, o presidente do Tribunal de Justiça Dr.
Luiz Aires...
Diziam presentes, também, autoridades dos Estados de São Paulo e
do Rio de Janeiro: Dr. Júlio Prestes, Governador do Estado de São Paulo;
Manoel Duarte, Governador do Estado do Rio de Janeiro; Dr. Fábio
Barreto, Secretário do Interior; Dr. Mário Rolim Teles, Secretário da
Fazenda; Dr. Sales Júnior, Secretário da Justiça; Dr. Fernando Costa,
Secretário da Agricultura; Dr. Oliveira Barros, Secretário da Viação e
tantas outras autoridades civis... E, não faltaram as autoridades
militares: General Hastinfilo de Moura, comandante da 2º Região
Militar; Coronel Pedro Dias de Campos, comandante da Força
Pública de São Paulo. Além deles, lá estavam,
também, dizendo presente, autoridades religiosas. E somando-se a eles,
estudantes da cidade, no seu melhor uniforme. Ah! sim, e o povo. Todo
mundo vibrando de alegria pela festa de inauguração da nova rodovia.
A festa começou nas divisas do Estado do Rio com São Paulo - em Pouso
Seco - onde aconteceu o cerimonial oficial de interligação dos dois
Estados. Após a inauguração da placa comemorativa, todos se dirigiram a
Bananal para a festa popular programada.
¾ O povo ¾
exigira o presidente
¾ tem que participar e se
alegrar. ¾ E essa alegria era
musicada: Bandas de músicas de várias cidades, Bananal, Resende e Barra
Mansa tocavam a pleno pulmões e músculos seus instrumentos estridentes.
Da multidão, aglomerada na Rua do Comércio, da ponte sobre o rio Bananal
até o largo da Praça da Matriz, subia um murmúrio
constante. E mais alto subiam os rojões, estourando nas alturas. Todos
mantinham um sorriso constante no rosto e os olhos se extasiavam com o
movimento dantes nunca visto na cidade. Palmas eram freqüentes aos
cavaleiros que desfilavam imponentes em pose marcial em seus uniformes
de gala. O povo aplaudia alegre a passagem do pelotão de soldados em
seus belos cavalos do 1º Regimento de Cavalaria e aplaudia em seguida o
desfilar cadenciado e marcante do outro pelotão do 1º Batalhão, da Força
Pública de São Paulo. Das sacadas dos sobrados da Rua do Comércio,
pétalas de rosas eram jogadas sobre os soldados. O grupo mais
entusiasmado estava nas sacadas da Pharmacia Popular, no número 156,
farmácia inaugurada em 1830, no Brasil Império, pelo francês Tourin
Mormier que foi seu dono por 30 anos. Nas sacadas dos prédios da Praça
outros grupos aplaudiam...
E outro grupo mais animado estava nas sacadas do Hotel Luso-Brasileiro,
no número 42, hotel que tinha na porta de entrada uma placa de metal
onde se lia:
ON PARLE FRANÇAIS,
ENGLISH SPOKEN HERE,
MAN SPRICHT DEUTSCH,
SE HABLA ESPAÑOL,
SE PARLA ITALIANO, FALA-SE PORTUGUÊS.
Na Praça da Matriz, em frente à igreja do Senhor Bom Jesus do
Livramento, quando o relógio da torre da esquerda marcava 11 horas e 15
minutos, o presidente e sua comitiva pararam para o cerimonial popular
de inauguração: discursos e foguetes.
- Se o povo gosta de festa e barulho, então dê-lhe festa e
barulho - era a opinião do
presidente...
A manhã estava terminando quando os numerosos carros com as autoridades,
passando pelo Hotel Chinês, em frente à Santa Casa, entrando no Largo do
Rosário, antigo local do cemitério dos índios Guaianis, deixaram Bananal
em direção ao Clube dos 200, para ao almoço.
Eunildo, em seus devaneios mentais lembrou até da comida servida pelas
inúmeras netas de mucamas, serviçais no Clube, descendentes dos
escravos que trabalharam nos grandes cafezais da região. Sentiu água na
boca ao lembrar dos doces e biscoitos deliciosos que saboreou após
o almoço, enquanto tomava um café brasileiro tipo exportação, feito
somente das folhas do topo do pé de café. Isso sim é que é café!
Enquanto sentia na boca a lembrança dos petiscos saboreados naquele
almoço, relembrou a continuação da viagem, acompanhando a comitiva
presidencial, junto ao seu tio Antunes. Em todas as cidades da região - São José do Barreiro, Areias, Silveiras,
Cachoeira Paulista - havia uma pequena parada para o povo homenagear o
presidente e autoridades. E, sempre, havia discursos elogiosos ao
presidente, pelos políticos de plantão em cada cidade que não poderiam
deixar passar a oportunidade de se projetarem perante o povo...
A noite já estava com a lua quase no alto do céu, quando a comitiva
chegou a Lorena. Todos da comitiva do presidente participaram do
banquete oferecido nos salões do Solar dos Azevedo, oferecido pelo Dr.
Arnolfo de Azevedo e esposa. Estava presente D. Odila Rodrigues, sua
irmã, chamada carinhosamente por todos de Dona Fiúta ou
Vovó Fiúta, muito admirada pela dedicação esmerada que tinha à
educação do povo. O banquete terminou com o raiar do sol,
quando a Comitiva do presidente retornou para o Rio de Janeiro, a
capital federal e os paulistas para São Paulo.
- Grande festa!
Grande festa!
¾ Eunildo encerra as
suas lembranças, despertado pela fala de seu irmão:
- Hei mano, vamos parar em
Silveiras para comer alguma coisa?
- indaga Celio ao irmão, tirando-o de seus
pensamentos.
- Só se for um café bem
forte, pois ainda não fiz bem a digestão.
- Está bem -
conclui Celio enquanto dirige o Chevrolet 124 pela estrada
de terra batida. Pelos seus cálculos, mais uns minutos e avistaria a
torre da igreja de Silveiras, em cima de um morro, e em seguida a cidade
à beira da estrada...
Eunildo ajeita-se no banco do carro, aprumando a espinha pois já está
começando a sentir umas pontadas de dor nas costas devido à postura
inadequada. Puxa um cigarro enquanto aprecia a nudez da
modelo Yolanda estampada no maço.
¾ Essa Yolanda numa cama
deve levar um homem a desejá-la a noite inteira...¾
pensa ele. Depois de saborear o sabor do cigarro perfumado em longas
inspirações, sonhando acordado e excitado com a imagem que fez
fazendo amor com a Yolanda, nua na cama com ele, jogou o
toco do cigarro pela janela, tendo o cuidado de jogá-lo na estrada de
terra, para o toco não cair no mato e iniciar algum incêndio.
¾ Essa cidade de Silveiras que
vamos chegar daqui a pouco tem, em sua história, algumas
coisas interessantes...
Eunildo começa a contar a seu irmão:
¾ ... li em algum lugar, na
biblioteca do tio Antunes, que Silveiras surgiu lá por volta de 1778
quando esta estrada era ainda uma trilha usada por índios e
aventureiros. Aqui perto tinha uma trilha, a Trilha dos Guaianás
e por ela vinha das Minas Gerais o ouro, através da Serra da
Mantiqueira, passando pela Garganta do Embaú, que fica logo após
Cachoeira Paulista. Daí seguia pelo Paraíba até o porto de Guaypacaré,
hoje Lorena e, em seguida, até Guaratinguetá. Depois seguia por terra
para Cunha, descendo a serra do Mar até Paraty. E dali até o Rio de
Janeiro ia de navio, seguindo depois para Portugal. Como aconteciam
muitos ataques de piratas roubando o ouro, entre Paraty e o Rio,
resolveram abrir um caminho que fosse por terra até o Rio de Janeiro. E,
foi assim que abriram este caminho, hoje uma estrada melhorada. E por
este caminho passavam tropeiros e soldados que protegiam o ouro. E onde
está Silveiras, era um local de parada e pouso para os que vinham da
serra das Minas Gerais. Surgiu uma pequena capela rodeada de folhas de
pita. Conta-se que uma mulher - uma tal de Maria Mota e seus filhos -
rezavam o terço todas as tardes para N.Senhora da Conceição, isso nos
primeiros tempos da Vila.
¾ Com a capelinha
¾ Eunildo continua a contar
¾ algumas casas de sapé
foram sendo levantadas à sua volta. Com o passar dos anos, o lugarejo
foi crescendo. Os primeiros moradores possuíam sobrenomes
ainda conhecidos hoje: os Silveiras, os Guedes,
os Castros, os Rodrigues, os Abreus, os Ferreiras, os Ramos. Os
irmãos Silveiras, com o movimento dos tropeiros no caminho, ergueram um
grande rancho, com a ajuda dos seus escravos e índios e começaram a
plantar alimentos. Nesse grande rancho os viajantes encontravam boa
comida e pousada, além de um tanque natural no riacho ao lado para se
refrescarem. E esses viajantes se referiam ao local como o
Rancho dos Silveiras. Daí para o nome da cidade é fácil concluir...
¾ Sabe outra coisa
interessante sobre Silveiras? ¾
indaga Eunildo. Celio, concentrado na estrada e desviando-se dos
inúmeros buracos, responde com um balanço da cabeça.
¾ Dizem que em 1822 o
Príncipe D.Pedro, em sua viagem histórica a São Paulo, a mesma que o
levou a dar o famoso grito de Independência ou Morte, ao
lado do riacho Ipiranga em São Paulo, parou o seu cavalo em frente à
casa de um tal de Antônio Pinto da Silveira, apeou-se, sentou em um
canapé, esticou as pernas e tomou um copo de garapa coada. Esse Príncipe
almoçou em Silveiras, foi jantar em Cachoeira Paulista e passou a noite
em Lorena. Ao entrar em Lorena ele fez um pequeno descanso embaixo de
uma frondosa figueira, a mesma que circundamos ao sair da cidade hoje.
E, nesse descanso, chegou a gravar suas iniciais no tronco daquela
árvore. Sempre deixando a sua marca por onde passava...
¾ Esse Príncipe deixava
suas marcas em todo lugar, não? ¾
reage Celio, saindo do seu mutismo.
¾ Realmente, mas ele
preferia deixar suas marcas nas mulheres...
Eunildo e Celio riem. E Eunildo continua a descrição das
curiosidades de Silveiras, cuja torre da igreja já era vista ao longe:
¾ Outra coisa que se conta
sobre Silveiras é que passou por aqui um engenheiro alemão quando ela
ainda era uma vila e traçou as ruas da cidade que se formava. Isso
é conjetura, mas como explicar que as três praças da cidade têm as
mesmas medidas, formando retângulos exatamente iguais? E como explicar
que as quatro ruas transversais são exatamente do mesmo comprimento e
colocadas geometricamente de tal modo que dão a impressão de que
foram traçadas antes no papel?
O Chevrolet 124 atravessa pelo largo do Chafariz, logo após ter
passado pela Santa Casa de Misericórdia, quando Celio comenta:
¾ Mas quem veio após esse
alemão não gostava de coisas retas, pois as duas ruas grandes, se não me
engano, são tortas e desalinhadas.
¾ Você tem razão, irmão.
Duas ruas são tortas enquanto as outras são alinhadíssimas. Entra ali,
Celio, naquela rua. Acho que tem um lugar lá na frente para tomarmos um
gostoso café caipira. ¾ O
Chevrolet 124 entra na rua da Tijuca e um quarteirão à frente,
logo após passar pelo Salão de Bailes do Sodero, anunciado em vistosa
placa, estaciona em frente à Casa Abreu, um misto de casa de secos
& molhados e restaurante.
A parada é curta. É o tempo de apreciarem o sabor do
puro café colhido na região, fervido na hora em fogão a lenha e adoçado
com rapadura. Mas deu tempo de trocarem alguns olhares compridos e
marotos com três bonitas moças que entraram na Casa Abreu. E Eunildo não
deixou de observar que apesar de na cidade já haver luz elétrica
produzida por usina, desde 1921, ainda se vendia e era muito usado na
região ¾ segundo lhe
contara o dono da casa depois que ele perguntou
¾ o azeite para candeeiros,
feito de mamona, fácil de plantar e colher. Após o café, tomam o
rumo da Rua da Palha, passam em frente ao campo de futebol dos Silveiras,
onde uma placa de madeira anuncia : Fundado em 1921¾
, e rumam para o norte... Ao saírem de Silveiras, em direção a Bananal, Eunildo comenta:
¾ Nessas histórias que contam
sobre Silveiras, há uma outra interessante. Aqui existe um bairro
chamado Tijuca. Por volta de 1850 era muito movimentado pelos tropeiros
viajantes, isso porque havia bons ranchos de pousada e alguns deles
tinham palco com dançarinas permanentes.
¾ Esses ranchos com dançarinas em
1850 podem ter sido os verdadeiros precursores dos cabarés que temos em
São Paulo ¾ comenta
Celio, desviando-se de uma tropa de burros carregando grandes
balaios cheios de espigas de milho, pendurados no lombo dos
animais, um de cada lado.
¾ E, sabe da
maior, Celio? Silveiras, por volta de 1880, na época do apogeu da
aristocracia do café que existiu nesta região, tinha um teatro em forma
de ferradura, com 300 lugares na platéia. Conta-se que quando a princesa
Isabel visitou a cidade, estava se apresentando no teatro uma Companhia
Teatral Francesa. E os espetáculos eram aos sábados e domingos, sempre
com a casa cheia.
¾ Esta cidade deve ter bons
bailes dominicais, pois vi duas placas anunciando Chá dançante
no domingo, uma no Salão do Sodero e outra no Salão dos Rodrigues.
Eunildo não responde pois tragava a fumaça do cigarro Yolanda que
segurava com a mão esquerda e se distraía vendo a paisagem montanhosa da
região, enquanto torcia a ponta do bigode com a mão direita e entrava em
devaneios...
Ele estava começando
a sentir saudades da namorada que tinha ficado em São Paulo. Fazia pouco tempo,
só três meses, que estavam namorando e ele estava se apegando a ela. Ele achava
isso bom porque considerava que já estava na hora de pensar em casar e formar
uma família. E lembrou que seu tio Antunes recomendara a ele firmar o namoro e
pensar em casar. E em seus pensamentos Eunildo decidiu que ao voltar da viagem
iria falar com a namorada sobre casamento... Quando saiam de Silveiras, Eunildo deixa o seu mutismo
e devaneios e volta a falar:
¾ Aqui à esquerda de
Silveiras existe outra cidade, chamada Queluz, do lado direito do rio
Paraíba, com sua bonita igreja no alto do morro...
A igreja de Queluz tem uma imagem do padroeiro da cidade, São João
Batista, trazida em 1870 direto de Portugal. O interessante, Celio,
é que essa cidade primitivamente, por volta de 1800, era uma aldeia de
índios Puris. O então governador de São Paulo para tentar civilizar
esses índios, criou ali uma aldeia que chegou a ser vila em 1842 e
município em 1876.
¾ Outra curiosidade é que o nome
Queluz é o nome do solar onde nasceu D.Pedro I, por isso o
governador fez uma discreta homenagem à família real... E à
direita, no meio da serra, está a cidade de Cunha. A próxima
cidadezinha que vamos chegar daqui uns 18 km, Celio, é Areias.
¾ Essa cidade de Areias
surgiu logo após a construção deste caminho. Areias já foi grande
produtor de café, sendo em 1854 o segundo maior produtor de café de São
Paulo, depois de Bananal.
E antes
de Bananal, Celio, vamos encontrar São José do Barreiro. Essa
cidadezinha, na época do apogeu do café, tinha belas residências dos
senhores do café que ainda hoje podemos apreciar...
Trocando de tempos em tempos, cada um dirigindo um pouco, chegam ao
destino, nesse dia. A noite já vinha caindo no pequeno vale no
alto da serra, entre Formoso e São José do Barreiro, onde está
localizado o hotel e restaurante Clube dos
200, quando o Chevrolet 124 entra resfolegando no
estacionamento em forma de meio círculo. Uma boa noite de sono os
fará descansar da longa viagem. Após o jantar, o cansaço os fez dormir
logo e não pensarem muito no conteúdo das duas caixas de metal, da
maleta de couro e do envelope, escondidos no carro e o que teriam que
fazer no dia seguinte, em Bananal...
Capítulo
2
O
Brasil, desde o Império, mantém o equilíbrio no
poder alternando a presidência entre os dois Estados de maior força: São Paulo e
Minas Gerais. É o regime café com leite. Os outros Estados,
como o Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco, contentam-se com a
vice-presidência. Somente quando os Estados donos do poder não se
entendem, a presidência é assumida por outro, como é o caso do paraibano
Epitácio Pessoa, em 1919, presidente eleito entre o paulista Rodrigues Alves e o
mineiro Artur Bernardes.
m 15 de Novembro de 1926 é eleito para presidente da República
Washington Luiz Pereira de Souza. Seu lema de governo era "Governar
é abrir estradas" e realiza muito, pelo país, com seu Programa
Rodoviário. Seu governo diminui a dívida externa e impõe moralidade
administrativa. Apesar de suas realizações surgem muitas insatisfações
com seu governo na área militar e política, em especial dos Governadores
Getulio Vargas, do Rio Grande do Sul, Antônio Carlos de Minas Gerais e
de João Pessoa, Governador da Paraíba, apoiados pelas classes média e de
outros setores da sociedade.
Pelo rodízio da Política Café com Leite
é agora a vez de Minas Gerais assumir a Presidência da República e o
candidato é seu governador, Antônio Carlos. Mas Washington Luiz muda as
regras, escolhendo como candidato o governador de São Paulo,
Júlio Prestes, porque quer com isso, garantir um sucessor que continue
suas ações e programas de governo, em especial na área econômica. O
governo controla de tal modo as eleições que é praticamente
impossível vencer os seus candidatos.
Antônio Carlos não abre mão de Minas assumir a presidência: Se o
próximo presidente não for mineiro, não o será, paulista!
Por isso, os enviados de Antônio Carlos ao Rio Grande propõem: o próximo
presidente pode ser gaúcho, no caso, Getulio Vargas. Está
lançada a candidatura a presidente de Getulio Vargas, sendo seu vice,
João Pessoa, da Paraíba. Com isso, aumenta a confrontação política com
o presidente Washington Luiz.
A situação política é agravada pela situação socioeconômica do país
, reflexo da queda da economia mundial em outubro de 1929, afetando
todos os setores econômicos do país, de modo catastrófico: em dezembro
há 400.000 desempregados na cidade de São Paulo e 2 milhões no
país.
Está chegando ao fim, com essa crise, o sistema socioeconômico
cujo alicerce é a monocultura do café.é é o
principal produto de exportação do país, representando 60% das
exportações, com 1 bilhão e 550 milhões de pés de café plantados. O
Brasil controla metade do mercado de café no mundo. Desde o
Império os barões - ou coronéis - do café, paulistas e mineiros,
uma elite agrária e econômica ocupam os principais postos de
comando do país - com seus filhos, genros ou netos - alternando-se no
poder, mantidos pelo Partido Republicano. Em São Paulo, esse Partido
domina sozinho o ambiente político. Os únicos setores que aceitam
pessoas não oriundas das classes dominantes são o Exército e
a Igreja.
E muitos dos barões do café já dominam indústrias porque investiram,
além de outros recursos, o dinheiro que durante a Primeira
Guerra, de 1914 a 1919, não puderam gastar viajando com a família para a
Europa. E novos imigrantes empreendedores, de várias nacionalidades,
também fazem surgir novas indústrias, pequenas e médias.
Florescem novas indústrias e o comércio é fortalecido. De 6.000
indústrias em 1914 passa-se para mais de 20.000 em 1929. E começa
a fortalecer-se, também, o espírito classista dos industriais.
A industrialização do país, em especial de São Paulo, traz uma maior
concentração urbana da população, progresso material e novos movimentos
sociais e trabalhistas, com encontros e debates de ideias novas,
emergentes, ajudados pelos novos jornais que são fundados.
Idéias novas como a jornada de 8 horas, já existentes em outros países,
o que agita o operariado que trabalha
12 horas diárias, inclusive 6 horas no domingo, e também,
férias remuneradas. Apesar desse progresso, há desemprego,
fazendo a classe média, em especial, diminuir o seu nível social, além
de descontentamento na classe operária que junto com a classe média não
vêem mudanças acontecerem para melhorarem as suas vidas. Essa
insatisfação provoca freqüentes movimentos sociais e trabalhistas,
como as greves, violentamente reprimidas pela polícia. A população
anseia por mudanças políticas, sociais e econômicas, mudanças que
melhorem suas vidas.
A crise mundial de 1929 faz o café despencar em seu valor
econômico e com essa queda, diminuir o poder das classes até então
dominantes no cenário nacional. Novas classes surgem para assumir
o poder, os militares, os industriais e a classe média, que querem
fazer-se ouvir e participar ativamente no que acontece no país.
Os problemas sociais e políticos se agravam e todos querem encontrar uma
saída: mudanças em tudo o que pode ser mudado. Mas
Washington Luiz não faz as mudanças esperadas por todos, agindo com
poder e rigidez, fazendo desencadear a Revolução de 1930.
Em 1º de Março de 1930 são realizadas as eleições e Júlio Prestes
obtém vitória com 1,1 milhão de votos, enquanto Getulio Vargas obtém
737.000 votos.
¾ Houve fraude!
¾ foi a reação da Aliança
Liberal. E o Governo, também, achou que houve fraude pois em São Paulo
Getulio Vargas teve surpreendente votação e no Rio Grande do Sul
99% compareceram às urnas, votando maciçamente em Getulio Vargas.
O Congresso reconhece Júlio Prestes como o novo presidente eleito,
aclamado em 22 de maio.
Getulio Vargas, em 1º de julho, lança Manifesto denunciando a eleição e
agredindo o novo presidente. E, para piorar, em 26 de julho João Pessoa
é assassinado, por motivos pessoais, em uma confeitaria no
Recife. Os
motivos pessoais logo são transformados em políticos e o morto
transformado em vítima do governo. No Congresso, na capital federal, no
Rio de Janeiro, o grito que se ouve é:
¾ Presidente da República, o que fizeste do
Presidente da
Paraíba?
O assassinato de João
Pessoa mobiliza toda a oposição e faz detonar o movimento
militar.
No dia 3 de outubro de 1930
explode o movimento contra o presidente Washington Luiz,
primeiramente no Rio Grande do Sul, seguido de Minas Gerais, Pernambuco e
Paraíba. Na maioria das cidades o povo aceita o movimento como uma nova
esperança para um novo tempo. No dia 12 em Ponta Grossa, Paraná, Getulio Vargas
assume o comando militar dos revolucionários que, de trem, se dirigem para o Rio
de Janeiro. Getulio Vargas com Estado-Maior chega em Curitiba, 20 outubro 1930. Tropas
mandadas contra os batalhões revolucionários passam-se para o lado deles...
Em 31 de outubro de 1930 a Junta Militar dos generais Augusto Tasso
Fragoso e João de Deus Mena Barreto e do almirante Isaias de Noronha,
entrega o poder a Getulio Vargas que oficialmente é empossado a 3
de novembro como presidente, em caráter provisório.
As vozes contrárias a Getulio Vargas, que exigem sejam
determinados os limites de seu governo provisório são silenciadas
ou ignoradas. Getulio, desde o começo, mostra que o movimento
revolucionário que comandou era uma catástrofe para o país, pois
incentiva os aventureiros audaciosos e, desse modo, decepciona
todos que para ele cooperaram com sadias intenções patrióticas. O
decantado programa da Aliança Liberal fica como letra morta, após a
vitória da sua pregação, pois as intenções são desfiguradas...
O poder, tradicionalmente nas mãos de paulistas e mineiros, é
agora ocupado por um gaúcho, pela força de decisão dos generais e pela
força das tropas que envergando o uniforme rebelde, com lenço
vermelho e chapéu gaúcho fazem nascer a República Nova. Ao
assumir, Getúlio imediatamente suspende a Constituição de 1891, dissolve
o Congresso Nacional e nomeia interventores federais para
substituir todos os governadores e assume, por decreto,
poderes ilimitados de governo. E valoriza as Forças Armadas,
em especial os tenentes que o ajudaram na revolução de 3 de
outubro...
Morre
a República Velha e com ela o poder do Partido Republicano,
fazendo diminuir a força dos seus correligionários, os
perrepistas. Os vitoriosos do Getulio são chamados de
tenentes e estes sabem, em São Paulo o que querem: tirar do
poder os membros do PRP - Partido Republicano Paulista que
desde 1894 mandam no poder no Estado. E conseguem isso fazendo
mudanças nos altos escalões do Governo, censurando a imprensa, fazendo
maior controle das ruas, evitando manifestações operárias, fazendo
vigilância sobre Clubes e outras sociedades... Os olhos e ouvidos dos
tenentes e dos vitoriosos de Getulio são os membros do Clube Três de
Outubro e a Legião Revolucionária, recém-criados, "policiando
governo, povo, economia, ruas e quartéis da Força Pública. E fundam o
PPP - Partido Popular Paulista para agrupar esse contingente
defensor de 1930. E nas gráficas do governo estadual imprimem o jornal
O Tempo, seu porta-voz. Nenhuma medida para reativar a vida econômica -
com toda a sua riqueza, São Paulo arranje-se sozinho! Determinadas
produções são limitadas para enfraquecer o poderio econômico do Estado".
São Paulo passa a ser uma terra conquistada pelos
revolucionários de Getulio Vargas, representados por Miguel
Costa e João Alberto. O general Miguel Costa é colocado
por Getulio sobre todos as forças militares, criando acima do
comando geral da Força Pública, uma Inspetoria e colocou em postos de
comando, capitães e tenentes revolucionários do Exército. É um modo de
minar as forças militares paulistas... E o pernambucano João Alberto em
suas funções, de delegado militar, na realidade, é o interventor
político de Getulio em São Paulo, o que é confirmado em 25
de novembro quando o delegado é transformado em interventor... Em 25 de Janeiro de 1932, dia do aniversário da fundação de São Paulo,
uma multidão comparece ao Largo da Sé, convocada pela Liga de Defesa
Paulista, para manifestar sua vontade de libertação da terra paulista. A
forte chuva que cai não dispersa a multidão, que entre um orador e
outro grita:
¾ São Paulo para os
paulistas.
Esse grande comício é um aviso para o Getulio. O jornal carioca
Correio da Manhã
entende o recado e publica em 26 de Janeiro: “São
Paulo esperou demasiadamente... Não há duas maneiras de encarar a
situação paulista: ela é clara e tem a virtude de constituir um aviso,
com a vantagem, a um tempo, da eloqüência e da antecedência”.
Mas , em São Paulo, os representantes de Getulio não compreendem o
sentido da reação cívica do povo paulista. Convocado por Góes Monteiro,
os tenentes reúnem-se nos Campos Elíseos para analisar a situação e
concluem: São Paulo quer separar-se do Brasil. Góes Monteiro ordena
ações para coibir isso.
As nuvens da tempestade aumentam sobre São Paulo...
O
dia 21 de Janeiro de
1932 amanhece com um sol radiante. Atrás dos morros de formas arredondadas pela
erosão dos ventos e chuvas, surge a luz solar tingindo, no início, as nuvens
esparsas, de um tênue dourado. O céu, de um azulado escuro, vai clareando
devagar e mudando para alaranjado, até ter todo o firmamento iluminado pela luz
que dá vida ao planeta Terra.
Os passarinhos, em alegre algazarra sonora, anunciam o novo dia que
promete ser ensolarado e quente. No pomar do Clube dos 200, nas bananeiras
com vários cachos de banana madura, os pássaros fazem a festa, se deliciando com
as chamadas bananas de macaco (Montrichardia arborescens), açucarada, sem
filamentos, contendo em sua polpa grãozinhos escuros, bananas típicas da região.
Os bem-te-vis são os mais barulhentos e seu canto característico faz coro com o
barulho do rio encachoeirado que passa nos fundos do Clube dos 200...
...Clube inaugurado em 24/3/1928 com a presença do Presidente da República, Dr.
Washington Luiz e do governador do Estado de São Paulo, Júlio Prestes. O Clube,
com um grande prédio térreo em forma de T, foi construído pelo presidente para
abrigar políticos que desejassem sair um pouco da agitação da capital federal, o
Rio de Janeiro. Funciona como uma espécie de
Clube Prive para políticos, industriais e fazendeiros influentes e
endinheirados.
O sol já caminha alto no céu quando Celio e Eunildo aparecem na sala de café. O
cansaço do dia anterior está visível nos seus rostos. Sentam-se no amplo
salão de refeições do Clube, perto de uma janela, de onde olham, de vez em
quando, para o Chevrolet 124 no estacionamento. Mais algumas horas e estariam
livres do encargo que seu tio Antunes lhes responsabilizara.
Tomam um lauto café, com frutas e o delicioso café com leite feito no Clube dos
200.
- Nunca tomei um café com leite tão gostoso como este servido aqui no Clube.
- comenta o irmão mais moço.
- Como dizem os americanos, So do I,
eu também - assente Eunildo. - E este pão, então? Que delícia que é,
parece crocante! - Eunildo, sempre curioso, chama a distinta senhora que servira
o café e pergunta do que era feito o pão. A senhora dá-lhe
uma aula:
- Esse pão é 80% igual aos outros, mas tem 20% de diferença. Ele tem 20% de
farelo de arroz, misturado na massa de trigo. Meses atrás hospedou-se aqui no
Clube uma jovem senhora, de personalidade marcante e nome diferente. Dona Delza,
como era chamada, muito alegre e entusiasta pelas coisas da vida, contagiou a
todos nós com sua alegria de viver feliz e em harmonia consigo mesma, com a
natureza e com os outros. - Procuro estar em harmonia com o Universo - dizia ela. E essa jovem
senhora deixou para todos nós algo muito especial. Nos dias que passou hospedada
aqui ela nos ensinou, especialmente ao nosso cozinheiro, a importância de nós
nos alimentarmos melhor para termos uma melhor saúde. E o algo especial que
contagiou o cozinheiro é o uso da casca interna do arroz, chamada de "película",
retirada quando do beneficiamento do arroz. Essa película é muito rica em
tiamina ou vitamina B1. E, quando falta tiamina em nossa alimentação,
especialmente se comermos arroz branco beneficiado, nós sofremos de
Beribéri, aquela doença que os
navegadores antigos sofriam quando faziam longas travessias marítimas. A
Beribéri provoca em nós dores musculares e nas articulações, paralisia e
adormecimento de partes do corpo, edema progressivo, inflamação dos nervos
afetando o raciocínio, edema nas pernas, alteração das suprarrenais e
insuficiência cardíaca. E, o mais interessante, é que quando falta tiamina
na nossa alimentação, o intestino não funciona direito porque a beribéri ataca
principalmente os intestinos. E quando os intestinos não funcionam direito o
sangue fica grosso e sujo, provocando distúrbios do sistema nervoso. Com isso, o
raciocínio fica lento. Quando você come tiamina, como é o caso do farelo de
arroz no pão, no bolo ou em outros alimentos, ou come arroz integral em vez do
arroz beneficiado, seus intestinos funcionam melhor. Com isso você tem maior
agilidade mental. E o seu corpo, com a melhoria do sistema nervoso e do seu
sangue, funciona todo bem melhor... Por tudo isso, o meu amigo cozinheiro se
entusiasmou e resolveu ajudar as autoridades, industriais e grandes fazendeiros
que se hospedam freqüentemente aqui no nosso Clube dos 200. Enquanto eles estão
hospedados aqui vão comer pão enriquecido com farelo, bolo enriquecido com
farelo e outras coisas que ele faz na cozinha. Ele acha que é a contribuição
dele ao bom funcionamento dos intestinos e
dos cérebros da República. E, quando os cérebros das autoridades funcionam
melhor, logicamente o país funcionará melhor... - E a senhora encerra sua
explicação com a pergunta: - Os senhores estão bem servidos? Desejam mais café,
frutas ou pão enriquecido com farelo? - E, enquanto falava pão enriquecido com
farelo sorri feliz aos dois hóspedes. O sorriso contagia seus olhos,
resplandecendo o seu rosto inteiro. Parece muito feliz de sua
missão. Ela se acha parte, figurante,
da missão que atribui ao seu amigo cozinheiro... E sorri, esperando a resposta
dos hóspedes...
Eunildo e Celio, muito educados como convém a hóspedes especiais que
portam carteirinhas de sócios do Clube dos 200, sorriem à senhora, agradecendo o
bom atendimento e solicitando um pouco mais de café com leite e mais algumas
fatias do delicioso pão enriquecido com farelo... A senhora se afasta para
providenciar o pedido. Os dois irmãos se entreolham. Celio, o mais jovem deles,
toma a palavra:
- Que aula que essa senhora nos deu, hein mano? Interessante a empolgação com
que ela fala sobre os resultados do farelo de arroz na saúde. E achei
interessante a relação que ela fez sobre o bom funcionamento dos intestinos e a
agilidade mental.
- Você tem razão, mano. E o que mais me impressionou foi constatar a erudição
que ela possui sobre coisas fundamentais em nossa vida e que a maioria do povo
desconhece, inclusive nós dois, representantes das
classes dominantes deste país. Nós temos ainda muito o que aprender,
muito mesmo! Viva e aprenda sempre, não?
A senhora traz o café com leite e o pão enriquecido com farelo. Os irmãos se
deliciam de novo com o sabor do pão e do café...
Depois de pagarem a conta, pegam o Chevrolet 124 e iniciam a viagem.
- Próxima parada - brincou Celio, com seu largo sorriso, - Bananal, na
chácara dos Alves de Algarves... Desta vez Eunildo senta-se na direção do
Chevrolet enquanto Celio vai lendo as notícias da semana anterior ocorridas em
Bananal, estampadas no jornal O Progresso, que ganhara na recepção do Clube dos
200...
A
Serra das Perobeiras é um espigão entre os rios Paca Grande e o rio
Mambucaba. É coberta de densa floresta com altas árvores de peroba, canela,
jacarandá, graúna, sucupira, cedro, quaresmeiras, ipês, surinãs e outras árvores
nativas da região nordeste do Estado de São Paulo. A terceira lombada de morros,
o morro Formoso, marca com sua altura o limite com o Estado do Rio. Da
ramificação oriental da serra das Perobeiras avista-se Bananal ao longe.
Entre
os morros de contornos arredondados da Serra das Perobeiras, alguns vales
luminosos com lagoas, rios e campinas ótimas para pastagens
de gado. Um paraíso intacto da natureza. Os pássaros cantam alegres nesse
paraíso de florestas. O sol estende os seus raios dourados pelas folhas em
galhos abertos para o alto como braços em prece e saudação à Vida. Os raios
luminosos iluminam o chão. O mato rasteiro, baixo, cobre alguns pedaços aqui e
outros ali, entre uma moita e outra de frutinhas silvestres, alimento dos
pássaros e animais. O barulho da água do Córrego dos Coelhos, encachoeirado,
envolve o barulho das folhas balançando e o cantar dos pássaros.
De repente, o cantar dos pássaros cessa. Um silêncio toma conta da mata. Os
pássaros pressentem alguma coisa que quebrava o ritmo normal da natureza. Um
cano de espingarda surge atrás de uma árvore, lentamente. Uns metros à direita,
surge outro, sem fazer barulho. E mais três canos de espingarda aparecem atrás
de outras árvores. Os cinco homens avançam sorrateiramente e devagar, tomando
cuidado para não fazerem barulho ao pisarem no chão, evitando
especialmente os galhos secos. Os cinco avançam em formação de semicírculo.
Mochilas às costas, bonés verdes com dois
A entrelaçados, desenhados com feltro amarelo à frente dos bonés, botas de
cano curto e cartucheiras na cintura, somadas às roupas civis, indicam a um bom
observador que não são militares em treinamento, apesar de dois deles
serem oficiais da Força Pública, recém-formados. Gozam de merecidas férias...
São jovens na aparência, mas mostram que sabem o que estão fazendo, agindo
com grande segurança no mato e no empunhar das espingardas. Mal sabem eles que
essa experiência que possuem e essa brincadeira que fazem em alguns fins de
semana ou, como agora, nas férias, caçando animais na grande terra com
florestas, que vai de Bananal a Angra dos Reis e que pertence à sua família,
Alves de Algarves, conhecida como Duplo A,
será de grande serventia na Revolução que está se aproximando como uma
tempestade... Robson, o mais velho dos 5 irmãos ali presentes, avança atrás de
uma moita e levanta o braço esquerdo. É o sinal para os outro quatro, Raymundo,
Rogério, Reinaldo e Rodrigo, pararem. Ficam atentos e procuram olhar na direção
que o irmão indicava. Vêem à beira do riacho, bebendo água, dois gordos coelhos.
A primazia dos tiros será dos caçulas. A um sinal, dois tiros certeiros atingem
suas cabeças. Os irmãos já tem carne para o churrasco no almoço e no
jantar.
Algazarra geral. Gritando IURRÚ e dando urros de alegria, correm em direção ao
riacho. Os pássaros se assustam com os tiros e, em bandos, alçam vôo para longe.
Os 5 irmãos retornam ao caminho por onde tinham vindo. Rodrigo e Rogério, os
mais jovens deles, carregam, cada um, um coelho seguro pelos pés.
- Você está ótimo de mira, hein irmão? - diz Robson para o caçula do grupo,
Rodrigo, um rapaz forte no esplendor dos seus 18 anos incompletos.
- É que ele está treinando tiro ao alvo lá no fundo de nossa casa, na curva do
rio.
- Mas ele é bom mesmo, Raymundo!
- Hei, eu também não recebo elogios? - reage Rogério, o irmão acima do
caçula, com 21 anos e largo sorriso, como característica pessoal - eu
acertei o outro coelho bem na cabeça! - completou.
- Ora, você não precisa de elogios - diz o mais velho, com 25 anos. - Nós
sabemos a boa mira que possui. - E, enquanto fala, puxa a aba do boné do irmão,
cobrindo seus olhos, enquanto lhe dá um abraço com o braço direito.
E conversando sobre mira e tiros, andam mais de uma hora pela mata,
atravessando o pequeno vale, chegando à cabana que haviam construído há uns anos
atrás, com troncos de árvores, no meio da grande floresta. Localizada em uma
clareira natural, perto de água corrente, a cabana fica no fim de uma picada na
floresta, aberta a facão, ligando-a até a Estrada Geral de Bananal, estrada que
sai da cidade pela Rua do Fogo, atrás da igreja matriz.
De forma quadrada, coberta de sapé e com uma janela e uma porta feitas de
tábuas, a cabana abriga bem 7 pessoas. Em um canto, um fogão a lenha com grade
de ferro para se fazer churrasco. Ao lado, uma pia com água corrente que vem de
uma nascente ali perto, canalizada até a cabana em bambus gigantes, furados nos
nódulos a ferro em brasa. Fora da cabana, uma fossa cercada de bambus e coberta
de sapé serve de banheiro. Pendurada ao lado da cabana, uma lata de banha, toda
cheia de furos ao fundo, faz escorrer água que vem pela canalização de bambu,
como se fosse um chuveiro natural. Atrás da cabana, um cercado de bambus grossos
abriga cinco cavalos.
Os irmãos estão acabando de saborear o coelho assado e a farofa frita que
fizeram em uma frigideira quando escutam ao longe dois tiros. Saem todos em
correria e param ao lado da cabana, ouvindo o barulho da floresta. Passados uns
minutos, outra seqüência de dois tiros, desta vez mais perto. Reinaldo e
Raymundo, precavidos, entram em um pé na cabana e no outro já voltam com suas
espingardas à mão, escondendo-se rapidamente, cada um de um lado da trilha,
atrás de uma árvore.
A tensão toma conta deles. Um olha para o outro tentando sentir o que os outros
pensam ou buscando apoio recíproco, especialmente nos dois irmãos mais velhos,
que já são oficiais recém-formados da Força Pública de São Paulo. O silêncio
deles é tal que dá para ouvir o tic-tac do relógio de bolso que Robson
usa, prêmio por ter sido o 1º da turma na Academia da Força Pública em São
Paulo.
O tempo de espera dos acontecimentos parece uma eternidade. De repente, outro
tiro, desta vez mais perto ainda, criando um alvoroço emocional
neles, especialmente os três mais jovens. É alguém que vinha a galope pela
trilha que ia desembocar na cabana e estava dando tiros para o ar para
alertá-los.
- Quem poderá ser e que notícia urgente está trazendo? - essa é a pergunta
jogada ao ar pelo mais velho dos irmãos, quebrando o tenso silêncio.
- Quem conhece este caminho que abrimos na floresta, além de nós? -
indaga Raymundo, também jovem oficial da Força Pública, colocando em prática
seus conhecimentos de Analista de Informações, área em que se especializou na
Academia. Ninguém lhe responde. Estão atentos ao barulho de um cavalo sendo
forçado a correr pelo seu cavaleiro, por gritos constantes de IÍIIIÁÁÁ... De
repente, surge na trilha, envolto em uma poeira levantada pelo cavalo em galope,
um guri de 17 anos, pretinho, que trabalha na casa deles em Bananal, cuidando
dos cavalos. Hábil cavaleiro e atirador...
- É o Carlinhos dos cavalos! - exclama Reinaldo.
- Pelo jeito que corre deve ser algo urgente - pondera Robson.
- Será que as greves de operários pioraram a situação em São Paulo, fazendo a
Força Pública cancelar nossas férias? - indaga Robson ao irmão Raymundo. Não
obtém resposta. Carlinhos puxa as rédeas do cavalo com força obrigando-o a parar
perto da cabana. Os cinco irmãos o rodeiam. Raymundo, o mais alto deles, segura
o cavalo pelas rédeas. E pega a espingarda da mão do guri. O cavalo
resfolega de cansaço da corrida que fizera nos últimos quilômetros. O menino
desce do cavalo com agilidade e com a respiração entrecortada de cansaço, fala
aos cinco irmãos o recado que trouxe:
- O patrão vosso pai pede para voltarem urgente para casa.
- Mas, o que aconteceu de tão urgente para nosso pai pedir para voltarmos?
- indaga Robson. E o menino desinibido fala:
- Não sei porque. Só sei que chegou ontem de São Paulo um carro com dois homens,
seus amigos, Eunildo e Celio. Eles se fecharam com o seu pai um tempão e ficaram
a conversar. Eu estava ajudando a limpar os vidros das salas e salões quando
isso aconteceu. E seu pai me chamou ontem à noite e me ordenou para pegar um
cavalo selado bem cedo hoje de manhã, uma espingarda, uma bolsa de pano para
carregar um bom lanche e vir correndo até a cabana avisar prá vocês.
Os irmãos se entreolham. Sem dizer palavras, movimentam-se preparando a partida
da cabana. Enquanto Robson, Raymundo e Reinaldo pegam as selas na cabana e
começam a arrumar os cavalos, Rogério e Rodrigo limpam a cabana, dando para
Carlinhos comer o que restou do churrasco de coelho e da farofa. E deram-lhe o
segundo coelho para levar em seu cavalo. Guardam as esteiras de palha trançada,
usadas para dormir, encostando-as de pé a um canto. Lavam a frigideira onde
fizeram a farofa, os pratos e talheres usados. Penduram esses materiais em uma
estante feita de bambu, a um canto e, em seguida, pegam as cinco mochilas. Foi
só o tempo de cada um colocar às costas suas mochilas, enfiar as espingardas nos
alforjes ao lado das selas dos cavalos, firmar à cabeça os bonés verdes e montar
em seus belos cavalos tordilho, alguns negros totalmente e outros
castanhos. Carlinhos, depois de lavar o prato e talher que havia usado, junta-se
a eles.
Os dois irmãos militares, por serem mais velhos, tomam à frente do grupo, depois
de se certificarem que o fogo e as brasas do fogão estão apagadas e a cabana
fechada. Tomam o rumo de Bananal, seguindo a trilha que vai pelo meio do pequeno
vale, contorna alguns morros até desembocar, quatro horas depois de marcha
normal a cavalo, na Estrada Geral que liga o sertão à cidade. E dali até a casa
da família, mais vinte a trinta minutos.
A tarde vai chegando ao seu final quando os cinco irmãos com seus cavalos
a trote, seguidos pelo menino Carlinhos montado em um cavalo baio,
depois de passarem pela curva do morro do Tanque, chegam
ao final da Rua do Fogo, passam pelo
Beco dos Velhacos com seu armazém no
sobrado da esquina e depois pela Travessa do Sacristão, também chamada de
Rua das Flores, rua pequena com o Asilo dos Velhos em um dos cantos.
Passam por trás e depois ao lado da Igreja do Senhor Bom Jesus do
Livramento, cujo relógio da torre esquerda marca 17:45 horas em seus algarismos
romanos. Saem na Praça da Matriz e, depois de contorná-la, seguem à esquerda,
tomando a rua Prudente de Moraes.
Da sacada principal do sobrado da família, seus pais Otávio e Nimpha, ele com
seu costumeiro charuto no canto esquerdo da boca, embaixo do vasto bigode, os
saúdam com um aceno de braço, enquanto cruzam a entrada em direção ao curral dos
cavalos, à direita do grande sobrado, uns 100 metros em direção ao rio nos
fundos da chácara. Irmãos do Carlinhos logo aparecem para ajudar a tirar as
celas e arreios dos cavalos, todos com metais de boa prata portuguesa e levá-los
para o depósito de arreios de montaria, perto do curral.
O caçula dos seis irmãos, Raul, de 10 anos, um alegre menino de cabelos pretos,
em barulhenta algazarra perto deles, pega da mão do Carlinhos o coelho e
sai correndo em direção à cozinha. Vai pedir, à cozinheira, coelho assado
no jantar.
Depois de entregarem as mochilas para dois empregados da casa cuidarem, os
cinco irmãos lavam a poeira com um bom banho ensaboado. E a seguir vão à saleta
reservada onde seu pai os espera, na companhia dos dois visitantes. Após os
esfuziantes abraços e cumprimentos aos dois amigos paulistanos, todos sentam em
volta da enorme mesa, com mármore branco, sustentado por pernas de madeira
escura trabalhadas artisticamente. As cadeiras possuem assento de palhinha,
espaldar alto de madeira escura e recortes arredondados.
Os irmãos olham curiosos para seu pai, à cabeceira da mesa. Depois de pedir ao
caçula dos irmãos ali presentes, Rodrigo, para fechar a enorme porta, de duas
folhas, com trinco ao meio, ele tira o charuto da boca, pigarreia e
fala em tom formal e sério:
- O que vou
falar aqui nesta sala é segredo e não deve ser comentado com ninguém fora daqui.
Se isso acontecer, nossas vidas correrão sério perigo. E, especialmente aos meus
filhos que são militares da Força Pública e têm compromisso com ela, peço o
máximo sigilo. A partir de agora nós estamos em um
compromisso de sangue e de honra. De
nós dependerá a vida de muitas pessoas e o destino do nosso país, especialmente
de nosso Estado de São Paulo... - Depois de uma pausa para tirar três baforadas
do charuto, continuou:
- O nosso estimado amigo Antunes, representando os industriais de São Paulo,
encarregou seus sobrinhos aqui presentes de trazerem uma árdua missão para nós.
Não vou ler a carta que ele me escreveu, mas fazer um resumo do assunto. O
Antunes e seus amigos de São Paulo chegaram à conclusão que o Getulio quer ficar
no poder por muito tempo e tirar o poder que hoje está com São Paulo, Minas e
Rio Grande do Sul, especialmente com os industriais e fazendeiros de café.
Concluíram que o único modo de evitar isso é pela luta armada. E essa luta vai
acontecer ainda neste ano de 32. Já estão sendo preparadas algumas coisas, como
fabricar armas e equipamentos para a luta, secretamente em indústrias de gente
que quer o melhor para São Paulo e nosso país. Poucas pessoas sabem disto. Na
Força, alguns coronéis - como os seus tios Wilson e Olavo - sabem do que está
sendo preparado. E no Exército há alguns oficiais que apóiam a idéia, como é o
caso do general Bertholdo Klinger e do coronel Euclydes Figueiredo. Este,
inclusive, está preparando os planos da ação militar, coordenado pelo general
Isidoro Dias Lopes, o chefe da conspiração paulista...
Depois de dar outra tragada no charuto, continua:
- Como eu
dizia, vai haver ação armada. E, para isso o Estado de São Paulo precisará
de munições e muita munição. Uma boa parte já está sendo controlada nos
estoques existentes nos quartéis na capital e no Estado, mas uma outra parte
necessariamente terá que vir do exterior. Aí é que nós fomos convidados a
colaborar, pelo nosso amigo Antunes e pela cúpula militar que está preparando a
ação militar. Nós iremos receber essa munição no porto de Mambucaba, em Angra
dos Reis, transportá-la em lombo de burro até Bananal e, daqui para outros
pontos da Vale do Paraíba e a capital, outros amigos nossos levarão de
caminhão...
- Você está pensando em utilizar o Caminho do Café, pai?
- Exatamente, Robson. O Antunes e eu andamos muito por esse Caminho,
quando fazíamos nossas caçadas pelo sertão. Certa vez fomos até Angra dos Reis
por esse Caminho de quase 50 km. Ele é calçado, feito de pedra, pelos
escravos, no tempo do Império e, conta-se as lendas, muito antes da chegada
do homem branco a este continente, os índios já utilizavam a trilha que existia,
antes de o Caminho ser aberto e calçado em alguns trechos, para atravessar a
serra da Bocaina, pela bacia do rio Mambucaba, e chegar ao Vale do Paraíba. E
por esse Caminho, muitos escravos africanos foram levados, do porto, para o
trabalho nas fazendas paulistas e mineiras. Acredito que o seu pavimento
de pedra deve estar intacto, daqui do sertão de Bananal até o pé da Serra
de Angra dos Reis. E tem a vantagem de estar todo dentro de nossas terras e de
poucas pessoas o conhecerem, o que nos ajudará a manter em segredo nossas
viagens por ele.
- Que caminho é esse que vocês estão falando, pai? É a primeira vez que
ouço falar dele. Se eu entendi, ele é feito de pedra em sua maior parte da serra
e vai até Angra dos Reis? - indaga o caçula, Rodrigo, com um espanto no
rosto juvenil.
-
Exatamente, filho. Por volta de 1820, quando nesta região havia a riqueza do
café, chamado de rubiácea, Bananal era a Capital do Café. Plantava-se e
beneficiava-se nas fazendas variados tipos de café: amarelo, Bourbon,
Ceilão, Egípcio, Libéria, Java e Moca. E como Bananal faz limite com Angra dos
Reis, o mais fácil era levar o café aqui produzido até os portos de Angra dos
Reis (Ariró, Jurumirim e Mambucaba). Para escoar o seu café, os grandes
fazendeiros da época resolveram pavimentar com enormes pedregulhos um bom trecho
do caminho que abriram até Angra dos Reis, na antiga trilha feita pelos índios.
Esse caminho foi feito dentro de nossas terras, cedido pelo meu avô, utilizando
escravos que os fazendeiros tinham em suas fazendas. Dinheiro não era problema
para eles. Tinham tanto dinheiro que chegaram a possuir vultosos depósitos em
Bancos de Londres. E, quando o Brasil, a Coroa Imperial, precisava fazer
empréstimos, os banqueiros londrinos emprestavam desde que os fazendeiros de
Bananal avalizassem os títulos da Coroa.
- Essa eu não sabia! - reage espantado o 3º filho mais velho,
Reinaldo.
- Café,
aqui em Bananal dava como chuchu em bom pé. Era tanto café que por ano chegavam
a cem mil arrobas. Em 1860 a região chegou a produzir ao ano um milhão de
arrobas... Era tanto café que em 1889, os fazendeiros resolveram financiar a
construção de uma ferrovia, ligando Bananal até a Estação da Saudade, em Barra
Mansa. São 28 km de trilhos que ligam Bananal à Estrada de Ferro D. Pedro II que
em 1918 passou a chamar-se Estrada de Ferro Central do Brasil e por ela, até o
Rio de Janeiro ou São Paulo. Por essa ferrovia particular os fazendeiros
escoavam o seu café, deixando de utilizar o Caminho do Café. Essa ferrovia foi
inaugurada em 1º de Janeiro de 1889, doze anos após ter sido completada a
ligação ferroviária de São Paulo com o Rio. Até a nossa bonita estação
ferroviária, construída com 2.000 placas de ferro e aço pré-moldados, foi toda
importada da Bélgica...
- ... Para
a época em que tudo foi importado, era uma tecnologia avançada. Tudo dessa
estação é de metal, artisticamente trabalhados: o forro, o teto e até uma escada
para o segundo andar. E os assoalhos eram de autêntico pinho de Riga, madeira
ainda hoje bem conservada. Isso mostra como os fazendeiros do café tinham
dinheiro. Era tanto dinheiro naquela época que os fazendeiros, em 1880,
inauguraram o chafariz do Largo da Matriz, todo de cobre artisticamente
trabalhado, que trazia água encanada do reservatório Água do Marcos.
- E produziam, também, em suas fazendas, em pequenas indústrias: fubá,
farinha, açúcar, azeite, sabão. E muitas fazendas tinham oficinas de marcenaria
e carpintaria que produziam móveis artisticamente trabalhados, ferraria,
sapataria e até alfaiataria. Mas, vamos voltar ao osso Caminho do Café. Vamos
utilizá-lo com burros, como era feito pelos fazendeiros. Robson, você já esteve
nesse Caminho comigo, lembra? E, se não me engano, o Raymundo também o conhece
inteiro...
Raymundo, com a cabeça fazia que sim...
- Então vamos examinar os detalhes do trabalho. O Antunes enviou algumas
ideias de São Paulo e algumas providências. Através de meus irmãos que estão no
Q.G. da Força Pública, o Antunes conseguiu - e aqui estão os documentos para
vocês examinarem - que Robson e Raymundo fossem enviados a um Curso de
Aperfeiçoamento por 5 meses no Rio de Janeiro, por terem sido os dois primeiros
colocados nas suas turmas. Na realidade, vocês estão em missão secreta a partir
de agora. Não precisarão apresentar-se, ao término de suas férias, em São Paulo.
Isso facilita bastante nosso trabalho, pois a experiência de vocês dois
adquirida na Escola Militar pode ser de grande valia...
E o planejamento do pai com os 5 filhos mais velhos, ajudados pelos dois
visitantes, Celio e Eunildo, só foi interrompido pelo chamado para o jantar,
continuando logo após este e entrando no início da madrugada... O cansaço os faz
parar logo após o relógio bater meia noite e meia.
A manhã de 23 de Janeiro de 1932 vai caminhando pelas sete e meia
quando todos são acordados, em seus quartos, pelo mais velho dos serviçais da
casa, o velho Paulo... com sua voz mansa e gutural sacode devagar cada um
enquanto fala baixinho: - Sinhôzinho! Sinhôzinho! Acorde! Está na hora de
levantar. Às nove horas a reunião com vosso pai terá continuação...
Passava uns 15 minutos das oito horas da manhã radiante quando começam a
reunir-se na ampla sala onde o café vai ser servido. Uma mesa com frutas
variadas, todas já bem lavadas, algumas já descascadas, como é o caso do
abacaxi, cortado em rodelas em uma bandeja oval, estão em uma pequena mesa ao
canto. Na mesa do centro da sala, uma longa mesa, com toalhas de linho branco,
com o emblema da família - Duplo A entrelaçado
- bordado nos cantos. E, em frente a cada cadeira de espaldar alto, com palhinha
entrelaçada, em cima de um pano de linho branco com debruns em toda a sua volta,
uma grande xícara, virada no pires, tendo embaixo deste, um prato maior. Para
completar, talheres de prata, todos com o emblema da família no topo do cabo. E,
em frente à xícara, um guardanapo, também de linho branco, com o emblema de
Duplo A, bordado em tamanho menor, em
um dos cantos do tecido. O café que está sendo servido parece
estar mais saboroso nesse ambiente...
Os cinco irmãos mais velhos chegam todos juntos. Logo seguidos pelos dois irmãos
visitantes e, por último, pelo chefe da casa. Depois de este tomar seu assento
no lugar de honra à cabeceira da grande mesa, os outros sentam-se. Antes que o
velho Paulo, ajudado por dois serviçais, Oscar e Frederico, comecem a servir o
lauto café, chega e senta-se à mesa o caçula da família, Raul, dando um
bom dia alegre a todos, seguido pela mãe Nimpha, com seu cabelo loiro arrumado
num coque, realçando a beleza de seu rosto de mulher jovem. Ninguém diria a sua
idade, já que havia se casado com 16 anos....
As frutas são
as primeiras a serem servidas, seguidas por uma tigelinha com arroz-doce
borrifado com canela e doce de abóbora madura com coco ralado ou doce de
mamão verde. E. logo em seguida, um café com leite fumegando e com um aroma que
enche o ambiente, é servido a todos...
Eunildo e Celio se entreolham e sorriem. Os dois percebem que estão, ambos,
lembrando do café gostoso do Clube dos 200. - Ontem de manhã, lá no Clube
dos 200, o Celio e eu tivemos uma experiência interessante, Sr. Otávio...
E
Eunildo começa a comentar. E conta o que a senhora que servira o café lhes
falara sobre o farelo de arroz no pão, nos bolos e a contribuição do cozinheiro
para o bom funcionamento dos intestinos da
República... A gargalhada é geral. Acham graça em algo que não tem
graça, mas é sério. Depois de cessados os risos e comentários, o pai Otávio
chama o velho Paulo:
- Paulo, você
escutou essa história contada pelo Eunildo? Ante a resposta afirmativa de um
- Sim, patrão! - continua: - ...achei interessante essa idéia e se
ela faz bem para a saúde dos maiorais da República, irá fazer bem para nós. Por que não a usamos
aqui? Vamos melhorar...como é mesmo, Eunildo? - E, antes que este
respondesse, continuou: - ...vamos melhorar os nossos cérebros e nossos
intestinos... Paulo, eu quero que você vá ao Clube dos 200 com a sua
mulher, e converse com o tal cozinheiro e fique lá uns dias até a Ester, como
boa cozinheira que ela é, aprender com ele como fazer o tal pão enriquecido com
farelo, os bolos e outros alimentos. Hoje à noite pegue dinheiro comigo, para
pagar a hospedagem por uns dias lá no Clube. Talvez vocês possam ir lá amanhã.
Se precisar fique lá uns três dias ou mais. Além da charrete, pegue o novo
cavalo, o Bone Dandy que comprei, será um bom passeio para ele. Esse cavalo
inglês puro sangue me parece muito bom. Na volta quero ouvir sua opinião sobre
ele...
No
auge do domínio dos barões do café, na cidade de Bananal, aconteciam as
Cavalhadas, no Largo do Rosário, local que era antigo cemitério dos índios
guaianis. Era o divertimento dos barões, um torneio parecido com o que acontecia
na Idade Média, onde se enfrentavam cavalheiros cristãos e mouros. As
Cavalhadas, um costume português, era composto de duas equipes, com cavaleiros
de cada lado, vestidos de modo típico, com lanças e espadas de madeira que
simulavam combates ou faziam jogos como o Jogo do Anel, com os cavaleiros em
disparada tentando enfiar a lança em um anel suspenso por um fio de linha.
Na maioria das vezes, eram demonstrações de destreza na habilidade da equitação.
E ao final, sempre acontecia o rodeio. Muitos fazendeiros tinham orgulho de seus
belos cavalos de raça Voltingeur, Angloárabe, Equateur e outros... Em
1910, dezesseis cavalos e seus cavaleiros foram registrados na Cavalhada: o
baio Bayard de Américo Porto; o alazão Beija Flor de Joaquim Cirino; o
zózimo Colibri de Nestor de Andrade; o baio Camursa de José de Freitas; o
pangaré Guanabara de Máximo Ribeiro; o castanho Juruá do Tavico; o escuro Macaco
de José Trigueirinho; o mouro Mourici de Godofredo Machado; o pampa Murilo de
Mário Couto; o tordilho claro Nero do Izaltino; o tordilho escuro Pachá de Luiz
Pires; o Pirata de Manoel Otávio; o castanho escuro Relógio do Gregório; o
tordilho negro Rio Negro - o mais imponente dos cavalos, de Carlos Porto; o Ruão
de Nico Ramos e o claro Surubi de José Varajão...
O
relógio marca 9 horas quando a dupla porta da saleta reservada é fechada por
dentro. Depois de todos sentarem, o pai recapitula o que haviam planejado na
noite anterior e começa a estabelecer ações práticas de execução, sempre
dentro do sistema de planejamento que
gostava de utilizar, o Sistema PERA -
Planejamento, Execução, Relatório e Avaliação.
- Acho que
vamos precisar de 30 burros e bons arreios para carregarem as caixas com as
munições e outros equipamentos que virão. E iremos fazer pelo menos umas 30
viagens ou mais, se necessário, de Mambucaba até Bananal e vice-versa para
carregarmos a munição e equipamentos. Não podemos utilizar mais de 30 burros
porque não teremos condições de controlá-los, apesar do instinto
gregário levá-los a andar juntos... Se usarmos mais, poderemos chamar demais a
atenção. Robson e Raymundo, ajudados pelo Rodrigo, ficarão encarregados de
comprar os burros. Acho que nossos amigos fazendeiros aqui da região poderão nos
vender bons animais. O máximo que devemos comprar de cada um são 5 burros, para
não despertar curiosidade demais. Os arreios, devemos comprar também deles, pois
já estão usados e se fossem todos novos chamariam muito a atenção. O Antunes
mandou o dinheiro para todas essas despesas. - E Celio abriu uma pasta
cheia de dinheiro, mostrando-a a todos...
- Reinaldo e
Rogério deverão nos próximos dias, dar um pulo na Caverna dos Dois Elefantes que
fica em nossas terras e só nós a conhecemos. E deverão levar para lá, na
carroça, o pequeno gerador de luz, combustível suficiente e uns bons 500 metros
de fio de luz e umas 30 a 40 lâmpadas com seus bocais. E instalar dentro da
caverna a luz para podermos utilizar a caverna como depósito das munições e dos
equipamentos. Amanhã passem lá no armazém do seu Manoel, na Rua do Comércio. Ele
deve ter tudo o que precisamos. E se ele não tiver peça para ele mandar buscar
no mesmo dia em Barra Mansa. E peçam para ele enviar a conta que depois passo lá
para pagar, no mesmo dia. Ah! Rogério, ao passar lá, não gaste muito tempo em
olhares compridos e suspiros para a
filha do seu Manoel. A moça Paula é bonita. Sei que seus olhos azuis emoldurados
pelos cabelos loiros, seu corpo bonito de moça de 19 anos e seu sorriso o
cativaram, fisgando o seu coração. Você terá tempo para
arrastar asas para ela em outro dia,
apesar de eu achar que você está perdendo o seu tempo com uma moça que está
noiva do filho de um industrial de São Paulo e segundo já soube pelo próprio pai
dela, as duas famílias estão preparando o casório para breve... Ah! outra coisa.
Não levem nenhum dos nossos empregados para ajudar a instalar a luz na caverna.
Eles poderiam comentar com outras pessoas e isso nós queremos evitar...
O resto do dia é consumido em detalhamento de todos os preparativos para as
ações que serão necessárias. E, como Eunildo e Celio tinham vindo para ficar uns
dias e ajudar no planejamento e detalhamento, chegou-se a uma riqueza de
detalhes como quantas viagens de caminhão serão necessárias para deixar as
munições e equipamentos nos pontos escolhidos pelo Vale do Paraíba,
os motoristas de confiança, homens escolhidos a dedo devido à necessidade
de segredo, as datas prováveis da chegada do navio com as cargas de munições e
equipamentos, local de encontro próximo ao porto de Mambucaba onde o navio
atracará, a compra do silêncio de alguns guardas do porto, etc.
-
Controle essa alegria,
Rogério. Desse jeito você vai demonstrar demais seu interesse pela Paula. Não vá
com muita sede ao pote, irmão! Mulher não gosta disso... - Reinaldo, do
alto dos seus 22 anos, achando-se mais experiente na arte da
conquista feminina do que seu irmão Rogério, de 21 anos, impulsivo no que se
refere às coisas do coração, vai orientando-o enquanto
sobem a Rua Prudente de Moraes.
Em seguida, entram na Rua Nova, a primeira à direita, em direção à Rua do
Comércio.
Logo que dobram a esquina, Reinaldo é o primeiro a ver a
moça no jardim da casa dela. Dá uma
cutucada no irmão para alertá-lo, enquanto lhe diz baixinho: - Espero você lá no
armazém... - apressando o passo em seguida, deixando o irmão sozinho em frente à
casa de número 231.
- Oi, moça! - é assim que ele
carinhosamente a chama. Ela levanta-se da posição de cócoras com a qual podava
alguns galhos de roseira e responde, com um largo sorriso nos lábios e nos
olhos: - Oi, moço! - é assim que ela,
também, o chama, carinhosamente. - Não repare em minhas roupas, viu? Acabei de
vir de um passeio a cavalo com minha amiga Tetê. Estou aproveitando a bela manhã
para arrumar o jardim. Não é tempo de podar as roseiras, eu sei, mas elas
estavam precisando de um corte e a minha amiga queria umas mudas de roseira... -
Ela, em seu nervosismo frente a ele, fala aos atropelos... Esse
nervosismo começou desde aquele passeio há uns meses atrás na fazenda de uns
amigos, dia em que o seu noivo mais uma vez não tinha vindo de São Paulo e a
deixara só no meio de tantos casais. Ela e o Rogério, por serem os únicos
sozinhos, ficaram juntos, andando a cavalo e passando horas
divertidas, levando-os a descobrir que tinham os mesmos anseios e gostos.
Foi desde esse dia que ela sentia o coração
pulsar mais forte quando encontrava
com Rogério... E esse sentimento gostoso um pelo outro a cada dia crescia
vertiginosamente, tendo sido acelerado a partir do dia em que os dois se
encontraram no ônibus das 18 horas que saíra de Lorena para Bananal naquele
memorável dia, dois de setembro de
1931. Tinham sido mais de quatro horas de viagem, no escuro nos fundos do
ônibus, os dois sozinhos, já que o outro passageiro havia descido em Silveiras,
a segunda parada do ônibus. Tinham vindo conversando até o momento em que o
balanço do ônibus em uma das curvas da estrada jogou-a quase em cima dele. O
contato direto de seus corpos os fez caírem nos braços um do outro e se
fartarem de beijos durante toda a viagem. Depois que perderam a
inibição e o pudor, deixaram suas mãos em conjunto, descobrirem o corpo do
outro, em suas reentrâncias. Para ela foi marcante o primeiro beijo apaixonado
dos dois, longo, significativo, despertando dentro dela sensações
que desconhecia até então e, em especial, ter realizado um longo desejo que
acalentara por muitas noites: sentir diretamente com a mão, por dentro das
roupas dele, o volume e o calor do seu membro intumescido de desejo por ela e
ter chegado ao seu primeiro estremecimento de prazer com o contato carinhoso da
mão dele em seu íntimo. Para ele foi marcante a maciez da pele do corpo dela, o
calor e a sensação agradável que sentiu ao acariciar os seus seios, com
carinho, os ralos pelos pubianos que ela tinha e, em especial, como ela reagia
com suspiros de prazer ao toque de seus dedos brincando com gosto em cima
de sua vulva. Os dois haviam dado vazão ao avassalador desejo que sentiam um
pelo outro... e isso mantinha aceso com mais força o sentimento que os
unia, desde então...
- O jardim de sua casa está agora bonito. E vai ficar mais bonito ainda sendo
cuidado com tanto carinho e amor... - Ela
cora e abaixa os olhos azuis, emoldurados pelos seus longos cabelos
loiros caídos ao longo de seu rosto. E ele continua:
- Li em um almanaque de agricultura que acham que as plantas
sentem a nossa alegria e nossos
sentimentos por elas, parecem que recebem mais energia quando cuidamos
delas e por isso, crescem mais bonitas... - De repente, ele lembra-se de sua
missão e do alerta feito pelo seu pai...
- Moça, desculpe-me, mas preciso ir lá
no armazém do seu pai, comprar umas coisas que meu pai está precisando...
Tímida, como convém a uma donzela, porém decidida, ela não deixa de aproveitar o
encontro com o homem que dispara o seu coração:
- Você vai à Rua do Comércio? Eu vou levar à minha amiga Tetê que mora ali na
outra esquina, as mudas de roseira que cortei. Posso ir até a esquina com você?
-
E a pergunta vem acompanhada do seu mais belo sorriso,
enquanto aprumava o corpo fazendo
ressaltar seus seios firmes de moça, delineados levemente pela blusa branca. E o culote que usa
insinua os contornos das suas longas pernas e das suas ancas
arredondadas, e levemente empinadas que despertam nele um desejo ardente, a cada
dia. Rogério está deslumbrado por poder observar melhor os contornos do corpo
que tinha acariciado com tanto gosto meses atrás. Só de lembrar daquela viagem e
ver os contornos do corpo dela sua excitação é instantânea,
pujante. Ele fica constrangido e, suando frio, tira rapidamente o boné da
cabeça, segura-o pela aba com o dedo indicador e o dedo médio, e enfia o polegar
na cintura, tentando assim esconder o
volume de sua excitação, enquanto começa rápido a contar, mentalmente, 1, 2,
3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19, 1.000, 1.500, 2001,... tentando
se distrair e fazer o sangue refluir, diminuindo a sua excitação
inoportuna. Rogério respirava fundo e pausadamente, tentando ajudar o sangue
a andar mais depressa. Tão preocupado
estava fazendo isso mentalmente que nem se dá conta de que não respondeu à
pergunta dela. Ela, com um olhar maroto,
não pôde deixar de notar o volume
firme que se formou no encontro, à esquerda, das pernas dele. Isso a agradou
muito. O mesmo desejo ardente que sente por ele e que a
molha internamente, fazendo-a sentir
as pernas bambas, era correspondido!
Paula, sorrindo e saindo de seus devaneios, segura no braço dele. O trajeto até
a esquina foi curto demais no tempo, para com os olhos, dizerem tudo o que
queriam dizer um ao outro. Mas eles não precisam de palavras. Seus olhares dizem
o enorme desejo que sentem um pelo outro... Que sentimento gostoso... e
que conflito íntimo ela sente, ao
mesmo tempo, devido estar noiva de outro que raramente vê e que não lhe
desperta esses desejos de mulher madura nos seus 19 anos... Mais tarde, a portas
fechadas no quarto de sua amiga, conta cada detalhe do que aconteceu e
sentiu. -
Que vontade reprimida eu tenho de abraçá-lo e apertá-lo de
encontro ao meu corpo, até sentir um estremecimento de prazer por todo o meu ser... -
Paula não tem segredos para com a sua amiga Tetê; fala abertamente de tudo o que
pensa e sente e troca confidências com ela. Ninguém mais do que sua amiga Tetê
sabe do que vai no seu íntimo, em seu
coração e mente... - O que fazer? - é a sua pergunta constante para sua
grande amiga, 10 anos mais velha, e casada já fazem uns 7 anos... -
continuar o noivado com um homem
que eu gostava, mas agora sei que não desperta dentro de mim aquele sentimento
gostoso e vibrante que sinto quando estou perto do moço e até a chegar a casar com um homem que não me desperta os
instintos em meu corpo, pois quando ele vem me visitar, nas raras vezes que vem
de São Paulo, uma vez a casa três meses e quando ele me abraça e beija não sinto
nada. Nada reage dentro de mim! E
quando ele vai embora e eu encontro o meu amigo
moço algo tão estranho acontece que as
pernas ficam bambas e o coração dispara. O que fazer? Tenho medo de desagradar
ao meu pai e minha mãe, pois eles são muito amigos da família do meu
noivo. Parece que os laços de sangue das duas famílias, netos de alemães, é um
dos pontos que mais valorizam quando falam de nosso casamento. E, o pior, Tetê,
é que as duas famílias querem que o casamento seja para breve, minha mãe até já
está com o vestido de noiva pronto. O que eu faço? ... - E Paula, deixa as lágrimas brotarem em seu rosto
lavando os seus olhos azuis
em busca de uma luz para a sua angústia...
O armazém do
seu Manoel é o maior da cidade de Bananal, localizado bem no meio da
Rua do Comércio. Nas quatro grandes portas, por onde entra o sol da manhã e
ilumina o seu interior, baldes, cordas, pás estão pendurados. É o modo do
seu Manoel anunciar, aos passantes, os seus produtos. A três metros
das portas, um grande balcão, com tampo de mármore. Uma balança e um rolo de
fumo são as únicas coisas que ele permite ficarem em cima do mármore,
permanentemente. E atrás do balcão, estantes do chão até o teto, cheias de
produtos variados. Seu Manoel é muito
organizado e seus produtos estão, em cada estante, separados por tipo:
ferramentas, fios, cordas, pregos, parafusos, etc. No lado direito
ficam os gêneros alimentícios. E, ao meio, em grandes caixas retangulares de
madeira, com tampa, estão os grãos e farinhas: arroz, feijão preto e mulatinho,
milho, farinha de milho e de mandioca, esta torrada. O movimento dos fregueses
é constante. Sempre é um entra e sai de gente. E
seu Manoel, ajudado por três
empregados, atende a todos com sua cordialidade e alegria costumeiras. Todos o
chamam, carinhosamente, de seu Manoel, porque, por ser neto de alemães, recebeu e tem um
nome difícil de ser pronunciado. Na realidade ninguém mais lembra o real nome
alemão do seu Manoel...
Reinaldo está, em sua calma, típica de monge tibetano, de pé, em frente ao
armazém geral do seu Manoel. Enquanto
seu irmão não chega, deixa-se ficar vendo o movimento dos tropeiros puxando a
tropa, com os balaios pendurados a
cada lado do dorso dos burros, cheios de banana e outros produtos agrícolas que
trazem à cidade para vender. Seus pensamentos voam...
-
Qualquer um poderia dizer que Bananal vem de banana, banana açucarada, sem filamentos e
com grãozinhos escuros na polpa, fruta existente abundantemente na região, como
essas que estão nos balaios dos burros. Puro engano! Bananal vem do nome
indígena para rio sinuoso, BANANI. Os mesmos índios que habitavam a região
tempos atrás, chamavam a banana de pacoba. Os primeiros tropeiros que
circulavam pelo Caminho Geral, o primitivo caminho que passava pelo vilarejo,
vindo de São Paulo até o Rio de Janeiro, caminho mais tarde chamado de Caminho
do Imperador e, atualmente de Caminho Novo, ao escutarem os índios chamarem o
local de Banani ou Bau-anil passaram
a chamá-lo de Bananal... - E as lembranças do aprendizado da escola passam rapidamente
pela mente sistemática de Reinaldo:
-
... A cidade de Bananal tem um símbolo interessante. É um escudo redondo, português,
homenageando os primeiros colonizadores portugueses. Um campo de prata, três
morros verdes e, no centro, uma estrela e um rio de prata... - E Reinaldo parecia escutar sua
professora Dodô - como os alunos a chamavam - a contar: - Um campo de prata, simbolizando a
pureza, bondade e vitórias,
qualidades características da povoação de Bananal. Os três morros indicando a
região montanhosa. O verde simbolizando a juventude, a esperança e alegria com
os campos verdejantes, campos que trazem sempre renovação da esperança e alegria
ao povo. A estrela de prata é o símbolo da ascendência que Bananal teve, no
passado, sobre outras cidades. O rio de prata indica o rio Bananal,
originalmente chamado pelos índios de Banani, rio sinuoso. -
Reinaldo concentra os seus pensamentos. - O que mais há no símbolo da cidade? Ah!
lembrei: três bandeiras do Império, época de elevação da vila a cidade; três
bandeiras paulistas, significando que o povo da cidade é guardião fiel e
vigilante da fronteira nordeste do Estado de São Paulo; ramos de café, o
principal produto que ajudou no desenvolvimento da cidade. E as palavras Orta
Labore que significam que a existência da cidade, nascimento e crescimento, se
deve ao trabalho do seu povo .
-
Mano, acorde! Está sonhando acordado? -
Reinaldo é sacudido pelo irmão que chegava. Não tem tempo de falar nada, pois
Rogério já tinha entrado
na loja do futuro sogro como ele se
referia, com os irmãos, ao seu Manoel... Depois de comprar todo o material, e
ajudados por dois empregados do seu Manoel, os dois irmãos levam todo o material para um dos salões
da casa, onde se fecham e trabalham na montagem dos fios, deixando-os prontos
para receberem as lâmpadas, quando da instalação dos fios na Caverna dos Dois
Elefantes.
O
sol já está passeando no céu
pelas nove horas de 25 de Janeiro quando Reinaldo e Rogério avistam, bem
escondida em um canto de um alto morro recoberto de densa floresta, a ponta de
pedra existente no alto da entrada da Caverna dos Dois Elefantes. Reinaldo
apressa o trote do seu cavalo, mostrando o caminho por onde Rogério
deverá conduzir a carroça. Debaixo de um pano grosso, estão escondidos o pequeno
gerador, galões de combustível, fios, lâmpadas e ferramentas. E, amarrada bem
firme em cima da carroça, com mais da sua metade por cima do burro, está
uma escada de abrir. A carroça, após contornar a ponta do morro, para em frente
à entrada da grande caverna. Quem visse a sua pequena entrada de 3 metros de
altura não poderia nem imaginar o que encontraria lá dentro...
A Caverna dos Dois Elefantes fica a um quilômetro do Caminho do Café, a estrada
pavimentada com pedras que passa por dentro das terras dos Alves de Algarve e a
18 km da cidade. Situada na base de um alto morro, tem ao lado uma bela
cachoeira formada pelo riacho Capitão-Mor que vai desaguar no rio Barreiro.
Ladeando a sua entrada, figuras calcárias parecendo dois enormes proboscídeos,
por isso logo chamada de Pórtico dos Dois Elefantes. Logo após o pórtico, uma
pequena sala, que recebeu o nome de Sala do Nicho é passagem para o amplo salão,
com mais de 300 metros de extensão, apelidado de Salão da Tartaruga, devido ao
seu teto ser oval. No lado direito, indo até o seu fundo, colunas majestosas de
estalactites e estalagmites. Da esquerda até o centro, um platô plano de pedra,
sem a umidade que se constata no resto da caverna, estende-se por mais da metade
do Salão da Tartaruga. Após este salão, mais dois, um chamado de Salão da
Cabeleira por ter água escorrendo por uma parede e quando iluminada pelo fogo
das tochas ou a luz dos lampiões a querosene, formava uma cabeleira luminosa em
lusco-fusco. O segundo salão foi chamado de Salão das Lágrimas, porque tem
pingando do teto, constantemente, água. E, ao fundo, um
riacho subterrâneo de água límpida, denominado Riacho do Esquecimento. Ao
lado do riacho, um túnel avança para dentro da terra. Como ninguém
se aventurou ainda a explorá-lo e
conhecê-lo melhor, foi-lhe dado o nome de Túnel Misterioso...
Os lampiões já estão iluminando um pouco o platô de pedra, local escolhido para
ser o depósito das munições e outros materiais e equipamentos militares, por
ser plano na maior parte de sua extensão e o mais importante, por não ter
umidade. Depois de colocarem a um canto todos os materiais que trouxeram na
carroça, os dois irmãos saem, munidos de afiados facões, até um bambual que
existe nos barrancos do riacho Capitão-Mor. Escolhem alguns bambus fortes.
Depois de cortados e limpos, retornam à entrada da caverna, passando a construir
mais uma escada em forma de V invertido. O sol está a pino quando
resolvem parar e comer o lanche que trouxeram. Depois do lanche, palitando os
dentes, começam a montar os dois fios elétricos que estendem por mais de
100 metros, tendo a cada dois metros uma lâmpada. Três horas depois Reinaldo e
Rogério exultam ao ligar o pequeno gerador a querosene e iluminar todo o platô
do Salão da Tartaruga...
- Vocês
fizeram um bom trabalho na
Caverna dos Dois Elefantes. Estou orgulhoso de vocês! E o que mais me
impressionou foi terem terminado tudo em um só dia ...
-
É porque trabalhamos ombro a ombro, fazendo o melhor possível...
-
Muito bem, muito bem, meus filhos... Agora é preciso que a partir de
amanhã vocês ajudem seus irmãos
na compra dos burros e arreios .
-
Está bem, papai. - E Reinaldo e Rogério deixam seu pai sozinho com seus
pensamentos, fumando um charuto,
na sacada da varanda dos fundos do casarão dos Alves de Algarve...
Duas semanas são
consumidas na compra dos 30 burros, visitando as fazendas da região, indo
até São José do Barreiro, examinando os animais e seus arreios. E mais outros 22
dias, até o dia 2 de março, os cinco irmãos gastam na limpeza, a facão e
enxada, do mato que cobria alguns trechos do Caminho do Café. Além de desimpedir
o Caminho, tiveram que recolocar algumas pedras do calçamento, soltas pela ação
das chuvas de anos, em pequenos trechos, felizmente. Foi um árduo trabalho, mas
feito com muita alegria. Sabiam que estavam trabalhando por uma causa, um ideal:
ajudar São Paulo a levantar de novo
a cabeça em um país dominado pelo desejo fanático por poder de um ditador...
Pequenos homens, em estatura, na inteligência emocional e no desenvolvimento
espiritual sempre têm necessidade doentia de se sobressaírem de algum modo. E o
pequeno Getulio não era exceção a essa
regra.. Mas, o modo de acabar com os pequenos que incomodam é subir bem
alto, como a história daquele piloto inglês, logo após a primeira guerra mundial
de 1918. Ele experimentava o seu frágil avião de um motor, numa arrojada
aventura ao redor do mundo. Um certo dia, pouco depois de levantar voo de um
improvisado e pequeno aeroporto da Índia, ouviu um estranho ruído atrás de seu
assento. Percebeu logo que havia um rato em sua companhia e se ele roesse a
cobertura de lona de recobria a estrutura de seu pequeno avião, poderia
prejudicar o seu vôo. O que fazer? Voltar ao pequeno aeroporto para se
livrar de seu perigoso e pequeno companheiro de viagem? Lembrou-se de ter lido
que os ratos não resistem a grandes alturas. Por isso acelerou o seu pequeno
avião fazendo-o galgar mais e mais altura, até perceber que o barulho havia
parado, caindo morto ao lado do assento o pequeno roedor.
Assim iria fazer São Paulo com o pequeno Getulio que como um rato ameaçava
destruí-lo:
São Paulo estava sendo agredido: iria voar mais alto...
São Paulo era ofendido: iria voar mais alto...
São Paulo era espezinhado politicamente: iria voar mais alto...
São Paulo era dominado pelos tenentes:
iria voar mais alto...
São Paulo era injustiçado: iria voar mais alto...
São Paulo voaria mais alto em busca dos ideais constitucionalistas para o
país.
Sabia que certos tipos de ratos não resistem
às alturas dos ideais e da justiça...
Em
17 de fevereiro de 1932 é criada a Frente Única, unindo todos os partidos
políticos de São Paulo, em especial o PRP - Partido Republicano Paulista e o
Partido Democrático para lutar pela autonomia de São Paulo e pela
constitucionalização do país, apesar de Getulio ter publicado o novo Código
Eleitoral, marcando as eleições para a Assembléia Constituinte, para maio de
1933. - Manobras do Getulio para esfriar os paulistas? - era a pergunta que se fazia. Com a
Frente Única, a Liga de Defesa Paulista e a Liga pró-Constituinte, esta fundada pelos estudantes
universitários, a conspiração tomou novo alento. A Frente Única que
começou a participar da conspiração, publicou o Manifesto:
"O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo vêm
anunciar... que está feita a união sagrada dos paulistas em torno dois
problemas que envolvem todas as nossas esperanças e destinos: a
pronta constitucionalização do país e a restituição a São Paulo da autonomia de
que há 16 meses se acha esbulhado..."[1]
No dia 24 de fevereiro de 1932 é realizado um comício em favor da
constitucionalização, promovido pelos estudantes da Liga pró-Constituinte, com
grande número de participantes. E no dia 2 de março de 1932, Getulio Vargas
nomeia Pedro de Toledo para ser o novo interventor de São Paulo,
empossado a 7 de março. Paulista, civil e ex-embaixador. Mas o povo
paulista fica desconfiado dessa atitude de Getulio. Pedro de Toledo, porém, logo
está bem informado da situação paulista e em especial, das atitudes
negativas que Miguel Costa e os componentes da Legião Revolucionária
desenvolvem. Logo sabe que a tranqüilidade paulista é agitada por Miguel Costa e
Góes Monteiro, dois chefes militares que
brigam entre si para dominar São Paulo.
A conspiração paulista continua, com seus ideais arregimentando novos adeptos a
cada dia. Uma comissão é organizada, com militares e civis para coordenar, na
capital e interior, pessoal e materiais para a revolução. Militares como o
coronel Joaquim Theopompo de Godoy Vasconcelos, chefe do Estado Maior do
Exército em São Paulo e muitos capitães e tenentes da Força Pública. Civis
como o Dr. Marcus Mélega, da Frente Única e muitos outros. O general
Isidoro Dias Lopes, participando da conspiração, agia como chefe militar. Numa
de suas cartas ao representante da Força Pública escreve ele:
"Quero saber a situação
real da Força Pública em seus elementos e seus objetivos
claros, isto é, até onde vão e em que condições:
a. Não autorizo e nem me
responsabilizo por um movimento isolado de São Paulo.
b. Ainda não o autorizo,
mesmo que não se tenha a hostilidade de Minas Gerais e Rio Grande.
c. Por suas condições
especiais, principalmente geográficas, o movimento não se
poderá levar a efeito sem o auxílio moral e material do Rio Grande, todo unido,
ou pelo menos o Partido Libertador todo, sem a hostilidade do PRP - Partido
Republicano Paulista.
d. Sem a garantia eficaz
do flanco mineiro e rio-grandense, acho fadado à derrota o movimento
paulista.
Quero, assim, a opinião clara, sob o aspecto militar, dos
oficiais da Força Pública, representados por quem possa
falar em nome de todos os companheiros
daquela corporação."
[2]
A carta é entregue ao Dr. Júlio de Mesquita, em reunião em sua casa,
e a resposta é escrita pelo coronel Salgado, interpretando a opinião
generalizada da Força Pública:
"Com relação à carta que vos enviou o general Isidoro Dias Lopes
e de cujo teor fomos inteirados, cabe-nos, atendendo aos desejos do general,
cientificá-lo sobre os objetivos que levam a Força Pública a solidarizar-se com
o movimento armado ora em preparação, objetivos esses que a Força apresenta como
condições para a sua participação definitiva no mesmo movimento:
a. Queda da atual
ditadura e conseqüente entrega dos governos da República e dos Estados a juntas
representativas das populações e interesses nacionais e locais.
b. constituído o novo
Governo nacional, decretação imediata de todas as medidas necessárias à
constitucionalização do país.
c. convocação da
Constituinte no prazo máximo de um ano, sendo, desde logo, marcados mês e
dia para a sua instalação.
d. autonomia política e
administrativa para os Estados.
e. conservação das
polícias militares, sob o controle exclusivo dos Estados, regularizando-se de
vez a sua situação como forças armadas, reconhecidas pelo governo federal,
fazendo-se para isso, revisão dos acordos existentes entre a União e os Estados.
f. A Força Pública será
comandada, durante e após o movimento, por um oficial
superior da ativa, saído de suas próprias fileiras.
g. o general Miguel Costa
não deverá absolutamente ser aproveitado como expressão militar, no movimento.
Se a Frente Única julgar conveniente, poderá aceitar a sua adesão
política, porém essa adesão somente deverá ser aceita uma vez que aquele general
torne efetivo o seu afastamento da Força, reformando-se e fazendo-se
acompanhar, nesse gesto, de alguns elementos que deixaram de ser expressão da
Força Pública, para tornar-se expoentes da facção política dirigida pelo general
Miguel."
[3]
Essa resposta da Força Pública entra, depois, em detalhes sobre as forças que o
movimento, em preparação, já tem como certas.
As nuvens da revolução estão se adensando.
A tempestade não irá tardar a cair...
Dia
5 de março, três dias após o término do preparo do Caminho do Café, chega de São
Paulo, enviado pelo Antunes, o telegrama cifrado:
FESTA ANIVERSÁRIO DIA 9 DE MARÇO, 21 HORAS.
É a senha informando a data em
que o navio já estará atracado no porto de Mambucaba com o carregamento
encomendado e o horário do encontro na casa alugada perto do porto.
O telegrama alvoroça os cinco irmãos
mais velhos e seu pai. Os preparativos para a primeira viagem deveriam começar
imediatamente. Os balaios que iriam transportar as barras de ouro e, nas várias
viagens, trariam as munições e equipamentos leves de guerra encomendados pelo
Antunes, são novamente inspecionados, um por um, com a máxima atenção. O mesmo
ocorreu com cada peça dos arreios dos burros, testando a sua resistência. As
vestimentas que os cinco irmãos usarão, bem velhas, para não chamarem a atenção
quando passarem pelas ruas de Angra dos Reis, são vestidas por todos, passando
pelo olhar crítico do pai que examina cada um deles atentamente:
-
Vocês tem que andar igual aos tropeiros, sem esse corpo empinado de orgulho e
superioridade que são características
dos Alves de Algarve a séculos... Soltem um pouco o corpo, filhos! Acho que
vocês precisam de umas boas horas de treinamento, observando e andando ao lado
de tropeiros para aprenderem o modo como eles caminham. Depois do almoço
quero todos os cinco, espalhados pelas ruas e caminhos em volta da cidade,
praticando isso. Hoje à noite vamos ver como vocês estarão. Lembrem-se de que
terão que parecer tropeiros para não
chamarem a atenção lá em Angra. E continuem a não fazer a barba. Vocês têm que
apresentar uma aparência desleixada, mal cuidada...
Os cinco irmãos mergulham a fundo no
aprendizado do agir como os tropeiros.
É uma tarde divertida para todos e rica em aprendizado no contato pessoal com os
tropeiros.
-
Indivíduos
simples, que vivem em contato com a natureza, com muito conhecimento na arte da
sobrevivência, vivendo com poucos recursos financeiros e materiais. Mas que
possuem uma tremenda capacidade de se sentirem felizes consigo mesmos e com as
pessoas e animais com os quais convivem, sempre em harmonia e equilíbrio
com o ambiente. Assumem a responsabilidade pelas suas vidas, vivenciando no
dia-a-dia um sentido profundo de liberdade, obtendo desse modo um propósito às
suas vidas. Estão sempre abertos e dispostos a aprender. E o que mais
impressiona é que sem o verniz da cultura
a abafar sua espontaneidade, vivem
melhor suas emoções, são genuínos, naturais, criando uma atmosfera leve e
positiva à sua volta. E essa atitude de alegria que criam, os ajudam a aliviar
as agruras e dificuldades que a vida lhes apresenta. No contato com a natureza
aprendem, desde cedo, que a impermanência, as mudanças constantes, estão
impregnadas em tudo o que existe. Sabem que
tudo passa, nada permanece, por isso não se perturbam com nada, nada
os espanta, aceitam tudo com naturalidade. O que vem, o que lhes acontece,
enfrentam com naturalidade, isso desde o nascimento até a morte. As mudanças que
vivenciam no contato com a natureza os levam a valorizar suas vidas, cada
momento delas, pois sabem que elas não durarão para sempre. Para os tropeiros,
nascer como ser humano é um privilégio muito raro e por isso eles apreciam suas
vidas e tiram proveito dessa oportunidade. Aceitam cada momento e sabem
desfrutá-lo. E sabem desfrutá-lo porque na simplicidade da vida que levam, vivem
integralmente o momento presente, realizando o que têm de realizar naquele
momento, tirando satisfação de estarem fazendo alguma coisa, sem ficarem
pensando no depois, no amanhã ou reclamando do passado, o que já passou. O
momento presente, para eles, é como
um grande presente de valor. A vida
deles é difícil, com muita dificuldade e sofrimento, se comparada com a vida que
levamos na cidade. Isso os leva a aprender com o sofrimento. Parece que o
sofrimento é para eles um mestre que lhes ensina algo. Na simplicidade de suas
vidas, quando sofrem ou sentem dor, aprendem a conhecer e compreender como é o
corpo, como são as emoções e pensamentos. Compreendem que não há jeito de
escapar à dor se não passando através e
além dela, buscando uma solução, um meio de sair dela e, o que é mais
importante, buscam tirar um aprendizado com a dor. Para eles o sofrimento
é visto como algo positivo pois é através dele que encontram a força interior e
a energia que os sustêm em cada dia que vivem...
Quando Reinaldo acaba de apresentar suas ideias desenvolvidas a partir das
conversas profundas que teve com alguns tropeiros, fazendo-lhes muitas
perguntas, enquanto andava ao lado deles para aprender o modo de
comportar-se como tropeiro, a pequena
plateia, composta de seus familiares, sentados à mesa para o jantar, estava
boquiaberta e de olhos arregalados,
pensando no que ele havia falado.
-
Vejo que temos na família um bom candidato a filosofar a vida. Gostei muito de
sua análise, filho. Muito profunda. Temos muito
o que aprender com essa gente simples, não? Mas, diga-me uma coisa Reinaldo,
além de você captar tudo isso aí que falou, você aprendeu a andar e comportar-se
como os tropeiros?
-
Não se preocupe, pai. Acredito poder passar por um deles, puxando uns burros e seus balaios pelas
ruas de Angra dos Reis.
Após o jantar, em um dos dois grandes salões do sobrado, usados em ocasiões
especiais para receber os convidados para um baile, o pai Otávio passou os cinco
filhos pelo Teste do Tropeiro. Todos
saíram-se muito bem na avaliação final. Mas Reinaldo e Rodrigo saíram-se muito
melhor. Os dois imitaram o andar gingado e balanceado que é típico dos tropeiros
da região. Rodrigo, com sua espontaneidade brincalhona chegou a provocar longas
gargalhadas ao imitar uma mulher de tropeiro -
com suas nádegas e seios balançando no andar saltitante - como ele definiu o
andar. Alguns chegaram a tirar lenços para enxugar as lágrimas que as
profundas gargalhadas trouxeram aos seus olhos. O caçula, Raul, que escutava no
rádio da saleta da frente as Histórias do Tio Janjão e nos intervalos lia
a revista Tico-Tico com as aventuras do Reco-Reco, Bolão e Azeitona, veio
correndo para ver o que estava provocando as gargalhadas. Riu bastante, sem
entender bem o que acontecia, contagiado pela alegria do pai e de seus cinco
irmãos mais velhos.
-
Muito bem filhos. Depois dessas risadas que fizeram bem aos nossos
fígados, quero que se recolham cedo. Amanhã vocês irão cedinho levar os materiais para a base de
apoio no meio do Caminho do Café. O local que vocês escolheram e limparam
precisa estar com a barraca de lona montada e o cercado de bambu terminado,
impedindo que pequenos animais inutilizem os materiais que lá ficarão. Tenham
uma boa noite, filhos .
-
Benção, pai! - todos falam juntos, levantando-se.
-
Deus os abençoe,
filhos.
A
cidade de Bananal
está com suas ruas desertas naquela hora, com exceção de duas fervorosas
velhinhas, de braços dados. com xales pretos à cabeça que dirigem-se à igreja
para a missa das 6 horas. Os primeiros raios de sol ainda não tingem o céu de
seu dourado quando os cinco cavaleiros, acompanhados por quatro burros com
balaios carregados, saem do portão do casarão dos Alves de Algarve. Sobem a Rua
Prudente de Moraes até a Praça da Matriz, dobram à direita, cruzando logo em
seguida a Rua do Comércio, passando ao lado da Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus
do Livramento, igreja com ricas imagens talhadas em pedra, colocadas em 6
altares e na sacristia, mais um altar de Santa Rita de Cássia... Logo que os
cavaleiros entram na Rua do Fogo, atrás da igreja e tomam o rumo da Estrada
Geral em direção ao sertão, Rogério chama a atenção de seus irmãos:
-
Vocês repararam nas duas velhinhas que estavam indo à igreja? Elas
estavam na calçada e quando eu passei por elas escutei-as conversando: - Mariazinha, quantos anos
você tem? -
E Rogério imita o timbre de voz de uma velhinha: - 75 anos. E
você, Esterzinha, quantos anos
você tem?
- 7l! - Nossa, Esterzinha, como você é
mocinha!...
Todos caem na gargalhada. Isso anima-os logo no começo da viagem...
E continuam a rir das piadas que hora um, hora outro conta:
-
A velhinha era meio burra. Um dia ela foi ao Cartório assinar um documento. O atendente lhe
disse que era preciso assinar deitado ao lado da folha. A velhinha não pensou
muito: pegou a caneta e o papel e deitou no chão ao lado do papel para assinar.
-
Ah! Não! Piadas sem graça não vale - protesta um deles.
-
Lá em São Paulo estavam acontecendo casamentos onde os noivos já
tinham dormido juntos.
Um padre pediu ao sacristão para fazer uma pesquisa entre os paroquianos.
Uma das pessoas a quem foi perguntar foi um velhinho. Ele era um piadista e o
sacristão não sabia. E fez a pergunta:
-
Senhor, qual a sua opinião? O senhor acha que os noivos, antes do
casamento, podem dormir juntos? E o velhinho respondeu: - Depende, se não atrapalhar a cerimônia do casamento...
Depois de algumas risadas sem graça, Raymundo toma a palavra:
-
Vocês sabem a última do Getulio?
Dizem que ele está com tanta vontade de se
perpetuar no poder que mandou um emissário em Jerusalém perguntar quanto
custa para ele, Getulio, ser enterrado no Santo Sepulcro, quando morrer. Quando
lhe falaram o preço ele se espantou e perguntou: - E o
aluguel só por três dias, sai mais barato? -
Uns olham para os outros, tentando entender a piada. Como ninguém ri, Raymundo completa: -
Ele quer ressuscitar ao 3º dia e continuar no poder...
-
Ah!... - foi a única resposta de alguns, sem nenhuma risada. E o caçula do
grupo resolve contar a dele. E, de piada em piada, os quilômetros vão passando.
No alto sertão saem da Estrada Geral passando pela porteira de madeira que dá
passagem para as terras da família. Ao lado da porteira, uma placa:
Terras dos Alves de Algarve. Proibida
a Entrada. Após um quilômetro da porteira, logo depois da estradinha
contornar um morro, inicia-se o Caminho do Café. Direcionam os cavalos e
puxam os burros por esse novo Caminho. Após algumas paradas para descanso dos
cavalos e do traseiro dos cavaleiros
e, transcorridos 6 horas de marcha, chegam ao local escolhido para a montagem do
acampamento. O sol já está quase a pino, marcando o meio-dia quando
iniciam a montagem da barraca e dos apetrechos. Os bambus grossos que tinham
deixado anteriormente no local, todos cortados com 2 metros de altura,
são alinhados em círculo, como uma paliçada protetora, em torno do acampamento.
Até um pequeno portão feito de bambu é instalado nessa cerca, amarrando-o com
arame. Enquanto admiram o trabalho feito, saboreiam o lanche preparado com
esmero pelo velho Paulo e sua mulher, logo de manhã antes de iniciarem a
viagem. Reinaldo filosofa:
-
Essa missão que estamos realizando e vamos realizar assemelha-se ao
beija-flor em luta com o
gavião. Esta ave é forte, ágil e valente. Se comparada com o beija-flor, é uma
ave grande. No entanto, quando um gavião vê um beija-flor, um frágil passarinho,
foge apavorado. Isso porque quando o gavião ronda algum lugar em busca de
alimento, um beija-flor voa rápido por baixo e enfia nele seu longo e pontudo
bico afastando-o da região. Os outros animais que foram salvos pelo pequeno
beija-flor nem ficam sabendo disso e continuam suas vidas...
-
Você a cada dia me surpreende, mano, com seus comentários. Se você escrever os comentários
que tem feito sobre o que tem observado ou concluído, daqui a pouco terá escrito
um livro
-
Então quer dizer que nós somos cinco beija-flores, ajudando muitas pessoas que nem
ficarão sabendo disso. Gostei dessa imagem! - E Raymundo conclui: - O
gavião Getulio que se cuide, pois aqui
estão cinco valentes beija-flores... - E, conversando bastante entre si,
demonstrando alegria e entusiasmo,
retomam o caminho em direção a Bananal.
Dia
9 de março de 1932, antes do por do sol raiar atrás dos morros, os cinco irmãos
controlando os 30 burros com balaios às costas, emparelhados dois a dois e com
cordas ligando uns aos outros, já estão a caminho do sertão e de lá,
pelo Caminho do Café, até Angra dos Reis. E, ao final do dia, o sol já está se
pondo atrás dos contornos elevados da Serra do Mar, divisadas do litoral, quando
os cinco irmãos, puxando grupos de burros atrás dos seus passos e mantendo uma
distância entre eles, entram na região do porto de Mambucaba. Sabem onde terão
que ir. Eunildo e Celio tinham dado explicações exaustivas sobre o local da casa
alugada...
A casa tinha sido escolhida a dedo.
Ficava a menos de 100 metros do porto onde o navio ATTILA II estava atracado.
Possuía quatro quartos, uma sala grande e uma boa cozinha, além de mais um
depósito nos fundos que valia por mais dois quartos, espaço suficiente para a
estocagem das caixas de munição e outros equipamentos que o pessoal do navio,
com ajuda de uma equipe de 15 homens enviados por Antunes, sorrateiramente na
noite anterior, durante toda a noite, levara até a casa. E tinha um quintal
grande, com espaço para abrigar os 30 burros e cinco cavalos, além de permitir
que carregassem os balaios sem serem vistos da rua por pessoas estranhas ou
curiosos passantes. Depois de terem entrado pelo largo portão ao lado da casa,
abrigado e alimentado os animais e, após terem descarregado as caixas com as 40
barras de ouro com as quais pagariam o carregamento que estava estocado na casa,
ficam aguardando o encontro das 9 horas da noite, enquanto saboreiam um lanche
que haviam trazido e o gostoso café que o cozinheiro da equipe de 15 homens,
enviados por Antunes, preparara... -
Esse Antunes pensou em todos
os detalhes... -
pensa Raymundo, tirando conclusões como Analista de Informações...
21 horas em ponto. Três
toques na porta. É o sinal combinado. Robson abre a porta e depara-se com um
homem gordo, baixo de cara redonda com cabelos loiros cortados curtos. A mão que
estende é grossa, calosa.
-
Mr. Robson? - é a pergunta. E os entendimentos são rápidos, num
inglês facilmente compreendido por ele. Enquanto Robson leva o comandante para a cozinha, para um
quente café brasileiro e com ele mantém uma conversa animada em inglês,
recebendo dele um envelope fechado para ser entregue ao Mr.
Antunes, Raymundo na sala, acompanha o imediato do navio - Mr. János -
como tinha sido apresentado pelo comandante do navio - que examina as
barras de ouro, uma a uma, detalhadamente. Conta-as duas vezes. Ao término, dá
um assobio e rapidamente quatro homens fortes saem das sombras, entram na sala e
levam as quatro caixas com as barras de ouro. Raymundo não pode deixar de
observar lá fora, na penumbra da rua, vários homens armados, parecendo a
escolta do comandante do navio e seu imediato e para a carga preciosa que vieram
buscar...
Logo após os homens do navio terem partido, os cinco irmãos resolvem dormir um
pouco. Às duas horas em ponto da madrugada o relógio de bolso do Robson emite um
som estridente despertando a todos. E o carregamento dos balaios pendurados nos
burros começou, ajudados pelos 15 homens do Antunes... A madrugada ainda cobre
com sua névoa marítima as ruas perto do porto de Mambucaba, quando em pequenos
grupos, deixam a casa que ficou sob a proteção dos homens da equipe
enviada pelo Antunes, tomando o rumo da floresta que encobre o início do Caminho
do Café, na encosta da Serra do Mar. Todos se encontram no lugar combinado, após
a floresta. Robson, o comandante do grupo, passa em revista os acontecimentos.
É importante não terem chamado a atenção sobre eles. Tudo havia corrido bem -
foi a conclusão - já que não tinham visto ninguém pelas ruas. Agora, a subida da
serra, o pior trecho para os animais com os balaios carregados. Fazem cinco
paradas para não forçarem os animais. E a tarde já
está alta quando param para pernoitar
no acampamento de apoio. Reinaldo e Rogério são escalados para fazerem a comida.
Os outros dedicam-se a esvaziar os balaios, colocando todas as caixas de
munições debaixo de uma grande lona. Os animais parecem aliviados quando os
balaios vazios são retirados dos arreios. E, no cercado, disputam a ração de
capim cortado com cana e sal grosso que lhes é servida. - Podem comer bastante. Nós temos
bastante ração para vocês... - Rodrigo conversa
com os animais enquanto espalha
a ração pelo cocho. A um lado do cercado, um grosso bambu cortado ao
meio, conduz a água para os animais, vindo de uma bica das proximidades.
Estabelecem turnos de
guarda e ronda, de duas em duas horas, apesar
de saberem que nenhum ser humano irá aparecer por ali. Talvez algum
animal pudesse assustar os burros e cavalos. - É melhor prevenir do que remediar - é o lema dos cinco irmãos.
A noite transcorre sem problemas. Às cinco horas, enquanto os primeiros raios do
sol clareia o preto do céu, todos se levantam. Após um café bem forte para
reanimar, especialidade do Raymundo, dedicam-se a carregar os animais. A
última caixa de munição é colocada num balaio às costas de um burro,
quando Robson inicia a vistoria do acampamento para ver se não ficou
restos de comida que possam atrair animais. Depois de constatar que tudo
está arrumado e em ordem, dá início à segunda etapa da viagem. Agora, o destino
é a Caverna dos Dois Elefantes. No dia seguinte, enquanto Eunildo e Celio,
começarem a entregar os materiais em pontos estratégicos escolhidos entre
Bananal e Lorena, ele e seus irmãos retornarão a Angra dos Reis para
continuar o transporte dos materiais. Pelo volume que o navio trouxe e está
estocado naquela casa, Robson calcula que terão que fazer, pela capacidade dos
balaios que os burros carregavam, umas 20 a 25 viagens.
Era hora do almoço, pelo barulho de seus
estômagos, quando acabaram de descarregar as caixas com as munições e alguns
equipamentos no platô dentro da Caverna dos Dois Elefantes.
-
Mas que trabalho profissional bem feito, está ótimo! - Raymundo
elogia o trabalho do
Rogério e Reinaldo. O gerador tinha sido ligado e as lâmpadas iluminam o amplo
Salão da Tartaruga. Sorteiam quem vai a Bananal para dar as boas notícias
ao pai. O caçula do grupo, Rodrigo, depois de despedir-se de todos,
inicia os 18 km que o separam da cidade... e retornar antes do escurecer...
Robson, escolhe bem o momento para poder esconder o envelope que recebeu
do comandante do navio, endereçado ao Sr. Antunes, em São Paulo. Durante a
viagem a cavalo naquele dia veio matutando
sobre a conversa que teve com aquele comandante. Uma coisa o intrigava: que
pedido estranho o Antunes tinha feito
ao fornecedor de armas e munições dos Estados Unidos para o comandante ter
frisado várias vezes que - o fabricante mandou dizer que tinha
achado estranho o pedido do Mr.
Antunes mas que fez tudo conforme tinha sido pedido... - Robson escolhe bem o lugar e esconde o envelope, para
poder lê-lo em outra ocasião. Tinha resolvido não entregar o envelope ao Eunildo
e Celio para eles levarem ao Sr. Antunes, em São Paulo...
No dia seguinte, pelas quatro horas da madrugada, os irmão são acordados
por um caminhão Ford que estaciona na entrada da caverna. Eunildo e Celio,
caracterizados como ajudantes de
motorista quase não foram reconhecidos, usando macacão surrado, botas desbotadas
de tanto uso e barba de uma semana. Destoavam gritantemente da
elegância com que costumavam andar...
Todos trabalham com afinco ajeitando as caixas na boleia do caminhão e
cobrindo-as com cachos de banana verde, depois de cobri-las com uma lona,
amarrando tudo para evitar que balancem demais nas curvas da estrada. Antes dos
dois grupos partirem, cada um para o seu destino, e enquanto tomam um café
reforçado, Eunildo e Celio colocam os cinco irmãos à par da situação em São
Paulo:
-
Os ânimos estão cada vez mais exaltados no povo em geral e especialmente, nos políticos e
nos empresários. Getulio está tentando
ganhar tempo, publicando o novo Código Eleitoral marcando as eleições para a
Assembleia Constituinte para maio de 1933. Vargas já percebeu que há uma grande
frente contra ele. Para tentar esfriar
o movimento, além do Código Eleitoral, nomeou para interventor em São Paulo o
civil, paulista e sexagenário Pedro de Toledo. Mas todos já perceberam que são
manobras dele para esfriar nossas cabeças. São atuais ainda as palavras do
manifesto escrito por Francisco Morato, presidente do Partido
Democrático, publicado em São Paulo quando do rompimento dos democráticos com o
Getúlio em 15 de Janeiro deste ano - E Eunildo pega o
manifesto e o lê para todos:
..."São Paulo, que pela cultura e gênio de seus filhos, pela opulência de
sua riqueza, pelo número de sua população, pela feracidade de seu solo, pela
grandeza de seu comércio, indústria e lavoura, pelo brilho de suas letras, pelo
progresso vertiginoso de suas campinas e povoados, pelo prestígio de sua
interferência preponderante e contínua na formação de nossa nacionalidade; São
Paulo, que poderia reivindicar não um primado em que não pensa, mas uma paridade
de tratamento no seio da federação, não tem sequer uma voz ou
representante no conclave da ditadura e, além disso, vê os seus filhos afastados
das posições oficiais, os cargos de sua jurisdição cometidos a beneficiários de
fora e o seu governo entregue aos caprichos de forasteiros... Isto não pode
continuar assim... Não se confunda nossa paciência com pusilanimidade... Na
ordem federal, ninguém se ilude sobre a situação do país. Ao lado de uma
política que tem despertado nos Estados sentimentos de tédio, angústia e
desapontamento, de todos os seus filhos, a paralisação dos negócios, a falência
do comércio, o definhamento das indústrias, a penúria da lavoura cafeeira, a
fuga das espécies metálicas, o aviltamento do dinheiro nacional, o pavor da
instabilidade, o arrocho dos tributos nas malhas de uma insólita tendência
regalista, o anuviamento constante dos horizontes, a incerteza de tudo que nos
aguarda, em suma, um mal-estar geral, sombrio e doloroso..."
E Eunildo, pigarreando, conclui a leitura:
..."Hoje as
classes, as famílias e o povo em geral, estão impregnados de espírito de
revolta. Há no ar uma atitude de libertação de São Paulo e essa atitude está se
generalizando a cada dia. A revolução é inadiável, meus amigos. Falta só
marcar data e horário para a explosão.."
[4]
-
Não
há condições, general, de marcar data e horário para o levante. Não
estamos ainda preparados e não há clima atualmente para unir todo o povo em
torno dessa causa. Não há base para a ação imediata...
-
Coronel Euclydes, o senhor é um bom estrategista militar, mas eu discordo. Acredito que
estamos preparados e poderemos levantar a Força Pública e o Exército baseado em
São Paulo e avançarmos rápido para o Rio, tomando a capital federal, derrubando
o Getulio... - E a discussão entre o General Isidoro Dias Lopes e o Coronel Euclydes de Figueiredo se
arrasta pela madrugada de 7 de abril Os outros participantes da reunião
secreta na casa de Júlio de Mesquita Filho, só ouvem. Ao final, não se chega a
um acordo. Os dois militares separaram-se ressentidos... No outro dia, Júlio de
Mesquita Filho consegue reaproximá-los amistosamente. Em nova reunião conseguem
chegar a um acordo e decidem intensificar as articulações e acelerar os
preparativos para a revolução. Precisam saber a situação real da Força Pública,
armamentos e munições. O coronel Euclydes, na reunião, é escolhido como o
Chefe do Estado Maior Revolucionário. Sua escolha é referendada depois pelo
General Bertholdo Klinger, comandante da Circunscrição Militar do Mato Grosso e
que, junto com o General Isidoro, participava de todos os detalhes da
conspiração... Estavam também acelerados os entendimentos com o interventor
Pedro de Toledo e já se contava com a adesão dele para com a revolução. A
Frente Única já discutia com Pedro de Toledo a formação do governo paulista...
No
Largo S. Francisco, no centro de São Paulo, a Faculdade de Direito inicia o
tradicional trote de abertura do ano
letivo naquele 30 de abril. O cortejo em direção à Praça da República,
ridiculariza os líderes do tenentismo que apóiam Vargas: Osvaldo Aranha, Juarez
Távora, Miguel Costa, Góes Monteiro, Cordeiro de Farias, João Alberto e Manuel
Rabelo. O povo gosta do que vê e
engrossa o cortejo, transformando-o em manifestação política. Mas outros não
gostam do que vêem: o Clube Três de Outubro e a Legião Revolucionária - os
olhos e os ouvidos dos tenentes e do
Getulio, policiando o Governo Estadual, o povo, a economia e até os quartéis da
Força Pública. Não gostam do que vêem e descem às ruas e atacam o cortejo.
Socos, correrias, gritos. O povo fica revoltado...
-
Parte
do carregamento de oito milhões de tiros chegou há três dias atrás a São Paulo,
Senhores. O restante está espalhado por pontos estratégicos pelo Vale do
Paraíba, entre Bananal e Lorena. Já temos, além do que a Força Pública e o
Exército possuem em seus quartéis, os oito milhões de tiros de balas de fuzil
1908. E o general Klinger já prometeu trazer toda a guarnição militar do
Mato Grosso,
"bem provida de armas e
munições de guerra - 5.000 soldados, 13.000.000 de cartuchos de infantaria, além
de apreciável artilharia..."[5] E, pela última
informação, já conseguimos produzir nas indústrias paulistas, 30 mil fuzis
1908 que estão disponíveis para armar o povo quando explodir o movimento. E
junto aos fuzis, já temos prontos, capacetes de aço, mochilas, uniformes,
obuseiros, bombas para canhões e para aviões e outros equipamentos
necessários... E uma indústria já está conseguindo produzir mais munição para os
fuzis e para outros equipamentos. - O coronel Euclydes de Figueiredo apresentava os
dados do Plano Militar para a revolução. A noite de sábado do dia 21 de
maio de 1932 é toda consumida na
elaboração e discussão desse Plano Militar. Presentes à reunião secreta em sua
residência particular na Avenida Angélica, estão além do coronel Euclydes, o
coronel Júlio Marcondes Salgado, Mello Matos, o capitão Celso Veloso e o Dr.
Júlio de Mesquita...
Os
tenentes de São Paulo têm um objetivo específico: alijar do poder, para sempre,
os políticos do PRP - Partido Republicano Paulista - que desde 1894 comandam o
Estado e por decênios presidem a República. Querem realizar mudanças em todos os
altos cargos da administração paulista. Mas, o Partido Republicano
Paulista e o Partido Democrático de São Paulo fundado em 24 de fevereiro de
1926 em união sagrada dos paulistas numa Frente Única fazem pressão sobre os
tenentes. Estes, irritados, não aceitam que os rumos da Revolução de 30 que
haviam auxiliado a vitoriar-se sejam mudados. Não aceitam que retornem ao poder
em São Paulo
"os homens, os métodos,
os posicionamentos e as práticas do Partido Republicano Paulista".
[6]
Osvaldo Aranha é designado pelos líderes dos tenentes, baseados no Rio de
Janeiro, para ser o emissário que
"levaria a
São Paulo a disposição tenentista e a colocaria em execução: o interventor
até poderia ser paulista, mas o secretariado teria que ser indicado pelos
tenentes".
[7]
São Paulo recebe, no dia 21 de maio, a notícia da vinda do ministro da Fazenda,
Osvaldo Aranha para resolver o caso paulista. As articulações para as
manifestações populares, com oradores conclamando o povo contra a visita tomam
todo o dia. Os frentistas e a imprensa denunciam a manobra e se recusam a ter
audiência e diálogo com esse emissário. Os jornais favoráveis ao Getulio,
no dia 22 de maio, editados pela Legião Revolucionária, alardeiam a vinda de
Osvaldo Aranha. A Frente Única reage pelo rádio, mobilizando o povo contra a
visita e o que ela significa. Os estudantes, também, contrários à presença de
Osvaldo Aranha, distribuem manifesto à população:
"PAULISTAS!
Mais
uma vez o ministro Osvaldo Aranha, como enviado especial do ditador, vem a
São Paulo, com o intuito de arrebatar ao povo paulista o sagrado direito de
escolher os seus governantes.
Mas, o povo paulista, cuja paciência não é ilimitada, não
mais suportará tamanha afronta e humilhação. Tendo a consciência do
seu valor e da sua força, ele repele a indébita e injuriosa intromissão na sua
vida política daqueles que estão conduzindo São Paulo e
o Brasil à ruína total e à desonra.
Para manifestar e impor a sua vontade, na reivindicação dos seus direitos e
das suas liberdades, o povo de São Paulo reunir-se-á, hoje, às 15 horas,
na Praça do Patriarca em comício e decidirá então, dos seus destinos dentro da
comunhão nacional.
Eia, pois, povo de São Paulo!
É chegada a hora da libertação e da
vitória!"
[8]
Há uma grande indignação popular contra a presença de Osvaldo Aranha em
São Paulo. Oradores inflamados em vários pontos da cidade pedem armas para o
povo e a derrubada do governo federal, encabeçado pelo Getulio Vargas. Da Praça
do Patriarca, onde poderoso alto-falante montado na fachada da Casa Prado
transmite os discursos inflamados como os do promotor Ibrahim Nobre, a multidão
decidida e dirigida, desce pelo Viaduto do Chá em direção à Rua Conselheiro
Crispiniano, onde está localizada a sede da Região Militar. O povo aclama o
Exército reclamando o seu pronunciamento e a sua solidariedade para com o
povo com gritos de - O Exército é o povo. Em São Paulo o Exército é o povo
paulista! - Ibrahim Nobre discursa novamente, exaltando as gloriosas tradições
do Exército Nacional. Ele pega uma bandeira paulista e compara suas cores -
branca, negra e vermelha - com o pacifismo de ontem e o luto e a revolta de hoje
pelo estado de servidão que reduziram o Estado.
Os portões do quartel permanecem cerrados. No gradil apresenta-se o capitão
Gastão Goulart e transmite o que os soldados têm a dizer ao povo: -
"
As forças
federais não atirarão sobre o povo"[9] E oficiais jogam flores
sobre o povo. O recado é curto e não é claro. Por isso, muito bem é
aproveitado pelos oradores exaltados, traduzindo a frase para o povo como sendo
a passagem de uma senha secreta de incentivo: O EXÉRCITO ESTÁ COMPROMETIDO COM A
REVOLUÇÃO. Os oradores dirigem o povo para o bairro da Luz, onde está o Quartel
General da Força Pública para fazer a ela o mesmo pedido feito ao Exército. Há
uma onda de entusiasmo e fúria na multidão excitada... A cada esquina a
multidão aumenta. Todos estão dispostos a loucas ousadias. Quando a multidão
está aglomerada em frente ao Quartel General da Av. Tiradentes, surge um
esquadrão de cavalaria da Força Pública e arremete contra o povo. Populares
contundidos pelos cavalos, pelos sabres e pelos tiros. No chão, o sangue do
estudante Lima Neto, ferido, inaugura a revolução que está para iniciar-se... O
povo dirige-se, em seguida, para os Campos Elíseos, sede do Governo Estadual.
-
“Já
começa a correr o sangue paulista”
-
diz o promotor público
Ibrahim Nobre ao interventor Pedro de Toledo. E acrescenta, com gestos
dramáticos:
-“Estamos algemados e
algemados dentro de uma senzala. E V.Exa., Sr. Pedro de Toledo, está preso
conosco. V. Exa . deve sair dela e com estes homens vir à rua reivindicar a
nossa liberdade. V.Exa. é um homem velho, está no fim da vida e deve
escolher entre um simples epitáfio ou uma estátua"
[10]
O povo se exalta com vivas a São Paulo e pedindo morte a Osvaldo Aranha. Pedro
de Toledo fala ao povo que a atitude hostil para com Osvaldo Aranha que vinha
cuidar da situação paulista, levaria a sua deposição como interventor em São
Paulo. Com sua ponderação, pede calma ao povo e promete:
-
"Ou São Paulo tem, dentro
de 24 horas, o governo que deseja, ou abandonarei a interventoria para ficar ao
lado do meu povo".
O
povo se retira, convidado por Ibrahim Nobre: -..."pois leva a
palavra de um homem honrado."
[11]
Mas, há pessoas que não estão gostando de ver as atitudes do povo
contra os tenentes e o Governo Federal do Getulio.
-
"Isso não fica assim,
vamos ter de fazer alguma coisa. O mal deve ser cortado esta noite mesmo!"
[12] - Um grupo decidido, em nome do tenentismo e do getulismo, comandado por
Osvaldo Aranha, tenta organizar uma reação contra o povo. Tentam por o 4º
Batalhão de Caçadores do Exército nas ruas para dominar o povo. O seu
comandante, Tenente-coronel Mário da Veiga Abreu, nega-se a cumprir essa ordem.
Os tenentes não desistem -
"... se o
Exército não vai à praça sob o seu comando, levarão a Força Pública, comandada
por tenentes e cuja cavalaria aquela mesma noite dera provas de acatamento às
ordens de investir contra a população".
[13] - O grupo chega ao Q.G. da Força
Pública e exige a cavalaria. Mas seu comando também diz - Não!
A noite termina sem mais sangue...
Osvaldo Aranha recolhe-se ao Quartel General da Região Militar, lugar mais
seguro. E à noite, em vigília, percebe pela discussão entre os oficiais, quão
próxima estava a reação militar dos paulistas.
O dia 23 de maio de 1932 amanhece com
carros correndo pelas ruas de São
Paulo. Levam armas e munições aos fiéis e decididos partidários da Legião
Revolucionária e do Clube Três de Outubro.
-"Nossos
partidários têm um propósito e cumprem ordens. Eles não deixarão impunemente que
os carcomidos, os derrubados de 1930 realizem a sua desforra, ofendam a nós,
vencedores, chegados com a Aliança Liberal. Se nossos adversários querem
guerra, conforme se ouve pelas esquinas, terão guerra a partir mesmo das
esquinas paulistanas".[14]
A Associação Comercial distribui boletim
pedindo ao comércio
"fechar as suas portas por 24 horas se até esse momento não tiverem
sido satisfeitas as legítimas aspirações do povo paulista".[15] Os empregados do
comércio engrossam a
multidão que logo explode em
manifestações, com entusiasmo. Toda a tarde desse dia, no centro da cidade, é de
tensa agitação. Grupos gritam, protestam, dão vivas e se chocam com os
partidários da Legião Revolucionária e do Partido Popular Paulista,
representantes da ditadura do Getulio. Nas ruas e praças o clima é
de guerra civil...
Nos jardins do Palácio do Governo,
nos Campos Elíseos, o povo reclama um secretariado paulista. Às 17 horas e 30
minutos, numa das sacadas do palácio, Francisco Morato comunica ao povo a
formação do novo secretariado do governo paulista, comunicado também para todo o
país pela Rádio Record às 20 horas, lido pelo Dr. Morato:
"PAULISTAS!
Tenho grande
prazer de vos anunciar que se acha constituído o novo governo do
Estado em torno do Dr. Pedro de Toledo, e São Paulo restituído das prerrogativas
e autonomia de que por tanto tempo se viu privado. O novo governo,
genuinamente paulista, tirado da Frente Única é composto por:
Na pasta da Justiça: Dr. Waldemar Ferreira. Na Educação: Dr. José Rodrigues
Alves Sobrinho. Na Viação: Dr. Fonseca Telles. Na Agricultura: Dr. Francisco da
Cunha Junqueira. Na Fazenda: Dr. Armando de Salles Oliveira. Na Prefeitura: Dr.
Gofredo da Silva Telles. Para o Depto de Administração Municipal: Dr. Joaquim
Sampaio Vidal. O Chefe de Polícia será nomeado pelo interventor, depois de
empossado o secretariado. O Sr. Waldemar Ferreira toma posse hoje às 21 horas;
os demais, amanhã às 11 horas.
Reina na capital o maior regozijo. O povo celebra com grandes expansões
de entusiasmo a vitória das reivindicações populares e o restabelecimento de São
Paulo ao posto que lhe cabe por sua cultura, opulência e tradições de civismo no
seio da Federação Brasileira. A Igreja celebra ainda as aleluias do calendário
católico; o Estado de São Paulo reafirma na data redentora de hoje, o gênio e
ânimo invicto dos filhos de Piratininga."
[16]
No início da noite de 23 de maio de 1932, o jornal Diário da Noite publica uma
entrevista com oficial da Força Pública, sobre os acontecimentos do dia
anterior:
"São
deveras deploráveis as ocorrências ontem verificadas no Q.G. da Força Pública.
Entretanto, a atitude
infeliz dos oficiais que procuraram impedir, pela força, as livres manifestações
do povo paulista, não interpretam os sentimentos da Força Pública. Esta,
neste momento de apreensões e perigos para a Família Paulista, está inteiramente
ao lado do povo e da guarnição federal, que, decidida e patrioticamente se
colocou ao lado de São Paulo.
As
selvagerias de ontem são o reflexo de uma mentalidade inferior e facciosa, que
pretendia, inutilmente, avassalar a Força Pública, desvirtuando a sua missão,
para pô-la ao serviço do caudilhismo em má hora implantado em São Paulo
depois do movimento revolucionário de 1930.
Mas
a Força Pública não só não fez causa comum, como está repelindo, com energia
aqueles que queriam submetê-la a instrumento de uma facção política que está
assalariada pelos inimigos de São Paulo e da Nação.
A
Força Pública tem a exata noção dos seus deveres e responsabilidades. Não será
conduzida por
aqueles que, interesseiramente, perderam a qualidade de membros da
força paulista, tornando-se guardas pretorianos de alguns aventureiros de
sorte".
[17]
E o mesmo jornal publica, também, o Manifesto da Força Pública, datado de 15 de
maio de 1932 e assinado por grande número de seus oficiais, colaborando para
arregimentar mais adeptos para a revolução em preparação:
"AOS PAULISTAS:
Em todas as fases
de sua evolução histórica, a Força Pública de São Paulo tem-se mantido fiel
à sua missão de tropa mantenedora da ordem pública, desenvolvendo a sua
atividade dentro da mais completa obediência aos poderes civis. Ela não
pode afastar-se dessa norma, sob pena de trair São Paulo e a Nação,
emaranhando-se num pernicioso caudilhismo que a civilização paulista não mais
comporta.
Com a
natural desorientação que passou a reinar nos meios civis e militares, depois da
vitória do movimento revolucionário de 1930, tem-se procurado desvirtuar a
missão
da Força Pública e confundir as responsabilidades que cada um de seus membros
tem perante a coletividade paulista. Há um jogo oculto, cujas graves
conseqüências a ninguém mais é lícito pretender disfarçar, no sentido de
transformá-la em elemento
e perturbação da ordem política do Estado, a serviço dos interesses partidários
do general Miguel Costa.
Para
bem definir responsabilidades, precisamos tornar público que a Força Pública não
servirá de instrumento nas mãos daquele político. Ela quer ser reintegrada
em sua verdadeira missão e ver restabelecida, no seu seio, a disciplina
indispensável à vida das corporações armadas. A sua oficialidade sente que o
povo paulista a interroga sobre o caminho que há de tomar no meio da atmosfera
de dúvidas e apreensões criminosamente criada por elementos que procuram
satisfazer as suas ambições e interesses inconfessáveis a custa do bom
nome da tropa que São Paulo mantém para a defesa do seu patrimônio.
Para o sossego
da Família Paulista, precisamos responder àquela interrogação, dizendo que a
Força Pública mantém fiel aos seus deveres para com São Paulo e
prestigiará, como é do seu dever, a ação do atual interventor, embaixador Pedro
de Toledo, para que ele
possa, livre de qualquer embaraço, governar com os valores representativos da
maioria do povo de São Paulo".
[18]
Nas ruas noturnas de São Paulo de 23 de maio, o povo aclama e se entusiasma. O
povo
"aclamaria quaisquer
nomes desde que não indicados pelos tenentes".
[19] Quando, às 21
horas, o Dr. Waldemar Ferreira recebe a pasta da Justiça do Silva Gordo, o povo
aplaude vigoroso. O Dr. Waldemar Ferreira, minutos após tomar posse,
"lavra e faz promulgar decretos reformando o general Miguel Costa e o coronel
Juvenal de Campos Castro... E nomeia para o comando da Força Pública o coronel
Júlio Marcondes Salgado, sabidamente comprometido com os planos da Revolução. A
Força Pública volta a obedecer a oficial paulista".
[20]
Após a solenidade tiros se fazem ouvir. Para quem está ali presente
naquelas últimas horas do dia 23 de maio, é o início da Revolução de 1932...
A multidão havia se dividido em vários
grupos. A cidade está sem policiamento. Um grupo mais extremado alveja a tiros a
redação do Correio da Tarde, órgão de apoio ao governo e empastelam o jornal. A
seguir, depredam as instalações do jornal A Razão, pertencente à família
de Osvaldo Aranha. O povo está em clima de vitória e sente-se
"senhor do seu destino". Mais de dois
dias que
"a multidão ondeia,
vagueia, ouve, aclama, apupa, confia, desespera, exige".[21] Um outro grupo, mais
afoito abre à força casas de armas e munições das ruas Boa Vista e Libero
Badaró. A massa, já corrente indomável fluindo para trincheiras
pela rua Barão de Itapetininga, alcança a esquina da Praça da República, onde
decide atacar a sede do PRP -Partido Popular Paulista, instrumento político com
a qual a Legião Revolucionária entendia conquistar o povo para suas ideias e
posições do governo federal. Mas a sede no nº 70 da esquina da Rua Barão de
Itapetininga está esperando com gente disposta, bem armada e fartamente
municiada...
Do prédio são disparados tiros de fuzil e de metralhadora. Granadas são jogadas
na praça. O povo corre a abrigar-se onde pode. Mais armas começam a chegar para
o povo, apesar de poucas para a multidão cada vez maior. Os atacantes aumentam,
engrossados por estudantes. Algumas granadas encontradas na praça são
arremessadas de volta à sede legionária. A luta continua acirrada. Nenhum dos
lados esmorece...
"Um grupo de atacantes
arranja escadas, com as quais, lembrando os assédios a castelos medievais,
tentam escalar as muralhas da fortaleza. Os que tombam são socorridos por
acadêmicos de Medicina. Outro grupo prepara nova e ousada investida: com latas e
garrafas de gasolina, tentam incendiar o reduto que resiste. Bombeiros e
policias aparecem, mas são repelidos e se retiram impotentes...
Intensifica-se o combate. O pipocar da fuzilaria prossegue. No chão, esquina da
rua com a praça, estão mortos Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia,
Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade. Horas depois,
as iniciais dos nomes dos mortos passam a formar a sigla da sociedade que será a
forja e martelo da revolução constitucionalista: MMDC (Martins, Miragaia,
Dráusio, Camargo)"
[22]
O tiroteio continua até às 4,15 da manhã de 24 de maio. Por essa hora, tropas do
Exército e da Força Pública tomam posição na Praça da República e nas ruas
vizinhas, cercando a sede da Legião. Os legionários rendem-se, então,
retirando-se desarmados...
Os acontecimentos do dia marcam o início da organização do MMDC que começa a
receber voluntários e reúne centenas de técnicos e estudantes. São preparados
pelotões guerrilheiros do tipo apresentação e ação fulminantes. Toda a cidade de
São Paulo é coberta pelo plano: os pelotões, ativados mediante senhas altamente
secretas, a serem transmitidas no minuto derradeiro da revolta, ocupariam pontos
estratégicos, repartições públicas, estações ferroviárias, emissoras
radiofônicas e outros serviços públicos. As armas e munições chegam facilmente
aos voluntários do MMDC e de várias fontes, inclusive abastecidas junto ao
grupo organizado pelo Antunes... O MMDC se organiza, especialmente, mais como a
direção do abastecimento, a intendência, as finanças, a engenharia, a saúde, o
correio militar, a propaganda, a mobilização popular e os serviços auxiliares.
Tudo está sendo preparado para ser acionado quando a revolta acontecer...
Osvaldo Aranha, bem protegido dentro do Quartel da Região Militar mostra-se
impressionado com a reação popular. Na manhã do dia 25 parte para o Rio de
Janeiro, depois de receber o general Manoel Rabello que havia chegado do
Rio para assumir o comando da Região Militar e da Divisão de Infantaria, em
substituição ao general Góes Monteiro que tinha sido transferido para o Rio de
Janeiro, conforme comunicado divulgado pela imprensa:
"Foi nomeado comandante da 2º Região Militar o general
Manoel Rabello que embarcou esta madrugada para São Paulo a
fim de assumir aquela chefia. Elementos do PRP fizeram ontem manifestações
de hostilidade ao ministro Osvaldo Aranha e ao governo provisório. A cidade de
São Paulo já se encontra calma, está sendo policiada pela tropa federal. A Força
Pública se acha toda aquartelada aguardando ordem do governo provisório..."
[23]
Dia 25 de
maio, soldados do Exército do 4º RI de Quintaúna, do 5º RI de Lorena, do 6º RI
de Caçapava desembarcam na capital paulista e patrulham as ruas. E o povo lê o
Manifesto de Pedro de Toledo que tenta, com diplomacia, ganhar tempo:
"AO POVO
PAULISTA
Tendo se reconstituído o meu secretariado, no intuito de
bem e melhor servir o Governo Provisório da
República, no posto em que me colocou, de molde a poder encaminhar o
Estado de São Paulo para a consecução de suas finalidades, como unidade
da nação brasileira, fi-lo com o assentimento do Governo Provisório e com a
ciência de um dos seus membros, o exmo. Dr. Osvaldo Aranha, ministro da Fazenda.
Guiou-me nessa atitude o ardoroso desejo de pacificar os espíritos porventura
exaltados pelo mesmo sentimento patriótico e de restabelecer a paz à
Família Paulista, para que o Estado de São Paulo possa continuar
no seu trabalho fecundo e incessante.
Tendo
assumido, ontem, o comando da Segunda Região Militar o exmo. Sr. general
Rabello, militar assas conhecido pela nobreza de seus sentimentos e pela serena
energia de seus atos, e sendo a nossa preocupação máxima a de manter a
ordem sem a qual nada se fará de útil, faço um apelo a todos os meus coestaduanos
para que confiem no meu governo como se acha constituído. Cooperando todos para
esse mesmo desiderato, faremos obra meritória e digna de nossa Estado e do
Brasil. Fio em que o povo paulista volte à sua faina, cesse as manifestações e
reuniões que podem ser exploradas por elementos que, não raro,
se prevalecem desses instantes para implantar a desordem.
Boatos e notícias tendenciosas se espalham a todo momento, destituídas
de fundamentos.
Pela ordem e seu
restabelecimento em toda parte, serão praticadas as medidas necessárias.
São Paulo, 25 de Maio de 1932
Pedro de Toledo , Interventor Federal"
[24]
Em
Porto Alegre acontecem manifestações populares a Flores da Cunha, o
interventor gaúcho, comemorando a solução do caso paulista. Flores da Cunha
exalta a terra paulista e do Rio Grande em seu discurso. E o encerra com
palavras profundas e marcantes, esquecidas e não cumpridas, quando São Paulo se
levanta contra Getulio Vargas:
..."se o Rio Grande, erradamente embora, se encaminhar para o
despenhadeiro, eu irei para o despenhadeiro com o Rio Grande".
[25]
Pedro de Toledo e o seu novo secretariado, no dia 26 de maio de 1932,
tentando um diálogo, enviam a Getulio Vargas um telegrama:
"Exmo. Sr. Dr. Getulio Vargas, chefe do Governo Provisório, Rio de Janeiro.
Integrado hoje o secretariado de meu governo, organizado de acordo com as
intenções de V.Excia., desejoso atender às aspirações do povo
paulista, permito-me exprimir o nosso intuito de colaboração leal no
prosseguimento da obra de reconstrução nacional.
Anima-nos o mais intenso desejo de tranqüilizar o espírito brasileiro e
de contribuir por que ele se oriente seguro para seus novos destinos. Fiel à sua
tradição liberal e cônscio de suas responsabilidades na Federação,
São Paulo dirige a todo o país nesta hora sem par de sua história, a
expressão mais sincera de seus sentimentos de intensa brasilidade e formula
votos por que V.Excia. consiga levar a termo feliz a magnífica esperança de que
o Brasil há de preencher a sua finalidade republicana.
Com o mais profundo respeito
(a) Pedro de Toledo, interventor federal e seus secretários".
[26]
A esse telegrama, Getulio
Vargas responde sucinta e secamente:
“Dr. Pedro de Toledo, Interventor Federal e demais secretários, São Paulo.
Agradeço comunicação estar composto o vosso secretariado e bem assim os
intuitos de colaboração manifestados. Cordiais saudações.
(a) Getulio Vargas".
[27]
No dia 27 de maio, Flores da Cunha, de Porto Alegre envia telegrama a
Getulio Vargas, solidarizando-se a ele na solução do caso paulista:
"No pensamento de ser
mantida a todo o transe a feliz solução dado ao caso paulista, os partidos
políticos do Estado, representados pelos seus chefes Borges de Medeiros e Raul
Pila, acabam autorizar-me hipotecar a V.Excia o seu inteiro apoio, para nele
amparado possa V.Excia. melhor resistir onda anárquica sedenta de mergulhar o
pais.
Afetuosos abraços,
(a) Flores da Cunha."
[28]
Getulio Vargas responde
no dia 29, a Flores da Cunha:
"Em resposta ao vosso
telegrama transmitindo as declarações de apoio dos chefes dos partidos
rio-grandenses, no pensamento de manter-se a solução dada ao caso paulista, para
melhor resistência da onda anárquica em que se tenta mergulhar o pais, cumpre-me
informar-vos não sofrer o chefe do governo nenhuma pressão capaz de tolher a sua
liberdade de agir no caso referido.
A modificação do
secretariado da interventoria de São Paulo era coisa assentada e
estava sendo examinada no sentido de atender às correntes dominantes da
opinião paulista, com inteiro conhecimento geral e aprovação dos elementos que
prestam solidariedade ao governo. Houve apenas surpresa na forma tumultuada do
ambiente subversivo em que tal modificação se deu.
Nestas condições,
a manutenção do secretariado depende menos de outras circunstâncias que da
própria atitude posterior aos
acontecimentos pela pratica de atos reveladores do firme propósito de
colaboração com o Governo Provisório dentro do pensamento e normas
renovadoras da revolução.
Cordiais saudações,
(a) Getulio Vargas"
[29]
O telegrama de Getulio mostra claramente a sua atitude em relação a São Paulo:
quer por suas botas de caudilho, espezinhando os paulistas. E a imprensa comenta
muito esse telegrama, pelo país a fora...
Manuel Rabello, o novo comandante da
Região Militar tenta intimidar Pedro de Toledo e obrigá-lo a seguir as regras
de Getulio Vargas. Caso não o fizesse, não teria o seu apoio. Pedro de Toledo,
ferido em seus brios reage veementemente: -
"A autoridade suprema no
Estado sou eu. Se traz ordem para assumir a interventoria, exiba-a; mas se é
simples bilhete azul que me pretende oferecer, desiluda-se, general. Só sairei
daqui morto ou algemado; não por simples ameaça!".
[30]
Manoel Rabello age para controlar as forças militares de São Paulo e sem ocultar
os seus sentimentos de hostilidade ao povo paulista, baixa uma ordem unificando
o comando das forças federais e estaduais, subordinando-as todas ao seu comando.
Apesar da ordem, ele sabia que não iria poder controlar as forças militares da
Região Militar que comandava para afrontar o governo de São Paulo. Ele próprio,
quando vinha do Rio para São Paulo, para assumir o comando, escutou do coronel
José Joaquim de Andrade, comandante das guarnições de Lorena, Pindamonhangaba e
Caçapava, que lhe disse
"peremptoriamente que não contasse com o seu apoio, nem das forças que
comandava, para qualquer investida contra o governo de São Paulo, que tinha o
apoio unânime do povo bandeirante."[31]
Mas, com a formação do novo governo, com civis e paulistas, parece que o caso
paulista está resolvido. Manifestações por essa solução ocorrem. Em circular aos
seus comandantes da Circunscrição de Mato Grosso, o general Bertholdo Klinger
informa a formação do novo governo paulista e termina sua circular dizendo
que em telegrama cifrado ao general Rabello, exortou-o a que não colabore
novamente na farsa de deposição desse governo, que corresponde aos anseios dos
paulistas.
Mas esses acontecimentos não trazem melhora na situação, afastando as
nuvens escuras da tempestade. Os
paulistas já haviam esgotado a sua
paciência com Getulio Vargas. E ele, em seu Palácio de Governo no Rio de
Janeiro não vê, ou não quer ver, as
pesadas nuvens de uma luta sangrenta que está para desabar... Suas
atitudes para com os paulistas, ferindo os seus brios, espezinhando a autonomia
do Estado, é o vento que empurra as
pesadas nuvens..
Em breve desabaria a tempestade
fazendo troar os canhões e a metralha jorrar suas rajadas mortíferas...
Mas, parece que a tempestade avança e recua. Manoel Rabello, em uma
atitude que parece fazer recuar a tempestade, no dia 1º de Julho envia ao
comandante da Força Pública, coronel Salgado, um comunicado suspendendo a
unificação do comando que tinha feito em 24 de maio... e as tropas do Exército
que tinham vindo do interior para a capital, em 25 de maio, começam a retornar
aos seus quartéis... e Getulio Vargas marca as eleições para maio de
1933. Parece que as nuvens
ameaçadoras recuam... Mas é apenas aparência, pois novas
nuvens surgem no horizonte...
Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul, fazendo-se aliado dos
paulistas formula três casus belli, estabelecidos
entre os chefes de São Paulo e do Rio Grande. A revolução seria deflagrada pelos
dois Estados se ocorresse
qualquer desses itens:
"1. Qualquer tentativa
para depor ou modificar o governo paulista.
2. Demissão do general
Bertholdo Klinger do comando da Circunscrição Militar do Mato Grosso.
3. Afastamento do general
Eurico de Andrade Neves do comando da 3º Região Militar do Rio Grande."
[32]
Euclydes de Figueiredo, do Rio de Janeiro onde serve, escreve um relatório sobre
a situação em São Paulo, e o remete ao Dr. Borges de Medeiros:
"RELATÓRIO REMETIDO PARA O RIO GRANDE DO
SUL
26 DE MAIO DE 1932.
1. NO MEIO POLÍTICO:
Como sói acontecer em caso de tensão política, existem lá as duas correntes: a
dos moderados e as dos extremados. São Paulo não escaparia a esta regra,
devendo-se, porém, acentuar que lá até a primeira delas admite a solução
extremada pelas armas, havendo mesmo entre os chamados "velhos" muitos que se
dispõem a dar neste caso o seu concurso pessoal. Não há, pode-se dizer,
discrepâncias notáveis nos elementos responsáveis. Os acontecimentos dos dias 22
e 23 de maio são a prova disto. Todos se uniram para obtenção da solução
final, ninguém aceitando contemporizações com a permanência dos antigos
auxiliares do governo.
2. OPINIÃO PÚBLICA:
As convicções dos políticos no amparo dos interesses legítimos de São Paulo e
dos seus direitos não foi, no caso, senão um reflexo, ou melhor, um imperativo
da opinião pública que lá se formou. Foi, portanto, o povo, reunido em praça
pública que forçou a solução do caso, precipitando-a. Houve um verdadeiro
comício permanente que durou 48 horas e só se dissolveu quando foi dada a
conhecer ao povo a resolução do Interventor de modificar o seu secretariado.
3. FORÇA:
Antes dessa conquista - a total substituição do secretariado - contava a Frente
Única Paulista com o apoio decidido da grande maioria da Força Pública Estadual.
Somente havia contrários no regimento de cavalaria, comandado por um irmão de
Miguel Costa e onde este colocara os seus mais dedicados amigos. Mas, mesmo
nesse reduto, a conspiração penetrara, resultando que uma parte eficiente do
regimento assumiu compromisso com os conspiradores. De sorte que, dado o golpe,
a luta iria começar dentro do quartel do regimento, que seria ao mesmo tempo,
cercado por outras forças. Tudo estava acertado para isso; e foi por
pensar assim que logo planejei a organização de batalhões patrióticos, mesmo
dentro da cidade de São Paulo. Conversei com vários oficiais da Força Pública,
individualmente e em reuniões, os quais não me deixaram dúvidas ao espírito
sobre as suas afirmações.
Agora, porém, com os últimos acontecimentos, a coisa mudou para melhor: não há
mais contrários, ou então estão dissimulados. O comando geral da Força,
entregue ao seu novo comandante - coronel Marcondes Salgado - já fez as
substituições necessárias à segurança da unanimidade do regimento. Na guarnição
federal, todas as unidades de tropa estão minadas, em todas elas existindo
elementos dispostos a cooperar, numas em maior número, noutras em
menor.Considerei que o golpe decisivo seria o da Capital do Estado e procurei,
por isso, conhecer as resistências prováveis, estudar a coordenação dos
esforços, para vencê-las prontamente. E isto ficou perfeitamente planejado nos
seus mínimos detalhes de execução.
No interior do Estado também a Frente Única se havia habilmente infiltrado na
tropa, e um trabalho mais prolongado acabará removendo as últimas dificuldades.
As manifestações populares dos últimos dias de agitação fizeram em poucos
momentos o que só conseguiria normalmente com algum tempo de propaganda: vários
oficiais das diversas guarnições federais que, até então, não tinham
compromisso, foram arrastados a se pronunciar. Isso verificou-se até de
modo notável, no próprio quartel-general, onde a ausência do comandante efetivo
da Região Militar está sendo comentada com azedume e críticas, havendo mesmo
queixas de amigos seus por um completo abandono.
AS POSSIBILIDADES:
Em resumo: balanceando os elementos, cheguei à convicção, depois de um plano que
organizei, de que podemos contar com 75% das probabilidades. Da forma por que se
modificou a situação da Força Pública, logo depois da formação do novo governo,
esta percentagem crescerá apreciavelmente..
Há no momento, duas circunstâncias que se contrapõem, sobre cujas conseqüências
é preciso ponderar: primeiro, é necessário, para maior segurança, ajustar mais
certos compromissos na Capital Federal; segundo, não
deve haver grande demora na resolução, para não dar tempo ao governo
federal de remover de São Paulo os oficiais já compromissados, à medida que for
conhecendo as suas inclinações.
Por outro lado, não se deve esquecer o desamparo em que ficam os companheiros
das guarnições de Mato Grosso, a começar pelo seu próprio general comandante,
dando, com uma grande demora, tempo ao governo de conhecer as suas
tendências e tomar providências contrárias. Estas considerações resultam de
certeza que tenho de que, se São Paulo tem o seu caso resolvido, o caso geral -
o nacional - ainda se apresenta como incógnita, pois não se deve esquecer que
vários Estados do Norte estão nas condições de que São Paulo acaba de se livrar.
Mas, mesmo por lá, a solução, que aparenta ser definitiva, está ameaçada
de modificação a qualquer momento. Basta um primeiro "caso concreto", uma
desavença com o governo federal (talvez mesmo provocada por este) para a grande
dificuldade surgir de novo.
São Paulo libertou-se, mas não deixa de continuar em perigo.
CONSIDERAÇÕES que foram acrescidas à cópia do mesmo relatório que, na mesma
data, mandei ao Dr. Júlio de Mesquita Filho, em São Paulo.
Deixo antever no relatório que ainda é preciso ajustar compromissos na guarnição
federal daí:
1. Na capital convém garantir a unanimidade do 4º B.C. que será o esteio do
levante armado e fazer maior infiltração em Quintaúna.
2. Urge garantir, outrossim, pelo menos a artilharia de Jundiaí que, se rebentar
o movimento, deverá imediatamente ser trazida para São Paulo.
3. Assegurar melhor o pronto levante das guarnições de Lorena, Pinda e Caçapava.
Com elas pretendo fazer a primeira cobertura contra o Rio, donde partiremos em
ofensiva.
4. Não esquecer a tropa federal III B. do 5º R.I., atualmente em Campinas.
Ela facilitará a livre passagem do 2º R.C.D. e poderá constituir, logo após, uma
segunda cobertura contra Minas, em tudo ainda indecisa.
NOTA: Faço estas advertências porque estou convencido de que não
chegaremos ao termo da jornada sem luta. A vitória de São Paulo, conseguida por
um grito da opinião pública, só será consolidada pelas armas. O ambiente aqui no
Rio deixa clara esta conclusão. Abandonar o trabalho feito, dormindo sobre os
louros colhidos, é arriscar tudo, que poderá ser perdido de um momento para
outro. Demais, o estado de ânimo aqui não é para ser desprezado.
Rio de Janeiro, 26 de maio de 1932.
(a) Euclydes Figueiredo."
[33]
As
nuvens da tempestade que se aproximava
continuam a aumentar. E Getulio traz mais nuvens no dia 28 de junho de 1932, demitindo o Ministro da
Guerra, general Leite de Castro e nomeando para seu lugar o general Espírito
Santo Cardoso. É a vitória dos tenentes de 1930, a quem cabia a paternidade
dessa nomeação. As nuvens ameaçadoras
à paz aproximam-se velozmente...
"A nomeação do Sr. Espírito Santo Cardoso determinou a ruptura de todas as
negociações para a paz, visto que uma das condições exigidas pelas Frentes
Únicas para se resolver a questão militar e assegurar-se o predomínio do
espírito civil na direção política do pais era a nomeação, para o Ministério da
Guerra, de um general que fosse um expoente do Exército atual".[34]
O que tinha acontecido era a nomeação de um general reformado há mais de 10 anos
e desconhecedor dos problemas do Exército e que "também
inspirava fundadas apreensões sob o aspecto moral",[35] conforme escreve o
general Klinger. Este faz um protesto por escrito contra a nomeação de novo
Ministro da Guerra. Seu despacho provoca sua reforma administrativa e
afastamento do comando. Uma das casus
belli acontecia...
O protesto escrito do general escurece mais ainda as
pesadas nuvens, precipitando a
tempestade da revolta paulista.. O despacho do general Bertholdo Klinger
é contundente, mostrando seu temperamento impulsivo:
"OFICIO nº 372 - Q.G. EM CAMPO GRANDE - 1º Julho de 1932.
Ao Exmo. Sr. General de D. Augusto Ignácio ESPIRITO SANTO CARDOSO, Ministro da
Guerra, do general Bertholdo KLINGER, comandante da Circunscrição
Militar.
Objeto: A nomeação do senhor Ministro.
Sr. general,
A nomeação de Vossa Excelência, neste momento nacional, para gestor dos negócios
do Estado, no departamento do Exército, desaponta por vários motivos, cada
qual mais relevante, conforme lealmente passo a expor:
1º - Nesse momento nacional, repito, em que a Nação, notadamente o
Exército, esperava atos governamentais claros, retos e firmes, que, para melhor
traduzissem as escurezas, sinuosidades e frouxidões, com que o governo tem
enunciado e concretizado os seus propósitos - eis que surge essa nomeação.
O antecessor de Vossa Excelência foi afastado, afinal, ao clamor
suscitado pelo papel a que, desconhecedor do pessoal do Exército e
ultra-ambicioso se prestava, sancionando todos os assaltos à disciplina interna
e externa, ao sabor dos caprichos dum punhado de extremistas, cada vez mais
desvairados ante a repulsa ambiente.
Vossa Excelência tem justamente por principal título para
substituir semelhante ministro - sem escurecer os que poderia ter numa situação
normal - o de vir a prestar-se presumivelmente, melhor ainda, ao mesmo papel.
Toda a gente está vendo que foi fiador disso o filho de Vossa Excelência,
capitão Dulcídio, extremista rubro da décima terceira hora.
2º- O Exército desejaria saber se o seu ministro resistiria a
uma inspeção de saúde, dado o alquebramento fatal que os anos produzem, que, é
de supor, já há nove anos passados, o levou a passar espontaneamente para a
reserva. E somente mens sana...
3º - Vossa Excelência que, assim, não pode infundir
confiança do ponto de vista de sua necessária inteira posse da aptidão física,
também só inspira fundadas apreensões sob o aspecto moral, pois que foi um dos
signatários, e até passa por inspirador, da famosa nota-circular duma comissão
de sindicância nomeada nos primeiros dias da revolução dominante, nota que
convidava os oficiais à delação de seus camaradas.
4º - Vossa Excelência está há longos anos afastado do serviço ativo, como
já lembrei, e nele não atingiu ao generalato, nem fez curso de Estado-Maior, de
modo que jamais teve a responsabilidade e necessidade de cogitações de caráter
de conjunto sobre os problemas do Exército, mormente em seu entrelaçamento
com os demais problemas nacionais. Assim, a sua nomeação nada mais é
do que a reedição, treze anos passados, daquela célebre invenção de ministros
civis nas pastas militares, coisa para a qual até hoje o Exército não tem a sua
organização adaptada.
Em particular Vossa Excelência está alheio a toda a evolução associada à
presença da missão francesa entre nós. Um civil, ou um militar que de militar
tem apenas a lembrança e a pensão, embora esta já de bastante tempo majorada
graças a uma estranha chamada à atividade, semelhante detentor da pasta será
ministro apenas na aparência: o prestígio da autoridade, a disciplina sofrem
fundo dano ante a evidência de que os seus lugar-tenentes do gabinete é que vão
dirigir os coronéis e generais chefes de serviços e comandantes das grandes
unidades.
5º - Esse mesmo prestígio da autoridade, inclusive a do governo, essa
mesma disciplina, saem, risível se não deploravelmente claudicantes, diante da
revelação surpreendente de que o governo não teve um general para ministro da
Guerra, governo que, entretanto, discricionariamente, eliminou do serviço ativo
um rol de generais e fez uma porção de generais novos. Nem dentre os que
escaparam à grossa faxina, nem dentre os fabricados pela revolução
revolucionária, um não se salva para dizer ao Exército, a instituição mais
combalida pela revolução dominante, a palavra da revolução nacional.
Saúde e fraternidade,
General Bertholdo Klinger."[36]
A
Frente Única, formada pelo Partido Republicano Paulista e o Partido
Democrático, rompem com o governo federal de Getulio Vargas. As
nuvens da revolta estão mais próximas e o vírus da revolta já
está contaminando todos, em todos os lugares. É um forte sentimento contra
Getulio Vargas e sua ditadura.
A frase - Getulio nos traiu -
corre de boca em boca por todo o Estado de São Paulo. As
causas estão tão profundas no coração dos paulistas que nada irá removê-las.
Tudo leva ao desespero de uma guerra. E esse sentimento é bem demonstrado pelo
general Isidoro Dias Lopes, das forças paulistas, em 17 de agosto de 32, depois
de um mês e meio de luta, em comunicado ao general Góes Monteiro, das forças do
Getulio:
"General Góes Monteiro - Onde se achar.
É um grande erro, senão má fé, quererdes responsabilizar, pelo movimento
constitucionalista de São Paulo e Mato Grosso, esta ou aquela pessoa.
Não há em São Paulo, nem no Brasil, nem em qualquer parte do mundo, chefe
político ou militar com a força capaz de deflagrar, com tão maravilhosa
unanimidade, uma revolução como esta. Ninguém, do mesmo modo, poderia evitá-la,
sem a remoção das causas que a geraram. Só cegos, ou interessados, ou coagidos a
prisioneiros de grupos delirantemente facciosos, não enxergam que só a suprema
defesa do patrimônio material e moral de um povo tem o poder de congregar todos
os corpos docentes e discentes das escolas e das academias, todas as
instituições beneficentes, artísticas e científicas, todo o comércio, toda a
indústria, toda a lavoura, todos os lares, toda a população, enfim, com
tanto entusiasmo, tanta abnegação, tão pronunciado espírito de sacrifício.
Não foi São Paulo que preferiu ouvir este ou aqueles chefes políticos,
mas sim foram estes que ouviram aquele. Toda uma população espezinhada,
ludibriada, explorada e saqueada em sua riqueza, fruto da mais extraordinária
capacidade de trabalho fecundo, inteligente e sábio; toda essa
população é que chamou e impôs aos seus homens mais representativos a conduta a
seguir: reagir ou morrer.
Se aqueles chefes políticos, se os homens mais representativos de São
Paulo não estivessem à altura da situação e não obedecessem aos desejos e
vontade de todo um povo, seriam fatalmente depostos e chefes novos surgiriam.
Felizmente, a comunhão foi perfeita, não havendo divisão alguma a não ser
entre dirigentes e dirigidos, orientada a política e administração sem
discrepância no sentido da vitória da Causa Sagrada Comum de São Paulo pelo
Brasil.
Assim, também, São Paulo não deixou de escutar vossas palavras de coagido
para ouvir a mim; eu, sim, fui que ouvi São Paulo e dei à justiça de sua causa o
concurso desvalioso da minha adesão e solidariedade.
Não ensangüentei São Paulo pela terceira vez, nem tinha nem tenho poder
para tanto. Se há quem seja responsável pela anarquia do Exército, pela
dissolução da Pátria e pela guerra civil - é
o Ditador ou o "Soviet" que o governa e que também vos tem prisioneiro".[37]
"A reforma administrativa do general Klinger, conquanto fosse
esperada a todo momento, repercutiu estrondosamente em todo o pais. O oficial
general atingido por tão rigorosa pena gozava de merecido renome, não somente
nos meios militares como no mundo civil, sendo geralmente acatado como uma das
maiores expressões do Exército atual."[38]
A
reunião no Palácio da Guanabara, na capital federal, o Rio de Janeiro, começa às
19 horas em ponto naquele dia 5 de julho de 1932. Getulio Vargas sentado à
cabeceira da mesa onde seus interlocutores Osvaldo Aranha, Cordeiro de Farias e,
especialmente o coronel Manuel Rabello tentam convencer o presidente provisório
da conspiração que está em andamento em São Paulo. Denunciam toda a conspiração:
datas, líderes, lugares, correlação de forças, etc. Sabem de tudo o que vai
acontecer. Rabello faz uma exposição detalhada a Getulio, por mais de uma
hora. Vargas não reage, apenas ouve. Parece que já sabe da trama e demonstra não
se importar, já que nada faz para deter ou mudar os rumos dos acontecimentos -
nem sequer aceita o plano estratégico de Góes Monteiro para reforçar a tropa
federal baseada na capital paulista. Ao final da reunião, Getulio diz apenas: -
Vocês estão enganados de todo. Não existe nada disso. - Mal pode prever ele que
o movimento vai eclodir quatro dias depois...
Os
principais articuladores da conspiração paulista estão reunidos, sob o comando
do general Isidoro. A folhinha da parede marca 7 de julho de 1932 e o relógio 20
horas. O debate e a análise da situação arrasta-se até a madrugada.
-
Então, estamos todos de acordo que a solução militar é inevitável e que deve
eclodir dia 10 às 3 horas da manhã.
Getulio
Vargas e o novo ministro da Guerra, no dia 8 de julho só tem uma
alternativa: retirar o general Bertholdo Klinger do comando das tropas do Mato
Grosso. E o fazem por telegrama, mesmo sabendo que isso significa acender o estopim da guerra:
"8
de julho de 1932. Hora: 13:15 - URGENTE
COMUNICO-VOS QUE CHEFE GOVERNO PROVISÓRIO VOS REFORMOU ADMINISTRATIVAMENTE,
PELO QUE DEVEIS PASSAR COMANDO CIRCUNSCRIÇÃO AO SUBSTITUTO LEGAL IMEDIATAMENTE.
A) GENERAL ESPIRITO SANTO
MINISTRO DA GUERRA."
[39]
O general Klinger passa o comando, despedindo-se da tropa com um comunicado
exortando-a a manter calma, dentro da ordem, na verdadeira disciplina...:
"Quartel General em Mato Grosso - 8 de julho de 1932
... b) Pouco é este meu sacrifício. Ele fora previsto, entrara plenamente em
minhas previsões. Era a contribuição que eu podia dar. Caio de pé, pois que me
mantenho ereta a consciência profissional e cívica de haver cumprido
um dever, na defesa duma personalidade laboriosamente formada e
da seara de interesses que me estavam confiados. Exorto os meus camaradas a
que se mantenham em calma, dentro da ordem, na verdadeira disciplina,
raciocinada e consentida, vistas em seus camaradas chefes, pensamento no
Exército - a síntese das forças vivas, materiais e morais, duma nação".
[40]
O
coronel Euclydes, ciente do assunto da reunião no Palácio do Getulio, resolve
viajar naquele mesmo fim de tarde, iniciando a noite, do dia 8 de julho,
para S. Paulo. E acha que a rebelião intempestiva do comandante militar do Mato
Grosso - negando subordinar-se ao novo Ministro da Guerra que o estava
reformando - ia tudo precipitar... Eram quase nove horas da noite quando o seu
carro entra no quartel do 5º Regimento de Infantaria de Lorena. E, a partir daí,
ele mantém contato com as unidades existentes nas cidades de Pindamonhangaba e
Caçapava, no Vale do Paraíba, por onde passa, até chegar a São Paulo, já
com a madrugada avançada, em torno das quatro horas. Dirige-se diretamente à rua
Sergipe, onde os portões já estão abertos a sua espera.
O
palacete da Rua Sergipe nº 37 abriga desta vez, não nove empresários, mas todos
os comandantes das tropas da capital paulista e de algumas guarnições de cidades
mais próximas. As 11 horas o general Isidoro inicia a reunião:
-
Senhores, o que tenho a lhes falar é de capital importância. Hoje de madrugada,
nesta mesma sala, reuniu-se
o Alto Comando do levante que São Paulo fará contra Getulio. Ficou decidido que
a revolução será iniciada nesta noite de 9 para 10, às 23 horas. E, sem
delongas, passo a palavra ao Coronel Euclydes Figueiredo, chefe do Estado
Maior Revolucionário.
-
Tenho aqui as ordens para serem cumpridas imediatamente. Cada um dos senhores
está recebendo por escrito, detalhando as ações de suas
tropas a partir do meio
dia de hoje, ocupando posições predeterminadas. Emissários estão sendo enviados
para as unidades de Taubaté, Santos, Itapetininga e Bauru com as ordens de
movimentação das tropas. E outras ordens já prontas no Plano de 22 de maio já
foram expedidas. Os líderes civis já estão arregimentando os batalhões
patrióticos que estavam sendo organizados há semanas. Temos 40 mil fuzis 1908
para os civis e alguns milhões de tiros disponíveis, para começar. Já
estamos produzindo 20 mil cartuchos por dia e dentro em pouco poderemos produzir
um número maior. Já tenho um grupo organizado que está em entendimento com as
principais indústrias das 600 indústrias metalúrgicas e 736 indústrias de
vestuário, além das 1.200 indústrias de alimentos.
Os comandantes militares saem apressados,
com suas ordens e a senha SERGIPE e a contra senha
37. Auxiliado pelo tenente Lobo, o coronel Euclydes dita as ordens para
serem levadas, por emissários de confiança, a todas as forças aquarteladas no
Estado. São as diretrizes gerais das operações... E, antes de almoçar,
rascunha o comunicado ao povo paulista a ser enviado aos jornais naquela tarde e
que serão assinados por ele e o general Isidoro, para ser publicado no dia
seguinte, 10 de julho:
" AO POVO PAULISTA
Neste momento, assumimos as supremas responsabilidades do comando das forças
revolucionárias empenhadas na luta pela imediata constitucionalização do País.
Para que nos seja dado desempenhar, com eficiência, a delicada missão de que nos
investiu o ilustre governo paulista, lançamos um veemente apelo ao povo de São
Paulo, para que nos secunde na ação primacial de manter a mais perfeita ordem e
disciplina em todo o Estado, abstendo-se e impedindo a prática de qualquer ato
atentatório dos direitos dos cidadãos, seja qual for o credo político que
professem.
No decurso dos acontecimentos que se seguirão não encontrará a população melhor
maneira de colaborar para a grande causa que nos congrega, do que dando, na
delicada hora que o País atravessa, mais um exemplo de ordem, serenidade e
disciplina, características fundamentais da nobre gente de São Paulo.
General Isidoro Dias Lopes
Coronel Euclydes Figueiredo"
[41]
O novo chefe do Estado Maior Revolucionário telegrafa aos comandantes de
unidades:
"Comunico-vos que, em nome do povo de São Paulo e apoiado pela unanimidade das
tropas federal e estadual deste Estado, revoltados e de acordo com o general
Isidoro Dias Lopes, assumi o comando da 2º Região Militar, com
o fim de exigir do governo provisório a reconstitucionalização do país e o
restabelecimento do regime da ordem".[42]
A
senha Sergipe e a contra senha
37 corre entre os civis já registrados
em batalhões pelo MMDC. No Largo São Francisco, na Faculdade de Direito, a
primeira tropa civil já está pronta no início da tarde, formando o 1º
Batalhão da Milícia Civil, comandados por Romão Gomes, da Força Pública. Os
civis do MMDC agem rápido e ocupam emissoras de rádio e estações telegráficas.
Outro grupo de civis armados cerca, para proteger, o prédio da Rua Sergipe, nº
37, o Q.G. da Revolução.
O plano
do comandante Euclydes Figueiredo funciona bem na capital e no interior.
Às 21 horas escreve ele: -
"Sinto-me
senhor da situação. São Paulo inteiro está em nossas mãos: estradas de ferro,
entroncamentos rodoviários, estações de rádio e estações telegráficas e
telefônicas, a Guarda Cívica Paulista, a Inspetoria de Veículos, toda a Força
Pública, com o seu comandante à frente, coronel Marcondes Salgado, grande parte
das unidades do Exército, o próprio governo do Estado, pela palavra dos seus
secretários; tudo isso e mais que isso: a opinião pública paulista já àquela
hora nos garantia o mais absoluto e pronto sucesso. Ocupávamos e dominávamos o
que, de começo, era essencial e tínhamos total solidariedade da melhor gente
bandeirante...”[43]
Capítulo 5
A
mansão dos Alves de Algarve está toda iluminada. É a noite de
9 de julho de 1932. Inclusive as luzes do chafariz da entrada iluminam a pequena
fonte do jardim, dando um brilho aos peixinhos vermelhos na água límpida.
Alguns carros já tinham chegado com os convidados. Outros se sucedem e
enchem o pátio de estacionamento à
direita do jardim. Nas sacadas, grupos de pessoas conversando, aguardando o
início da festa de aniversário do dono da casa, o Sr. Otávio.
Robson e Raymundo, em uniformes de gala, recepcionam os convidados no alto da
escada de entrada para o salão principal, onde no fundo, uma orquestra
toca músicas alegres.
Os dois
irmãos com um sorriso natural nos lábios recepcionam as moças da sociedade
bananalense, vindas sempre após os seus pais. A estes prestam os
cumprimentos de praxe e a elas dão o braço direito e as introduzem no salão.
Cada uma delas, mais charmosa do que a outra, em vestidos primorosos,
especialmente confeccionados para a ocasião: Leila, em sua altura de 1,8O,
com um corpo perfeito realçado pelo vestido vermelho justo, destacava os
cabelos loiros, presos para cima de tal modo que realçava o seu rosto longilíneo
e bonito, tinha sido a primeira a chegar e encantou a todos com o
seu jeito natural. Logo a seguir chegou a Rita, com seu jeito maroto e
franco de sorrir, mostrando os seus dentes perfeitos e sorrindo também com
os seus olhos pretos como de um lince; entrou tão rápido e se misturou aos
convidados que poucos a viram chegar. O mesmo aconteceu com sua vizinha e grande
amiga, Lúcia, de cabelos cortados curtinhos, como se fosse um guri. Outra que
chamou a atenção ao entrar foi a Carmen, filha do gerente do Banco da cidade,
moça esperta que já dava os primeiros passos no aprendizado de chefiar um Banco,
sonho que acalentava, apesar do seu pai não gostar da ideia. Seu vestido azul
celeste estava muito bonito e todos pararam de conversar para vê-la entrar.
Logo em seguida, em um vestido longo todo esverdeado, chegou a Casulo, uma
moça de estatura pequena, com 1,55 metros, mas que aparentava mais, devido a sua
naturalidade e também, à beleza de seu porte, com longos cabelos pretos,
lisos, caídos ao longo de suas costas. Mas, chamou mesmo a atenção, em especial
de todos os cavalheiros presentes, foi quando chegou a morena de pele de
jambo, Nádia, em um longo vestido branco que realçava suas belas formas de
mulher de 20 anos. Muitos jovens suspiraram longamente só de vê-la entrar no
salão ao lado de seus pais... Entraram a seguir as jovens Nilza, pequena
moça, com seu sorriso franco, junto de sua amiga Marlene, com seus cabelos
loiros caídos sobre os ombros e de sua outra amiga, Sônia, em seu andar solto e
gingado. Os jovens suspiravam ao ver as moças entrarem...
A orquestra ao fundo do salão toca mais alto, iniciando o sarau com
valsas, seguidas de polkas e os jovens solteiros começam a disputar as moças,
para a dança pelo salão.
As moças e senhoras colorem o salão com sua elegância e toalhetes na moda:
vestidos de seda, cintura fina, grandes decotes e mangas bufantes. E brincos e
colares de ouro completam a elegância delas. A pequena corte da sociedade
está representada ali, naquele salão de festas. Nas mesas espalhadas pelos lados
do salão, buquês de flores muito bem arrumados enchem o ambiente com seus
perfumes. Os donos da casa, Otávio e Nimpha, circulam pelo salão,
conversando um pouco de cada vez com os seus convidados. Estes, educadamente,
durante o dia, já tinham enviado ao aniversariante os seus presentes,
acompanhados de cartão com os cumprimentos.
Rogério ao lado de seus irmãos na recepção não tinha olhos para as outras moças
que chegavam. Estava ansioso para saber se aquela que fazia seu coração pulsar
mais rápido e forte, iria vir só ou com o noivo que nunca vinha de
São Paulo para vê-la. Seus olhos brilham quando a vê chegar, sozinha,
acompanhada pelos seus pais, o seu
Manoel e a esposa.
Logo que Paula chega, cumprimenta o
aniversariante e sua esposa e deixa, com eles, os seus pais em alegre
bate-papo. Paula fala ao ouvido de sua mãe, Georgete, que ia ficar com suas
amigas e que os procuraria lá pelas duas horas quando fosse cortado o bolo do
aniversariante. Em seguida sai rapidamente e começa a procurar com o
olhar onde está, no momento, o seu amigo
moço. Localiza-o a um canto do salão, do lado direito da porta de entrada.
Chega até perto dele e, sem parar, fala-lhe para encontrá-la no portão de
entrada, descendo a seguir, as escadas. Uns minutos depois, que pareceram
eternidade, Rogério também sai da mansão, cruzando na descida das escadas com as
duas irmãs, Cristina e Catarina, duas moças que tinham como maiores
características o orgulho de terem uma ascendência ariana, oriunda de um
ancestral que incutiu na família uma atitude de superioridade em relação aos
brasileiros, revelada, pelas duas irmãs, no modo de andar com os
narizes empinados.
- Tão empinados que, se estivesse chovendo, era
provável que morreriam
afogadas... - Rogério sorri ao pensar isso...
Paula o espera lá perto da calçada, no portão da entrada dos jardins.
-
Quero que você vá comigo ali em casa, bem rápido! - diz a ele. Rogério estranha um pouco
o convite mas não a questiona nem pede explicações. Apenas a acompanha,
olhando de vez em quando para ela, admirando como ela está bonita. Depois de
entrarem na casa onde Paula mora e ela ter trancado a porta, ela puxa Rogério
para um canto e pendura-se em seu pescoço, com ambos os braços, colando
os seus lábios nos dele. Depois de um longo beijo, repetido várias vezes, ela
fala no seu ouvido, bem baixinho e de modo amoroso:
- Moço, não agüento mais de vontade. Quero me transformar em uma mulher madura
em seus braços. Quero me desabrochar para o amor em seus braços. Quero
viver esse grande momento em minha vida com você... -
E, enquanto fala, puxa-o para
o seu quarto ao fim do pequeno corredor. Não deixa ele falar nada; deita-o em
sua cama e cobre-o de beijos enquanto vai tirando a roupa dele, deixando-o logo
totalmente sem roupas. Ela está com tanto desejo que quando o pênis
intumescido pula fora das roupas dele,
ela sem nenhum pudor, começa a saboreá-lo como se saboreia um sorvete em alto
verão. Logo, logo, ele pede para ela parar, pois não aguenta, também, de tanto
desejo. Vira-a e começa, agora ele, a tirar as suas roupas, um pouco
desajeitado pois não tem prática com colchetes e outros fechos de vestidos
femininos. Mas, ajudado por ela, logo ele pode extasiar-se de ver e tocar
o aveludado e gostoso corpo que ela tem. Beija-a inteira, de cima até
embaixo, maravilhando-se com o cheiro de seu corpo, em especial da entrada da
caverna do amor, como ela chama a sua
vulva. Ele não tem mais pensamentos, age por puro instinto, e sua vontade
e desejo ele faz, brincando com sua língua em um ponto que ele sabe, pelos
livros que tinha lido, que é na mulher, extremamente sensível. Surpreende-se em
perceber, que logo aquele ponto fica um pouquinho maior e mais
rígido, e logo em seguida, ela geme em um estremecimento gozoso e junto com o
prazer intenso, jatos curtos de um líquido aquoso branco que tempos depois
veio a descobrir, conversando com outros homens, que muitas mulheres produzem e
expelem esse líquido na hora do prazer... Ela geme ainda de prazer quando se
levanta e lhe pede que espere um minuto, saindo do quarto rapidamente.
Vai em um pé e volta, minutos após, no outro.
Quando Paula aparece na porta, Rogério tem o coração acelerado a mil por hora...
- Que maravilha! Que visão! - Paula está
em uma camisola transparente,
azulada, com os cabelos loiríssimos e compridos caídos para a frente, no ombro
direito. E um sorriso de felicidade no rosto que compõe uma imagem que
está, para sempre, a partir desse momento, marcada em sua memória. Ele nunca
mais iria esquecer essa imagem que está vendo nesse momento. Paula deixa-o
extasiar-se com os olhos e caminha em sua direção, resoluta. Puxa-o para junto
de si e ficam por longos minutos se abraçando e roçando seus corpos, se
acariciando mutuamente, enquanto suas bocas e línguas se deliciam com longos
beijos. Em certo momento, Paula fala-lhe baixinho:
-
Moço, meu pai marcou o meu casamento para daqui a cinco dias, em São Paulo. Não
adiantou eu chorar e dizer que ainda não estava na hora. Eu queria ganhar tempo para
poder encontrar um jeito de terminar esse noivado que nenhum significado tem
para mim. Meu pai quer esse casamento logo e os convite até já estão
prontos, porque o Herbert, meu noivo, irá para Santa Catarina onde
assumirá a chefia de uma fábrica têxtil de sua família. Sei que é uma notícia
triste para você, mas não vou conseguir escapar disso, porque meu pai não vai
deixar eu romper esse noivado com o filho do Gert, o melhor amigo dele. Ele me
matará se eu fizer isso! Mas eu tomei uma decisão: não vou escapar de
casar com um homem que nada me motiva, mas vou ser pelo menos a primeira vez,
uma mulher feliz e realizada com o homem que eu quero: você. E esta noite
eu escolhi para ser a nossa noite, a
noite que eu nunca mais esquecerei em minha vida e, acho, nem você esquecerá.
Quero que você, com todo o amor que eu sei que você tem por mim e com todo o
carinho que seu coração está cheio, me faça pela primeira vez, mulher. Quero ter
essa maravilhosa experiência em seus braços. Por favor, não fique triste.
Faça esta noite ser muito especial, para mim. - Os dois, com os olhos lacrimejando, unem os seus lábios cheios de amor.
Paula, depois de tirar a camisola azulada e colocado o seu grande amor
deitado de costas, beijando-o bastante até deixá-lo novamente com o membro
rígido, enlaça-o com os lábios de sua vulva. Enquanto o beija
amorosamente, deixa o peso do seu corpo descer, transformando-se, sem dor, em
mulher... e depois de os dois estarem com os seus corpos unidos, começam um
cavalgar amoroso com movimentos
ritmados, estando ele por cima, chegando os dois em um momento todo especial
para eles, em um orgasmo inesquecível... e, meia hora depois, começam de
novo a unir os seus corpos, aproveitando cada segundo desse momento único,
chegando dessa vez um pouco mais demorado, mas não menos prazeroso, a um
novo clímax que os deixa totalmente relaxados e felizes...
Ninguém os vê
chegar ao salão e ninguém havia notado a ausência dos dois. Um sorriso de
felicidade melancólica está nos rostos dos dois, enquanto dançam várias vezes
pelo salão, sem se importar com o que os outros possam falar deles. Paula
está tão feliz que sua amiga Tetê logo nota que algo muito especial tinha
acontecido com ela. Na primeira oportunidade, deixa o seu marido Waldemar de
lado e vai conferir, puxando a Paula para tomar um ponche com ela. E,
conversando sozinhas a um canto isolado, logo fica sabendo da novidade e abraça
feliz a sua melhor amiga, alegrando-se com ela e pelo
moço. Como as duas tinham conversado
sobre esse grande acontecimento que um dia ia chegar! E que bom tinha
acontecido para Paula com alguém que, para ela, era muito especial, tão especial
que muito, muito tempo depois ela se lembraria dele como um marco especial em
sua vida...
Os presentes tinham acabado de cantar os
Parabéns a você! quando o serviçal Paulo veio chamar o aniversariante,
informando-o de que há um telefonema urgente do Sr. Antunes de São Paulo. Depois
de ouvir alguns minutos e ter feito algumas perguntas, despede-se do seu amigo
ao telefone e dirige-se para o pequeno palco onde está a orquestra. Toma o
microfone às mãos, pede a todos a atenção e fala:
-
Meus queridos amigos! Esta noite é uma noite muito feliz para mim, na qual
junto com tantos amigos, festejo o meu aniversário. E esta noite ficará na
memória de todos aqui presentes pois um marco histórico está se iniciando neste momento: São
Paulo está se levantando contra a ditadura do Vargas.
Otávio fez
uma pausa, pois um murmurinho se levantou entre os
presentes...
- Recebi agora um telefonema de amigos de São Paulo, comunicando
que às 23 horas iniciou a Revolução Constitucionalista que irá ajudar
nosso país a voltar ao seu caminho da legalidade da Constituição. São Paulo,
meus amigos, irá precisar, a partir de agora, do esforço e da coragem de seus
filhos, de cada um de nós. Vamos nos preparar para o dia que irá breve
amanhecer. É provável que nossa cidade seja uma das primeiras a ser atacada,
pelas tropas do Getulio. Temos que nos organizar e nos preparar para essa
possibilidade, enquanto as tropas paulistas não chegam aqui... - Otávio não consegue mais falar, tomado pela emoção e
também, porque os presentes começam a falar em voz mais alta, alguns
tentando acalmar as suas mulheres e filhas e filhos, outros desculpando-se e
retirando-se apressados, para depois de passarem por suas casas e pegarem
algumas coisas, tomarem a estrada, afastando-se com suas famílias, da
cidade, retornando mais tarde para ajudar, como voluntários civis, na defesa de
Bananal..
Após os convidados saírem, Otávio reúne-se com todos os familiares e passa em
revista o plano já preparado: vão, nos dois carros da família, deslocar-se para
Lorena. Levarão mudas de roupas, em malas já arrumadas, junto com outra com os
documentos e joias da família. Outros bens os serviçais já tinham levado
para o porão, dias atrás, e escondido em um quarto secreto cuja entrada é muito
bem dissimulada por parte de um armário de madeira maciça. As pratarias e
porcelanas da família estariam muito bem protegidas e a salvo.
É o tempo suficiente para todos levarem para os carros as malas e
Otávio dar as últimas ordens a Paulo, o chefe dos serviçais que ficariam na
mansão. Com o raiar dos primeiros clarões do sol no céu, os dois carros iniciam
a viagem. Na estrada encontram outros carros, cavaleiros e carroças saindo da
cidade. A notícia já tinha se espalhado pela cidade. Rogério procura, a cada
carro que ultrapassam, com os olhos, a mulher que fazia o seu coração pulsar
mais forte, e a partir dessa noite, a mulher especial de sua vida... Até
chegarem a Lorena nada viu... Em Lorena vão para a fazenda de seus parentes.
Robson e Raymundo, recém-formados oficiais da Força Pública entram em contato
com São Paulo para saberem onde deverão apresentar-se. Só ficam sabendo que o
comando está vindo para o Vale do Paraíba e vai estabelecer o seu Q.G. no 5º RI
em Lorena. Junto com seus outros irmãos que se apresentam como voluntários
civis na Delegacia Técnica, vão lutar nas trincheiras na região de Campos
da Bocaina, a 1.800 metros, no planalto da Serra da Bocaina, em São José
do Barreiro. Patrulham a região por duas semanas e como não há sinais de
tropas do Getulio no alto na Serra, mas há necessidade de oficiais mais
perto de São José do Barreiro, o comando manda deslocá-los. E participam dos
combates em São José do Barreiro e mais tarde, em Silveiras... Enquanto o seu
pai, Otávio, também como voluntário civil, é enviado para auxiliar o comando das
tropas da região de São José do Barreiro, por conhecer muito bem aquela região
montanhosa...
O
dia 10 de julho de 1932 amanhece com os jornais dando a notícia do
levante e publicando as Proclamações do General Isidoro Dias Lopes e
do coronel Euclydes Figueiredo, e também, a do comandante geral da Força
Pública:
"PAULISTAS
Na mais vibrante manifestação de civismo, na mais pujante prova de amor ao
Brasil e a São Paulo, na mais heróica atitude de abnegação e de renúncia, na
madrugada de hoje, o Exército e a Força Pública e o povo de São Paulo lançaram
aos quatro ventos da terra bandeirante o grito de revolta pela Pátria redimida.
Na primeira arrancada, a vitória foi imponente. Todas as unidades da IIº Região
Militar de todo o Estado e a Força Pública coesa ampararam o primeiro impulso da
estupenda mocidade de Piratininga.
Hoje, em São Paulo, amparada pelas armas e pela vontade indomável da população
paulista, a ideia reivindicadora não poderá mais sofrer os vesgos imperativos de
uma Ditadura de anarquia e de descrédito para o Brasil. A República que
naufragava, está, nesta hora bendita, salva.
Paulistas! Para diante! Continuai a cruzada redentora! O vosso sangue não valerá
tanto como a glória de tombardes por São Paulo e pelo Brasil.
São Paulo, 10 de julho de 1932.
Coronel Júlio Marcondes Salgado
Comandante Geral da Força Pública."[44]
O dia 10 de julho inicia movimentado e agitado em muitas cidades e na capital.
As rádios tocam músicas militares e constantemente irradiam comunicados do
governo paulista. Nos campos de recrutamento, bandos de civis entusiasmados
pelas ideias revolucionárias apresentam-se como voluntários.
Predominam os estudantes das escolas superiores, profissionais liberais e
funcionários públicos. Todos apresentam-se espontaneamente e com entusiasmo
querem armas para lutar ao lado de São Paulo, para o que der e vier...
Ao final
do dia, chegam a 25 mil homens em armas. E mais alguns dias os paulistas têm 115
mil voluntários civis, além dos 20 mil homens regulares da Força Pública e
Exército. No entanto, somente 40 mil recebem armas. O restante é utilizado para
cavar trincheiras e construir fortificações.
Nos campos de
recrutamento os voluntários cantam canções patrióticas. De vez em quando um
grita:
-
E por São Paulo,
nada?
E todos gritam
a plenos pulmões:
-
Tudooo! ...
O dia 10 está ainda na sua tarde quando o interventor Pedro de Toledo envia um
telegrama a Getulio Vargas renunciando ao cargo de interventor:
"Doutor Getulio Vargas,
chefe do Governo Provisório- Rio.
Esgotados todos os meios
que ao meu alcance estiveram para evitar o movimento que acaba de se verificar
na guarnição desta Região, ao qual aderiu o povo paulista, não me foi possível
caminhar ao revés dos sentimentos do meu Estado.
Impossibilitado de
continuar a cumprir o mandato que Vossa Excelência houve por bem me conferir e
que sempre procurei honrar, olhos fitos no interesse de São Paulo e do Brasil,
venho renunciar ao cargo de interventor. Nesta situação de fato, os chefes
militares do movimento revolucionário constitucionalista ficaram com a delicada
missão de manter a mais perfeita ordem e disciplina em todo o Estado. Veja
destarte terminada a missão de paz que tentei realizar e constituiu a máxima
preocupação do meu governo.
Agradeço a Vossa Excelência as atenções que me dispensou e a que
correspondi quanto em mim esteve. Neste transe sem par da nossa história, dirijo
um apelo a todos os meus compatrícios para que se irmanem a fim de restabelecer
o regime de paz e de ordem que o nosso país reclama para a sua reconstrução
econômica e política.
Sirvo-me do ensejo para
reiterar a V.Excia. o testemunho do meu mais profundo respeito.
a) Pedro de Toledo".[45]
Pedro de Toledo é aclamado pela população e, com a presença dos chefes
militares, assume às 15 horas o cargo de Governador do Estado de São Paulo, no
Palácio dos Campos Elíseos; Waldemar Ferreira, secretário da Justiça, assina a
Ata de Posse.
A cadeia
constitucionalista de rádio, irradia para todo o Brasil o Manifesto :
"O embaixador Pedro de
Toledo, governador do Estado de São Paulo, ao povo brasileiro.
Vitorioso, como está, o
movimento revolucionário que ontem irrompeu neste Estado e no de Mato grosso
pelo levante de todas as forças do Exército desta Guarnição e da Força Pública,
em face da mais inequívocas manifestações de toda a população que a ele aderiu,
renunciei ao meu cargo de interventor federal.
Aclamado, no entanto,
governador do Estado de São Paulo, por todas as suas forças vivas, não pude
resistir ao apelo dos meus concidadãos para continuar no posto que me confiaram.
Vamos prosseguir na luta
para satisfazer a mais alta aspiração nacional que é restituir ao povo
brasileiro o direito de dispor de seus destinos e de organizar-se
constitucionalmente, contando com o apoio dos Estados do Rio Grande do Sul, de
Minas e outros. São Paulo não tem outra aspiração, senão a ordem legal, a paz, o
trabalho, dentro da grande pátria brasileira una e indivisível, governada pelo
voto livre de todos os brasileiros.
Não se trata de um
movimento separatista, como criminosamente proclamam e São Paulo jamais cogitou
de quebrar a integridade nacional. Está de pé pelo Brasil único e com o Brasil.
a) Pedro de Toledo, Governador de São Paulo."[46]
Até o amanhecer do dia 10 nenhuma notícia havia sobre a adesão do Rio
Grande e Minas. E também, nenhuma notícia do general Bertholdo Klinger e suas
tropas do Mato Grosso. E nada sobre levante de soldados na Vila Militar do Rio,
favoráveis a São Paulo...
Às 8 horas do dia 10, Getulio Vargas e Góes Monteiro dão as ordens para a Vila
Militar preparar-se para defender-se de possíveis ataques de paulistas ou de
levante de parte de suas tropas a favor de São Paulo. São presos os
oficiais que, é sabido, são favoráveis aos paulistas. Getulio Vargas não vai
deixar ser deposto, como ele fizera com Washington Luiz...
As
tropas paulistas já no primeiro dia da Revolução não avançam até o Rio de
Janeiro, como era o plano. O plano, para os políticos da Frente Única, era São
Paulo levantar-se junto com Minas e o Rio Grande, o general Klinger
descer do Mato Grosso com uns 5.000
homens e, junto com tropas paulistas e dos outros Estados, seguiriam para o Rio
de Janeiro, a capital federal, em um desfile pacífico, destituiriam Getulio
Vargas e uma Junta governaria o país, convocando as eleições imediatamente e
promulgaria uma nova Constituição no ano seguinte.
Mas as tropas não avançam além da
fronteira paulista, decidem esperar os aliados gaúchos e mineiros, para entrarem
triunfalmente no Rio de Janeiro. Elas tem a ordem de
"não avançar, mas posicionar-se sobre a Mantiqueira".[47] Como publica, no dia
seguinte o jornal O Estado de São Paulo:
..."Houve vacilações de
alguns menos decididos - os precavidos ou medrosos - que sempre esperam se
mostrem claramente as intenções dos demais, antes de eles mesmos tomarem
decisões definitivas. O 5º Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel
Ascendino de Ávila Melo, fica todo o correr do dia inativo em Lorena, aderindo e
desaderindo duas vezes, atrasa o deslocamento dos batalhões de seu regimento.
Tentando ganhar tempo para ver em que paravam as coisas. Uma companhia do 5º RI,
comandada pelo capitão Manuel de Freitas Novais, posiciona-se à tarde em
Cruzeiro. Enquanto isso o 4º RI de Quintaúna, avança de trem até a região de
Cachoeira Paulista, onde se posiciona, estabelecendo a linha defensiva Salto São
José do Barreiro."
[48]
Não
avançar e esperar é uma atitude estratégica do comandante Euclydes Figueiredo: -
..."prosseguir em
ofensiva sobre a capital federal, sem assegurar com forte tampão a situação no
Túnel de Cruzeiro, seria aventura temerária..."
[49] Já se sabia
que
"tropas federais se
apresentavam na cidade de Paraty, no litoral sul do Rio, ameaçando Cunha e, por
aí, a nossa linha de comunicação pelo flanco direito. A Revolução se detinha
porque era impossível prosseguir com os dois flancos ameaçados (Cunha e a
fronteira com Minas) e atirar toda a tropa para a frente... seria por em risco
todo o sucesso obtido e comprometer a sorte da Revolução."
[50]
As tropas saem de São Paulo de trem. Em cada estação o trem faz uma parada e
todos são recebidos festivamente, com banda de música, povo, senhoras e
senhoritas que entregam aos soldados flores, pacotes com lanches e garrafinhas
com refresco.
Os soldados e
voluntários civis, dentro dos vagões de trens, entoam canções patrióticas
como Capitão Cazuza: ... Nós somos
da Pátria a guarda... ou cantam sentimentalmente
Maringá, Maringá... E outros gritam :
- E por São
Paulo, nada? Tudo! Como é que é? É pique, é pique, é pique! São Paulo! São
Paulo!
O trem parte em plena ebulição com os soldados cantando o Hino da Revolução:
Paris Belfort. Todos já se consideram verdadeiros heróis... E alguns
rezam, nas horas que podem, o Credo escrito por Guilherme de Almeida:
“Creio em São Paulo todo poderoso/ criador, para mim, de um céu na terra/
e num Ideal Paulista, um só, glorioso,/ nosso senhor da paz, como na guerra,/
o qual foi concebido nas "bandeiras",/ nasceu da virgem alma das trincheiras,/
padeceu sob o jugo dos invasores;/ crucificado, morto e sepultado,/
desceu ao vil inferno dos traidores,/ mas, para um dia ressurgir dos mortos,/
subir ao nosso céu e estar sentado/ à direita do Apóstolo-soldado,/
julgando a todos nós, vivos ou mortos./ Creio no pavilhão das treze listas,/
na santa união de todos os paulistas,/ na comunhão da terra adolescente,/
na remissão da nossa pobre gente,/ numa ressurreição do nosso bem,/
na vida eterna de São Paulo, Amém."
[51]
A tropa paulista do 2º Regimento de Cavalaria Divisionária de Pirassununga,
desembarca em Santana dos Tocos, tomando o caminho de São José do Barreiro,
cidadezinha antes de se chegar a Bananal, a leste dessa cidade, tendo ao norte a
cidade de Resende, ao sul Cunha, ao sudeste Paraty e ao oeste, Areias.
Progridem até Salto e Formoso, parando
para um descanso na Fazenda Palmeira, de Josino de Almeida. A tropa
paulista posiciona-se perto do Clube dos 200, à espera dos mineiros e dos
gaúchos para, juntos, avançarem para o Rio. Mas os mineiros e gaúchos não
chegam. Os paulistas, sozinhos, vão ter de enfrentar a tropa do Getulio,
em São José do Barreiro. Quando a tropa fica sabendo que os mineiros e gaúchos
não irão chegar, começam a cavar trincheiras preparando-se para os combates...
Enquanto isso a atenção
dos paulistas volta-se para o Rio Grande do Sul e Minas Gerais que prometeram
aliar-se a São Paulo... Um dos líderes políticos do Rio Grande, Dr. Borges de
Medeiros , desconfiado das atitudes de hesitação do interventor Flores da
Cunha, desafia-o, enviando um telegrama:
"General
Flores da Cunha - Porto Alegre.
Evocando nossos compromissos honra, vosso incomparável civismo, edificante
fidelidade republicana, consenti que vosso velho e dedicado amigo vos pondere,
nesta hora grave que, entre a ditadura e a sorte da República e do Rio Grande,
não é lícito hesitar. Se a paciência fatigada e irritada dos brasileiros
alçar-se em protesto armado, para reivindicar as liberdades confiscadas, tenho
fé não hesitareis assumir única atitude compatível vosso passado, vossa glória.
Ficai com Rio Grande e sede o seu galhardo condutor na nova cruzada redentora.
Este o meu voto ardente e o meu solene apelo, que breve ratificarei de viva voz.
Abraços.
a) Borges de Medeiros."[52]
O general
José Antônio Flores da Cunha, interventor federal no Rio Grande não atende ao
pedido de Borges de Medeiros. Prefere entregar o seu cargo, passando à 1:20
horas da madrugada, um telegrama para Getulio:
"Doutor
Getulio Vargas - Rio de Janeiro.
Ante situação tormentosa acaba me ser criada e para manter intactos meus deveres
de honra, deponho nas suas mãos cargo interventor federal neste Estado.
Manter-me-ei no meu posto até empossar meu substituto, pedindo suas prontas
providências sentido nomeação deste.
Cordial abraço
a)
Flores da Cunha"[53]
Em 15 minutos, Getulio Vargas envia a resposta. Se aceitar a demissão, estará
libertando Flores da Cunha e a Frente Única Gaúcha para unirem-se a São Paulo.
Se Vargas perder o Rio Grande do Sul, a sua terra natal, perderá os outros
Estados como Minas, Santa Catarina e o Paraná. Por isso o telegrama de Vargas
tenta conquistar Flores da Cunha com laços de amizade:
" General
Flores da Cunha, palácio
Palácio Catete 10/7/32 1 h 35 m
Acabo receber notícias forças federais capital de São Paulo rebelaram-se sob
comando coronel Figueiredo, ocupando telégrafo. Estamos aqui tomando
providências. Tudo espero atitude digna leal corajosa meu nobre amigo frente Rio
Grande.
Abraços afetuosos.
Getulio Vargas".[54]
Cinco minutos depois
desse telegrama, Getulio expede outro, objetivando garantir a fidelidade de
Flores da Cunha e o apoio do Rio Grande do Sul:
" General
Flores
Palácio do Catete, 10/7/32 1 h 40 m
Tenho a sua palavra que manterá ordem. Não posso aceitar renúncia. Ninguém
melhor que meu caro amigo será fiador honra Rio Grande, momento vítima traição
pretendem nos apunhalar pelas costas, num movimento nitidamente reacionário. Não
me entregarei. Tenho elementos para resistir e estou disposto a fazê-lo até
sucumbir como soldado da revolução na defesa dos ideais que nos levaram a
ela,(em 1930).
Abraços.
a) Getulio Vargas."
[55]
A resposta de
Flores da Cunha é curta:
"Doutor Getulio Vargas, Rio.
Manterei a ordem ou morrerei.
Abraços
a) Flores da Cunha."
[56]
Flores da Cunha prefere jogar o Rio Grande do Sul em direção a São Paulo,
aderindo ao lado de Getulio e avançando contra São Paulo, apesar do discurso de
João Neves que dizia que o gaúcho não faltaria à palavra empenhada:
"Se o Rio Grande faltar ao compromisso assumido, que o mar trague esse berço de
valentes!"
E esse compromisso estava bem escrito na Proclamação de Borges de Medeiros e
Raul Pilla, líderes políticos dirigentes da Frente Única do Rio Grande,
divulgada em Porto Alegre a 12 de julho de 1932:
"AO RIO GRANDE DO SUL E À NAÇÃO
A hora grave que atravessamos, obriga-nos a falar com a possível franqueza ao
Rio Grande e à Nação. Terra de lealdade e de desassombro, não pereçam nas nossas
mãos os apanágios mais puros da nossa gente.
A Frente Única Rio-Grandense, isto é, os partidos Republicanos e Libertador, têm
compromissos de honra com os revolucionários constitucionalistas de São Paulo.
Negá-los ou mesmo silenciá-los equivaleria a um crime de traição que não
enodoaria apenas os nossos nomes, mas humilharia perante a Nação o bom nome do
Rio Grande, amontoaria sobre nós o desprezo dos conterrâneos e sobre nós
desencadearia as maldições do futuro. Caia o Rio Grande se houver de cair, porém
caia de pé, onde o rio-grandense, só por estar animado de pontos de vista
contrários aos nossos, capaz de aconselhar-nos ou esperar de nós uma atitude de
felonia ou um gesto de desonra? A identidade de
propósitos que animaram o povo de São Paulo e o do Rio Grande na sua resistência
aos erros da ditadura e ao seu ânimo deliberado de por entraves à volta do país
à ordem legal, foram a causa inicial dessa solidariedade. Desdobrou-se ela em
compromissos políticos assumidos em nosso nome pelo representante da Frente
Única no Rio de Janeiro, o Dr. João Neves da Fontoura, para o fim da
constituição de um governo verdadeiramente nacional e afirmados ainda por
nós para a eventualidade de uma ação militar, desde que a tanto fosse arrastado
o governo de São Paulo. Esta é a verdade que não pode ser ocultada, sob pena de
levarmos o Rio Grande à mais dolorosa de todas as provações morais, que é o
vexame do ridículo.
A ação militar de São Paulo contra a ditadura estava há muito prevista.
Atente-se para este quadro: ou São Paulo manteria os seus compromissos com o Rio
Grande, conservando-se afastado da ditadura e recusando dar-lhe a sua
colaboração para não ser desleal conosco, ou trairia a fé da sua palavra,
abandonando-nos no combate de ideais em que estávamos empenhados. Foi de extrema
nobreza o procedimento de São Paulo. À capitulação com a traição do Rio Grande
preferiu a resistência com a dignidade da palavra empenhada.
Precipitaram-se os acontecimentos. O Rio Grande foi colhido de surpresa na
avalanche. Mas na hora em que os nossos aliados apelaram para nós, como lhes
poderia a Frente Única responder com a apostasia aos compromissos assumidos e
com a deserção do posto de honra a que voluntariamente se obrigou? Homem de
honra, que preza os seus próprios compromissos, não exigiria, por certo, o
ilustre Interventor Federal no Estado que nós renegássemos os nossos e os
déssemos sumariamente por não existentes, pela razão de haver S. Excia., por
motivos que não nos compete discutir aqui, entendido não dever corresponder aos
apelos que lhe dirigimos no sentido de ser o condutor do Rio
Grande na nova cruzada redentora da consciência brasileira.
Comprometeu-se S. Excia., a manter a ordem no Rio Grande do Sul. Sabe S. Excia.,
melhor do que ninguém, que nunca foram outros os propósitos da Frente
Única. Pelo contrário, é sobre a intangibilidade da Frente Única que repousa
exclusivamente a paz do Rio Grande. Não nos apartemos das graves
responsabilidades que nos pesam. E já que à Frente Única não foi possível contar
com o Interventor para conduzir o Rio Grande à satisfação dos nossos
compromissos com São Paulo, seja-lhe lícito, pelo menos, dirigir a S. Excia.,
mais um público e solene apelo no sentido de não levar o Rio Grande a atirar
contra os nossos irmãos e aliados de São Paulo. A Frente Única deseja, tanto
como S. Excia., preservar da anarquia e da desordem o Rio Grande do Sul. A
Frente Única não poupará esforços neste sentido. Mas, em atenção aos
nossos compromissos de honra, que o Interventor Federal conhece, exortamos,
pedimos, rogamos, imploramos que mantenha pelo menos o Rio Grande do Sul
afastado de incêndio, pronto a contribuir com o que porventura ainda lhe sobre
da sua antiga autoridade moral, para encontrar uma solução digna e patriótica,
nunca para aumentar-lhe a extensão, ou para afastar os brasileiros da vitória
definitiva dos seus ideais.
Compreendam o Rio Grande e a Nação a angústia desesperada das nossas
palavras. Talvez ainda seja tempo de evitar o desastre final. E é porque
queremos evitá-lo que nos limitamos, nesta hora de consciência conturbada, ao
mínimo que todo homem de honra poderia esperar de nós e que é esta simples e
precisa declaração de compromissos e este apelo que dirigimos ao general Flores
da Cunha, àquele mesmo valoroso cabo de guerra que nos próprios dias da vitória
de Outubro prezava tanto os brios de São Paulo e a nobreza do seu povo, que não
permitiu passagem os seus soldados,. como conquistadores, as ruas da capital
paulista.
Ao Rio Grande e à Nação: esta é, na sua expressão mais serena e leal, nesta hora
de extrema gravidade, a orientação política dos Partidos Republicano e
Libertador do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 12 de julho de 1932.
a) A. A. Borges de Medeiros
a) Raul Pilla."[57]
"Disposição heróica, palavras bonitas. Os signatários, à frente de
um punhado de amigos, saberão honrá-las, quase num esforço pessoal. Mas Flores
da Cunha não se comoveu nem recuou: mandou formar a força do seu Estado, ao lado
da ditadura."[58]
O mar não tragava o Rio Grande do Sul ...
Às 9 horas da manhã do dia 10 de julho de 1932, informes
policiais registram o boato que corre pelas ruas: generais da Vila Militar
querem enviar comissão para solicitar a Getulio Vargas que renuncie. Góes
Monteiro escreve, registrando, a reação de Getulio Vargas:
..."muniu-se de um revólver, escreveu uma Carta Manifesto à Nação e
declarou que não se entregaria e poria fim à vida em último caso..."[59]
E Minas
Gerais? O jornal O Estado de São Paulo, no dia 11, publica:
"Poderá Minas assistir como simples espectadora ao avanço formidável que São
Paulo iniciou contra a ditadura que nos trai e avilta? Estamos seguros de que os
mineiros estarão à altura de suas responsabilidades, e de seu civismo
inquebrantável neste momento. Os brasileiros e o mundo civilizado não poderiam
compreender que Minas assistisse como mera espectadora ao maravilhoso
quadro do ressurgimento de nossa grandeza...."[60]
Minas Gerais, governada
pelo interventor Federal Olegário Maciel, não fica como espectadora. Prefere
ficar do lado de Getulio Vargas, atacando os paulistas...
São Paulo não recebe nem ajuda do Mato Grosso, de onde o general
Bertholdo Klinger dizia que iria trazer soldados e armamentos. Ele chega a São
Paulo de trem,
"com um punhado de
oficiais e o informe de que não virão tropas, nem munições, nem a copiosa
artilharia esperada. Retirado do comando pelo Getulio, não pudera
mobilizar a seu favor as forças militares da circunscrição. Posicionaram-se
contra Klinger e ao lado de Getulio, as unidades do 16º BC, de Corumbá, a
flotilha naval de Ladário e boa parte da polícia militar
mato-grossense..."[61]
São Paulo fica sozinho para a luta... tendo apenas 7 aviões e 44 canhões, contra
24 aviões e 250 canhões das forças do Getulio...
Entre Cruzeiro e São José do Barreiro posiciona-se o grosso da tropa no Vale do
Paraíba. Sobre a rodovia Rio São Paulo, na linha Jataí Areias,
posiciona-se força mista infantaria-artilharia e sobre a ferrovia Central
do Brasil, em Queluz, destacamento de infantaria-artilharia.
Grupos de cavalaria vigiam pontes e passagens sobre o Paraíba, em
Palmeiras e Santana dos Tocos. Na linha Piquete, Perequê até Passa Quatro,
destacamentos de artilharia-infantaria. Ao fim dos primeiros dias da revolução,
São Paulo estava abandonado pelo Rio Grande do Sul e Minas Gerais, os dois
parceiros da Frente Única que não honraram seus compromissos com São Paulo e os
princípios estabelecidos...
... A tropa paulista continua cavando trincheiras na região montanhosa de São
José do Barreiro...
À noitinha do primeiro dia, o guarda Bahia, pega a sua motocicleta e
toma a direção de Bananal; ele tinha resolvido ir namorar, pois tudo estava
calmo. Quando ele, ao terminar a estrada e entra na primeira rua de
Bananal, dá de frente com soldados do Getulio: a tropa federal do 1º Regimento
de Cavalaria Divisionária, que havia tomado a cidade, sem resistência,
destituindo o prefeito e colocando na Prefeitura o coronel Lulu de Almeida, e
atravessava a cidade... O susto foi de ambas as partes. Bahia, rápido, faz a
volta e acelera a sua motocicleta, retornando para São José do Barreiro, dando a
notícia ao comando paulista...
Duas horas depois acontece o confronto... Os paulistas, nas trincheiras de
vanguarda abrem fogo contra a tropa de Getulio que avançava cautelosa na
penumbra da estrada, vindo de Arapehy e Bananal.
Atacando pelos francos, a infantaria paulista coloca as tropas de Getulio em
desvantagem. O combate com muitos tiros dura horas, com grandes perdas de ambos
os lados. A tropa de Getulio não esperava encontrar paulistas aguerridos e
destemidos, por isso recua, correndo. Como as espadas que muitos deles tinham à
cintura, atrapalhassem a fuga, os soldados foram tirando da cintura a bainha com
a espada e o cinto, largando-os por onde corriam... No amainar dos combates, já
altas horas da noite, a tropa paulista, conforme já planejado, recua para uma
melhor posição, no Morro Fino, enorme morro na saída de São José do Barreiro.
Nas trincheiras, os soldados recebem uma garrafinha de café, uma latinha do
tamanho de um ovo, de leite condensado e um pão com bolachas...
No Morro Fino os combates acontecem mais violentos, quando a tropa de
Getulio ataca. O general Zenóbio da Costa, que comanda a tropa federal, perde um
batalhão inteiro para poder avançar parte do morro. Nesse avanço, o irmão
do general Góes Monteiro, ministro da Guerra nomeado por Getulio, é morto com um
estilhaço de granada que atinge seu peito, saindo pelas costas. Durante
dias, a população de São José do Barreiro que havia fugido para as fazendas
vizinhas à cidade, vê ao longe e ouve, o ribombar dos canhões e o matraquear das
metralhadoras. A luta, em São José do Barreiro, se prolonga por longos dias até
o mês de setembro...
Getulio envia,
também, tropas pelo mar. Do Rio, tropas dos fuzileiros navais, pelo transporte
de guerra, o tênder Ceará desembarcam em Paraty, última cidade do litoral
sul do Estado do Rio, fronteira com São Paulo. O objetivo é subir a
Serra do Mar e tomar de assalto, dominando, a cidade paulista de Cunha, com
objetivo maior de avançar para o Vale do Paraíba, pegando as tropas paulistas
pela retaguarda e também, evitar que os paulistas possam descer a serra
até Paraty, conquistando um porto marítimo...
Os fuzileiros navais avançam sem nenhuma resistência, de Paraty até os arredores
de Cunha. Depois de receber informes de grupos avançados que de vários
pontos estratégicos examinaram a cidade, com binóculos, do alto de morros, sem
serem pressentidos, o almirante Amaral Peixoto, comandante dos fuzileiros,
acerta com seus oficiais comandantes a ação da tomada de Cunha. A tropa se
espalha por vários pontos escolhidos e na hora estabelecida, todos avançam para
a cidade, tomando-a de assalto sem encontrar nenhuma resistência, já que além
dos pacatos moradores, nenhum soldado paulista é encontrado.
Os moradores de Cunha, em seu isolamento na serra e com poucas comunicações com
outras regiões, ficam surpresos com a invasão dos fuzileiros. E mais surpreso
ainda, fica o juiz da cidade, Dr. Casimiro da Rocha quando recebe voz de prisão
por um dos comandantes dos fuzileiros... Mas, nem toda a cidade foi aprisionada.
A uns dois quilômetros de Cunha, em direção à Guaratinguetá, está parado,
recolhendo um dos últimos latões de leite da manhã, colocados na beira da
estrada por fazendeiros da região, o popular Zé das Latas, quando chega
a galope em seu cavalo, um morador com a notícia da invasão da cidade
pelos fuzileiros. Zé das Latas já tinha ouvido falar que ia estourar uma guerra
contra o Getulio. Depois de ouvir mais detalhes do recém-chegado, não
pensa duas vezes. Amarra bem as latas de leite em seu caminhãozinho
Ford e acelera em direção à Guaratinguetá. Após sacolejar por mais de uma
hora e meia pelos 48 km que separam Cunha de Guaratinguetá, entra rápido
na Cooperativa onde entrega o leite, deixa o caminhão para ser descarregado e
sai correndo em direção à praça principal, a uns 300 metros dali.
Encontra vários conhecidos e agitado, conta os fatos. Um deles, leva-o ao Dr.
Venâncio Ayres, delegado de polícia da cidade que, segundo soube, estava
organizando a defesa civil da cidade, já que ainda não tinham chegado soldados
paulistas. Rapidamente o alto-falante da praça principal começa a divulgar a
notícia, e pede voluntários. Enquanto isso, o José
Gladiador, responsável pelo Tiro de Guerra da cidade, sediado na Rua do Parque,
depois de saber da notícia, leva para a praça as armas e munições que tem. Em
poucas horas já tinham se apresentado doze voluntários, com algumas armas que
trouxeram de casa e outros se armaram com os fuzis do Tiro de Guerra. Zé das
Latas apresenta-se como voluntário para levar em seu caminhãozinho os
voluntários até Cunha. Mas, o Dr. Venâncio Ayres prefere o caminhão da
Destilaria Guará, dos irmãos Galvão, dirigido por Pedro Domingos, maior e mais
possante, um Chevrolet 29 conhecido como Ramona...
Embalado pela noite que já tinha acordado, o sol já estava começando a dormir
atrás dos morros que circundam Cunha quando tiros disparados por uma patrulha
dos fuzileiros para o caminhão com os voluntários de Guaratinguetá, a um
quilômetro da cidade, na subida do morro do Serrote. Os doze voluntários pulam
rapidamente para o chão e se posicionam. Ninguém dá um tiro. Um pesado silêncio
se faz. De repente, um dos voluntários grita bem alto, com sua possante
voz:
-
Atenção tropa! Traga a metralhadora pesada aqui para a frente. Vamos mostrar a eles o que
nós paulistas temos... - Parece que o pequeno grupo de fuzileiros acredita na
mentira pois o grupo que
estava entrincheirado a menos de 50 metros à frente, desconhecendo o armamento e
o número de soldados paulistas, sai correndo da trincheira em direção à
Cunha. E, em pouco tempo, acreditando que os paulistas estão atacando com muitos
soldados e com armamento pesado, de maior poder de fogo do que tinham
trazido, os fuzileiros abandonam a cidade de Cunha em direção a Paraty...
Os doze voluntários avançam cautelosamente e depois de informados que os
fuzileiros fugiam para Paraty, entram na cidade. São recebidos na praça
perto da igreja pelo juiz, aliviado por ter escapado dos fuzileiros, quando
estes iniciaram a fuga... sorte que não teve o prefeito da cidade, levado preso
pelos fuzileiros... Quando os fuzileiros retornam com reforços, dias depois,
Cunha já estava protegida e defendida pelos soldados da Força Pública de São
Paulo. E continuou livre das tropas do Getulio até o final da Revolução...
graças aos doze voluntários que em uma ação heroica expulsaram os
fuzileiros no início da Revolução...
Os doze voluntários ficam em Cunha, esperando os fuzileiros voltarem.
Tropeiros a cavalo, vindos de Paraty informam que os fuzileiros estão descendo a
serra do Mar para Paraty e nenhum marinheiro tinha sido visto por perto de
Cunha. No dia 13 de julho, perto do meio dia, chega por um informante que
soldados vestidos de cáqui se aproximam de Cunha pela estrada de Guaratinguetá.
Os doze voluntários se posicionam e atiram à frente dos soldados. Estes correm
para a beira da estrada, mas não revidam ao ataque pois não iam atirar em
paulistas. Afinal, a luta era contra o Getulio e suas tropas.
Um pano branco enfiado na baioneta do fuzil, empunhado pelo sargento Antônio de
Figueiredo Borges, que avança resoluto e sozinho em direção à curva da estrada,
faz os voluntários perceberem que estão atirando no inimigo errado,
pois os soldados de cáqui pertencem à tropa paulista do 1º Batalhão da Força
Pública e do 4º Batalhão do Exército que chegam para proteger e defender
Cunha... Os doze voluntários voltam para Guaratinguetá onde logo estão lutando
junto a outros inscritos na Liga da Defesa Paulista..[62]
No dia 12 de julho de
1932 os chefes militares e civis lançam um Manifesto à Nação, informando os
objetivos do movimento paulista e em especial, de entregar o Governo Federal a
uma Junta Governativa Nacional.
Dia 14 em Cruzeiro, um avião do Getulio, logo apelidado de
vermelhinho
ombardeia as posições paulistas. E os combates em Cruzeiro tem
início...
A
Revolução mal havia começado quando, decorrido apenas 48 horas desde o seu
início, os líderes militares em São Paulo, constatam que entre as medidas
tomadas, em maio, pelos generais de Getulio, Góes Monteiro e Miguel Costa, uma
os assustou: haviam retirado de São Paulo armamentos pesados e deixaram os
arsenais quase vazios...
Foram encontrados somente 27.685 fuzis e no máximo 100 tiros para cada soldado
até o momento mobilizado.
E fica uma pergunta no ar:
-
Com o que, afinal de contas, São Paulo, sem aliados nem arsenais pesados e com pouca
munição, pode contar para conduzir a guerra? Só com fuzis 1908 e alguns milhões
de balas?
O fabrico de armas pesadas já estava acelerado... Uma comissão se
encarrega da fabricação e outra de arranjar mais dinheiro para os gastos.
A inventividade paulista cria armas especiais e até imitadores do barulho de
metralhadoras, como as matracas.
São Paulo vai lutar com o que tem à mão...
E o M.M.D.C. começa a distribuir pelo Estado de São Paulo, os cartazes
conscientizando a população...
As trincheiras de Engenheiro Neiva estão em terreno muito bem
escolhido: terreno elevado que permite ver as tropas inimigas a dois
quilômetros. O terreno, lá embaixo, está em vários locais com arame farpado e,
nos locais possíveis de passar carros de assalto, há terrenos
minados. As tropas do Getulio já haviam tentado dias antes, um assalto noturno.
Tinha sido uma noite terrível. Canhões 120 e metralhadoras cuspiam fogo, jogando
terra sobre os soldados dentro das trincheiras ou explodindo dentro das
trincheiras, tirando a vida de muitos paulistas. A batalha nas trincheiras se
iniciava com o assalto das tropas do Getulio.
O
fogo contra os paulistas durante todo o dia foi concentrado
na trincheira grande que cobre todo o elevado da região de Engenheiro Neiva,
devido a Frente Norte ter recuado na véspera. Balas assobiam por todos os
lados. A batalha é dura., com muitos mortos. Ao final da tarde a
batalha cessa. No posto de comando o capitão Saldanha recebe pelo telefone de
campanha, a ordem do Quartel General de suspender o fogo e retirar toda a tropa.
Dada a ordem, os soldados arrastando-se pelo valo das trincheiras, interligadas,
começam a recuar. Chegando à posição segura, colocam o material bélico,
metralhadoras, minas e telefones de campanha e as caixas de munição, nos
caminhões.
O dia escurecia. Os soldados recuam para Guaratinguetá. O último caminhão, com
os faróis apagados, segue pela estrada estreita, em direção à cidade,
fechando o comboio de soldados e caminhões. Os soldados que estão no último
caminhão, olham para trás, melancolicamente, para as trincheiras
emolduradas pelo fim de luz do sol que já se tinha posto atrás dos
picos da serra da Mantiqueira, ao fundo do Vale...
Estão indo embora os idealistas da última trincheira...
A batalha das trincheiras de Engenheiro Neiva tinha sido a última batalha da
Revolução de 32...
..."Esta noite tive um pesadelo horrível.
Engalfinhado com um homem, ferrava-me ele os dentes na garganta e chupava-me o
sangue como se fora um monstruoso vampiro! No desespero, com o meu facão,
cortei-lhe o pescoço até sentir aberta a cartilagem da traqueia. O sangue
esguichou forte inundando-me a face.
Acordei sobressaltado, tremendo, com o coração pulando e com o corpo molhado de
um suor frio e pegajoso. Tive medo de ficar no escuro. Precisei acender a
lâmpada até varrer o sonho mau como a luz varre as trevas!
É a impressão que ficou. É o fato anormal gravado. Nunca mais a célula
cerebral poderá perdê-lo. Daqui a vinte anos, algum dia, despertarei dentro do
assalto!
O tiro de canhão direto na trincheira! O avião sobre nós como uma galinha sobre
os pintos, a despejar metralha e a pingar bombas! O incêndio do sapé, o vento a
soprar a chama destruidora contra nós, enquanto o inimigo corta a cerca para o
ataque a baioneta! A perseguição do derrotado, a metralhadora nas costas,
subindo o morro que nunca mais tem fim, caindo, levantando, agarrando qualquer
coisa para ajudar o impulso, o espinho que rasga a mão, a urtiga que queima, a
cobra que se toca, a goela seca, a respiração anelante, o suor que se chupa para
molhar a boca, a vertigem, a outra posição e o abandono de si mesmo pela fadiga
e esgotamento nervoso, indefeso, incapaz de ação, deixando-se matar! A sujeira,
a lama, os piolhos, os excrementos dejetados dentro da trincheira! A comida
difícil de chegar; às vezes, o feijão frio e azedo de dois dias. Um horror! Um
inferno que nem contar se pode!
No assalto à noite, os homens gritando e pulando como diabos, os clarões das
granadas, a fuzilaria! O assalto é muito melhor do que o canhão e o avião. Pelo
menos são homens contra homens. É a luta, não a inércia. Antes morrer brigando
do que se deixar matar como um carneiro!
Uma granada explode em uma esquina da trincheira. Não fora a curva e seriamos
reduzidos a caldo. O homem, estupidificado, nada avalia, volta atrás:
- Alguém machucou-se?
-Não, só um soldado cospe sangue porque foi atingido no peito...
Depois do assalto:
- Quantos homens faltam? Três? Está bem. Vamos dormir.
João levou um estilhaço que lhe cortou o capacete e o crânio!
- Coitado! Que azar!
E continua a dormir. Nem foi vê-lo no outro dia.
João era o companheiro inseparável de risadas e seteira.
A guerra só é fácil e linda para quem nela não entra!
"Agüentai o fogo que a vitória é nossa!" gritavam os soldados, rindo-se
abobalhadamente, nos momentos difíceis..."[1]
Às 15 horas o general Góes Monteiro, das forças do Getulio, envia
telegrama ao comandante geral da Força Pública em São Paulo:
"Coronel Herculano - São Paulo - Nº 673 - Horas 15.
Deveis assumir imediatamente governo militar capital depondo interventor ou
governador e fazendo diretores de secretarias responder expediente mesmas, sob
vossa fiscalização. Ficais investido poderes necessários garantir ordem, vida e
propriedade população.
a) General Góes Monteiro - Cruzeiro - 2.10.1932."
[2]
O
coronel Herculano envia ao governo paulista, para informá-lo da
decisão do comandante das tropas do Getulio, uma comissão composta pelos coronel
Eduardo Lejeune, major Mário Rangel e capitão João Francisco da Cruz.
Ciente de sua deposição, o governador Pedro de Toledo e 8 membros do Governo
Provisório fazem o seu último Comunicado ao Povo:
"AO POVO DE SÃO PAULO
Quando, em 9 de julho do corrente ano, a guarnição federal aqui aquartelada e a
Força Pública deste Estado se levantaram em armas num movimento coordenado com
as forças militares do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, de Mato Grosso e do
Distrito Federal, e com as correntes políticas desses Estados, todo o povo
paulista nele se integrou. Não foi mister um apelo aos homens válidos, nem uma
convocação. A um só impulso, todos acorreram a se arregimentarem, organizando-se
batalhões de voluntários que, dia a dia, se atiravam à luta, a mais nobilitante
de quantas em nosso pais se travaram. Aclamados pelas forças militares e pelo
povo paulista, tivemos de, obedecendo à sua imposição, assumir o governo do
Estado, passando a dedicar-lhe todas as energias de que éramos capazes, a fim de
corresponder à confiança e, principalmente, ao trabalho incomparável de seu
grande e nobre povo, que se atirou à guerra com todo ânimo de vencer,
improvisando aqui tudo de quanto careciam os exércitos constitucionalistas para
a sustentação do fogo de que deveria resultar a vitória.
Se triunfos tivemos, e esses foram numerosos, como a posteridade há de
verificar, assombrada, nos anais da história paulista, reveses sofremos, a
principiar pela ausência de companheiros de lutas, cujas armas contra nós se
voltaram.
Durante quase três meses a peleja se desdobrou em todos os limites de São Paulo;
e este fez impossíveis para mantê-la, vigorosamente, apesar de terem sido
lançadas contra ele as forças armadas de todos os Estados, menos Mato grosso,
amparadas pelos enormes recursos de que, por força de sua posição, dispõe a
ditadura.
Sem desfalecimentos, fez São Paulo tudo quanto o engenho de sua gente e a
capacidade de sua indústria e da sua lavoura permitiram, para o
abastecimento dos exércitos, amparo e socorro da população civil,
salvaguarda de todos os direitos individuais e coletivos, mantendo, a todo o
transe, a ordem jurídica e social, assegurando, assim, todos os elementos da
vitória.
Com a altaneira de espírito e serenidade de razão, demonstrou o povo paulista,
nesta epopeia sem igual, a firmeza do seu pulso, a largueza de suas vistas e a
amplitude de seu sentimento nacional. A página que agora coloriu com o seu
sangue há de permanecer imortal, aos olhos de todo o Brasil, como a mais
inequívoca demonstração da sinceridade de sentimentos com que se entregou à
causa da rápida constitucionalização do país.
Combatido em todos os setores, com todas as armas, ainda as mais atrozes e as
mais desumanas, manteve-se no posto, defendendo os seus ideais e honrando os
seus compromissos.
Continuava a luta quando, em 27 de setembro findo, teve o governo notícia de
que, entre a oficialidade da Força Pública se preparava, em surdina,
entendimento com a ditadura, para a cessação da guerra. E, no dia seguinte, pela
manhã, do general Bertholdo Klinger, comandante das Forças
Constitucionalistas, recebeu a comunicação de que, em face dos últimos
acontecimentos, seria improfícua a continuação das hostilidades. Por isso,
acrescentou, já havia enviado aos comandantes de setores a comunicação de que
pretendia, naquele dia, propor um armistício ao adversário.
Reuniu-se o governo e, depois de ouvidos os comandos militares, representantes
das associações comerciais, industriais, liberais e outros - cujo concurso foi
preciosíssimo e cuja solidariedade jamais sofreu solução de continuidade -
viu-se na emergência de não poder opor-se à resolução dos militares.
Se fracassaram as negociações do armistício proposto pelo comandante das Forças
Constitucionalistas, que julgou inaceitáveis, por humilhantes, as condições do
que lhe oferecera a ditadura - vingou o pacto, com ela, em separado, firmado
pelo comandante geral da Força Pública. Em seguida, pelo governo
ditatorial foi o comandante geral da Força Pública nomeado governador
militar do Estado de São Paulo, do que, por uma comissão, composta do coronel
Eduardo Lejeune, major Mário Rangel e capitão João Francisco da Cruz, teve há
pouco o governo paulista comunicação oficial.
Cessa, destarte, a vida do governo constitucionalista aclamado pelo povo
paulista, pelo Exército Nacional e pela Força Pública, e hoje por esta deposto.
Fica encerrada, nesta faixa do território brasileiro, a campanha militar pela
restauração do regime legal.
Mas o anseio não se sopitará. Comprimida, a campanha há de expandir-se,
certamente, por não ser possível que um povo, como o nosso, persista em viver
sob um regime de arbítrio.
Deu São Paulo tudo quanto podia dar ao Brasil. Tudo empenhou em prol de sua
reorganização político-administrativa. E disso não se arrependerá.
O seu governo, instituído pelo povo paulista, com o apoio das Forças Armadas,
encerra o seu ciclo histórico. Antes, porém, que se lhe extinga a vigência,
afirma que cumpriu o seu dever.
Tudo por São Paulo!
Tudo pelo Brasil!
São Paulo, 2 de outubro de 1932.
Pedro de Toledo, Waldemar Ferreira, Paulo de Morais Barros, J.Rodrigues
Alves Sobrinho, F.E.da Fonseca Teles, Francisco da Cunha Junqueira, Gofredo T.
da Silva Teles, Joaquim A. Sampaio Vidal, Tirso Martins."
[3]
A
resistência já é impossível em qualquer parte. A Revolução de 32 está
acabada.
Capitulo 8
Com o armistício e o fim
da Revolução Constitucionalista, os cinco irmãos, Robson, Raymundo,
Reinaldo, Rogério e Rodrigo encontravam-se em Taubaté, onde depuseram armas,
junto com os soldados do seu batalhão... Os dois irmãos Robson e Raymundo,
oficiais, são desmobilizados e afastados da Força Pública. Com roupas civis,
os cinco irmãos conseguem chegar a Lorena, sem serem molestados ou presos
pelas tropas do Getulio que ocupam as cidades do Vale do Paraíba e assumiram
o seu controle...
Cinco dias depois de ter
sido assinado o Armistício de 2 de outubro e cessados todos os combates, os
cinco irmãos encontram os seus pais na fazenda de parentes, em Lorena.
Seu pai Otávio, como voluntário civil, tinha assessorado o comando da 2º
D.I.O. com os seus conhecimentos da região entre Lorena e Bananal, e com a
dissolução do comando, retornou à fazenda onde tinha deixado a esposa Nimpha
e Raul, o filho caçula, tendo chegado um dia antes de seus cinco
outros filhos. E resolvem todos ficar ali mais uns dias antes de retornarem
a Bananal.
Dia 17 de outubro, ao raiar do dia,
os dois carros da família Alves de Algarve iniciam a viagem. Fazem uma
paradinha, para o almoço, no Clube dos 200, em São José do Barreiro.
Era o início
da tarde quando entram nos jardins da casa em Bananal, sendo recebidos
com alegria pelos serviçais. A casa estava em ordem. Nada tinha
sido roubado, além das frutas do pomar e algumas selas e arreios.
Os Alves de
Algarve, com o retorno ao lar, começam a arrumar as atividades da família.
Com o afastamento dos dois mais velhos da Força Pública, Robson e Raymundo
decidem, apoiados pelos pais, morar em São Paulo com um dos tios e estudar
Engenharia. Reinaldo também foi com eles, para estudar Direito e futuramente
chegar à Magistratura. Havia decidido, como paulista, que se não foi
possível vencer pelas armas, iria ajudar a vencer pela Razão, pelo Direito e
pela Justiça!
Já Rogério, no auge de seus 22
anos prefere ficar em Bananal, junto com Rodrigo e Raul, para ajudar o pai
na administração das fazendas de gado e café. E, por ser uma pessoa com
grande iniciativa e visão empreendedora, logo diversifica as atividades da
família. Manda analisar os minérios de jazidas que descobriu nas terras da
família e logo sabe que tem materiais de grande interesse de indústrias
paulistas. Logo está enviando pelo trem que sai de Bananal e vai para
Barra Mansa e de lá para São Paulo, vagões com Feldspato e Mica.
Feldspato, matéria prima para as indústrias de cerâmica, de vidro, de papel,
verniz, esmalte e outras no qual o feldspato é indispensável. Mica, do tipo
rubi, devido à má condutibilidade ao calor e à eletricidade e, em
especial, à sua alta resistência às altas temperaturas, é matéria prima para
o fabrico de válvulas de rádio, condensadores elétricos, ferro de engomar e
passar, e outros ramos da eletricidade. E começa, também, a engarrafar e
vender, a água muito pura, de uma fonte descoberta, dentro das terras da
família, no final da Rua do Fogo.
Durante o dia Rogério tem as horas ocupadas por suas atividades. À noite,
enquanto o sono não chega, rabisca anotações em um caderno. Está, em
especial, desenvolvendo as idéias de uma conversa ocorrida entre ele e
outros voluntários soldados, certa noite durante uma pausa nos combates.
Rogério volta mentalmente no tempo e relembra ...
A noite está calma. Talvez
por estar uma noite clara, iluminada pela luz do sol refletida pela
lua cheia, nenhuma patrulha se arrisca a sair das trincheiras nas escarpas
da Serra da Bocaina, na região de São José do Barreiro. As tropas do Getulio
também estão calmas, não fazem ataques. Os soldados paulistas aproveitam a
calma dos combates para descansarem um pouco, recostados nos lados dos
buracos cavados como trincheiras. Só as sentinelas, dispostas
pelo perímetro das trincheiras paulistas, estão em vigília alerta. O
céu, lá no alto, é riscado por uma luz forte que vem do horizonte, a leste,
seguindo para o oeste. Uma estrela cadente, pensa Rogério.
A lua cheia passeando pelo céu, ilumina Rogério e os outros de sua
trincheira. Não conseguem dormir. Rogério fala baixinho:
-
Olhando esse firmamento cheio de estrelas e de planetas, fico me perguntando se em algum
deles Deus colocou seres inteligentes, como colocou aqui na Terra. Já
pensaram nisso? -
E antes que os outros respondam qualquer coisa, continua:
-
Tendo o Universo inteiro, Deus não ia colocar seres inteligentes só neste
planeta do sistema solar!
E existindo outros seres em outros mundos, como é que eles serão na
aparência, no estilo de vida e de sociedade? Será que eles para defenderem
idéias, também pegam em armas contra algum ditador? Ou será que já
conseguiram um sistema mais desenvolvido de civilização, onde não agem
por caminhos prejudiciais como é a guerra, e enfrentam de outro modo,
mais civilizado, os problemas?
Ninguém responde às indagações apresentadas. Alguns dão de ombros, mostrando
dúvidas. Outros o incentivam a falar mais sobre o assunto. E Rogério
aproveita a platéia atenta e sem sono, para falar o que anda pensando:
-
Acho que falar na possibilidade
de existência de outros seres em outros mundos, é falar de mistério, dúvidas
e em especial, de esperança num futuro melhor. Acho que nossa civilização
tem muito o que aprender ainda para poder ser chamada de “civilizada”.
Estamos em combates, guerreando com outros para tentar impor nossas
ideias de liberdade e de constitucionalização do país, lutando contra as
imposições do Getúlio a São Paulo e ao Brasil. Ainda não
aprendemos a solucionar problemas e opiniões políticas, sem conflito! Ainda
temos muito o que aprender, para podermos viver em paz, em harmonia com os
outros, sem essa necessidade de espezinhar os outros colocando-os debaixo
das botas de nossas ideias e convicções. Olhando esse céu estrelado e essa
lua toda iluminada, fico pensando: se houver outros habitantes em outros
lugares e se eles tiverem condições de ver o que estamos fazendo neste
planeta Terra, eles vão dar boas gargalhadas dos seres humanos, da pequenez
e imaturidade que demonstramos, nos matando uns aos outros por causa de
ideias. Nós somos “seres inteligentes”? Que piada! Que
incoerência!
Rogério, com sentimentos de indignação, fica um pouco quieto. Um outro
voluntário-soldado, estudante universitário da capital, aproveita a pausa
nos pensamentos de Rogério, para por mais lenha na fogueira,
apresentando as suas idéias:
- E se esses seres mais desenvolvidos de outros mundos,
colocaram na Terra, no nosso passado remoto, os pioneiros de nossos
ancestrais, para ver se esses seres conseguiriam se desenvolver melhor como
“raça”? Igual nós fazemos com outras raças de animais, vacas, cavalos,
cachorros e outros bichos. E se a Terra fosse “o quintal” desses seres
mais avançados? Se eles fossem seres muito mais inteligentes já teriam
inventado meios de se locomoverem pelo espaço e até pelo tempo, visitando o
planeta Terra para ver como “estão indo” as criações que deixaram aqui...
A conversa animou um terceiro voluntário-soldado, este também
universitário da capital:
-
Gostei dessa idéia
de estarmos sendo “criados”por seres de outros mundos. Usando a ideia
de ondas do rádio, e se esses seres controlassem os seres que deixaram
aqui na Terra, por ondas como as de rádio? Os sinais poderiam ser
mandados, por exemplo, de uma potente estação que eles poderiam ter montado
na lua. E cada ser aqui receberia essas ondas de direcionamento
através de seus fios de cabelo da cabeça, passando pelas terminações
nervosas da espinha e terminando nos fios encaracolados, como antenas
receptoras, que os seres tem na região genital. Uma antena perfeita! Nós
estaríamos sendo controlados iguais a marionetes!
Rogério voltou a falar, dessa vez aproveitando a idéia apresentada de uma
possível viagem no tempo:
-
Isso que você falou
de seres mais adiantados aprenderem até a viajar no tempo, acho
interessante! Se algum dia isso for possível, nós poderíamos ir ao
passado e consertar as coisas que não deram certo e até eliminar as
que prejudicaram o mundo!
-
Seria bom
se esses viajantes do tempo pudessem mandar alguém para impedir que o
Getulio e alguns de seus ministros nascessem...
Uma sonora gargalhada foi ouvida. E todos tiveram que calar-se, repreendidos
por uma sentinela...
Rogério escrevia as ideias, pois gostava de deixar os pensamentos
voarem sem rumo, preenchendo a sua mente. Ele ficava, durante o dia,
muito ocupado com as novas atividades, junto com seus familiares, não tendo
tempo para pensar e sentir. Pensar naquela que ainda fazia pulsar mais forte
o seu coração e que estava longe, muito longe... Era ao final de cada dia,
quando deitado em seu quarto, meio sonolento, que seus olhos lacrimejavam de
tanta saudade que sentia por ela, pela moça.
Um dia, porém, chega todo
especial, no início de dezembro de 1932 para acabar com a sua saudade. Às 20
horas, recebe de um serviçal do seu Manoel, um bilhete:
Moço, estou na casa de meus pais.
Meu casamento acabou.
Venha falar comigo.
Te espero ansiosa.
Moça.
O coração de Rogério dispara,
afetado pela adrenalina, de tanta emoção que sente. Desce as escadas da
entrada de sua casa aos pulos, quase derrubando o serviçal que havia trazido
o bilhete. Em poucos minutos chega ao portão da casa do seu Manoel, logo
após a esquina.
A moça espera-o na
varanda, sentada no banco, ao lado de vasos de folhagens e flores.
A saudade dos dois é forte demais. Quando ele chega à varanda, ela
pula em seus braços e dá-lhe um beijo longo e gostoso. Ele não
acredita que ela está ali, beijando-o. Ela puxa-o para sentar no banco junto
com ela, e aos tropeções verbais, fala-lhe rapidamente o que tinha
acontecido:
-
Tinha casado em São Paulo, em uma cerimônia simples, em 14 de julho, cinco dias depois de iniciada a
Revolução. No dia seguinte viajou de carro com o marido para Santa Catarina.
Desde a primeira noite estranhou muito o comportamento do marido, pois não
quis dormir com ela, não quis ter nenhuma intimidade, como seria natural
entre recém-casados. O marido levou, na viagem, o seu secretário particular,
que iria morar com eles. E logo na primeira noite em Santa Catarina, na nova
e ampla casa comprada e mobiliada pelo pai do marido dela, ela descobriu a
verdadeira face de seu marido. Ele
havia casado por pressão de seu pai para manter as aparências de um homem
honrado e mandado, pelo pai dele, para bem longe de São Paulo, para
não afetar a família com o seu comportamento e um possível escândalo...
E ele contou - continuou ela - com a
cara mais lavada do mundo que preferia o secretário dele e que não
gostava de mulher. E que ela aceitasse essa situação.
Ela havia ficado chocada com a revelação do marido e não aceitou manter a
farsa do casamento arranjado. Na primeira oportunidade, após a abertura das
fronteiras para passar civis, logo que terminou a Revolução, viajou para São
Paulo e ficou hospedada na casa de uma tia. E iniciou as negociações com o
pai de seu marido e os advogados dele para anular o casamento. O ex-sogro
pagou uma indenização para evitar um possível escândalo caso o processo
fosse litigioso, com repercussões negativas para os seus negócios.
Após um mês e meio estava tudo resolvido e ela estava, agora, finalmente
livre, oficialmente, e podia casar de novo...
E a moça, cheia de emoção e lágrimas nos olhos, olha bem no fundo dos olhos
do Rogério e lhe diz:
-
Agora, moço, não vou deixar a felicidade escapar de novo. Já falei com meus
pais sobre nós.
E eles aceitaram o que eu decidi: quero viver com você, casada ou não!
Rogério está estupefato e sua resposta foi um longo abraço e um beijo
apaixonado.
A felicidade tinha chegado para os dois.
Realmente, a vida conspira para a felicidade...
... quando se quer ser feliz...
Otávio
chega sozinho ao palacete onde reside o industrial Antunes, em São Paulo.
Depois de dar os cumprimentos para Eunildo e Celio, os dois
cães de guarda do Antunes, a
postos na saleta de entrada do palacete, Otávio é recebido, a
sós, pelo seu velho amigo que lhe oferece uma cadeira para
sentar.
Otávio prefere falar de pé:
-
Antunes, vim aqui para lhe dizer, cara a cara, que você é um canalha!
Os paulistas
precisam saber porque São Paulo perdeu a revolução. Não foi pela covardia de
soldados, pois os paulistas foram heróicos nos campos de batalha. Foi pela
canalhice e falta de escrúpulos de alguns como você, Antunes. Traição é que
fez São Paulo ser derrotado! Traição por homens como você! Não há explicação
para a derrota, após tanto esforço, tanta luta, tanto ouro doado, tanto
heroísmo! Custei para juntar as peças
do quebra-cabeças, pedaço por pedaço, para chegar a entender o que você
tramou. Hoje sei que há certo tempo você armou tudo para atirar o povo
paulista à luta, como uma boiada é atirada ao matadouro. E tramou isso com
algumas pessoas e, em especial, com alguém de muito poder no governo
federal.
Entendi o seu golpe quando o meu filho lembrou da carta que o comandante do
navio lhe entregou meses atrás, enviada pelo fabricante das munições e armas
que você comprou no exterior e que nós ajudamos a trazer de Angra dos
Reis, pelo Caminho do Café. Nessa carta, escrita em todas as letras, o
fabricante estranha você ter lhe pedido munições com areia em vez de
pólvora, em 30%, uma com areia a cada três balas. Além disso, também
soube que a munição que você financiou a fabricação, travava nas armas. E
entendi mais o seu golpe contra os paulistas, quando o meu serviçal me
contou o que soube do pessoal do Clube dos 200, que você teve uma reunião
secreta com certa pessoa importante, nesse Clube, meses antes da Revolução e
os dois passaram elaborando planos. Um dos serviçais do Clube ouviu na época
você acertar o recebimento de muitas indústrias após a derrota que os
paulistas teriam.... Como você pode ser tão egoísta, sem escrúpulos e
mesquinho, Antunes?! Na realidade você se igualou ao ditador de farda, como
um ditador de cartola, com o objetivo de usurpar o que pudesse, para
aumentar a sua fortuna pessoal. As indústrias encampadas pelo governo
ditatorial você as recebeu para administrar e você, e seus amigos que estão
nessa sujeira, estão sobre elas como aves de rapina, tirando delas o
que tem de valor, para aumentar a sua própria riqueza, e a deles. Custei a
acreditar quando juntei os fatos!
Se eu o conheço bem, Antunes, você nunca irá desistir dos seus propósitos
egoístas de dominação pela força econômica. Está claro, para mim, que o
grande beneficiário disso tudo é você, no campo industrial e no campo
econômico. Você e seus comparsas! Sua fortuna (e a deles) deve ter subido às
alturas, não é?
Antunes ouvia calado, sem mexer um músculo da face.
E Otávio continuou:
-
Não, não precisa me responder! E antes que você pense em me
eliminar, pois sei que você não
tem escrúpulos e pode muito bem estar pensando em calar para sempre a minha
boca, quero lhe avisar que três dos meus filhos estão em três lugares
diferentes aqui em São Paulo, com envelopes contendo fotocópias da carta do
fornecedor de armas e munições, prova suficiente para o povo julgá-lo e
condená-lo, além de um carta minha contando toda a história sórdida de sua
traição (e a dos seus amigos), ao povo paulista! E eles estão
esperando ao lado de certos telefones. Se eu não sair daqui vivo, e não
falar com uma pessoa que está esperando num lugar perto daqui, no prazo de
duas horas, essa pessoa liberará os três para entregar a história à
imprensa, nacional e internacional, ainda hoje. E amanhã, toda a nação e o
mundo saberá de sua covarde traição, e a dos seus amigos!
E essa história toda será entregue, de qualquer jeito, num prazo de três
dias, se você não mobilizar suas reservas de um bom senso e de caráter que
ainda tiver, e procurar reparar a grande culpa de ter feito tudo para
explodir essa sangrenta revolução, que encheu de sangue o nosso solo,
derramando o sangue de nossa juventude que achava que lutava por um ideal e
por liberdade e pela constitucionalização do país. O modo de reparar sua
culpa é doando no mínimo metade de sua fortuna, doação passada em Cartório,
para um Fundo Especial que ampare as viúvas e órfãos da revolução. Três
dias, Antunes, três dias você tem! Quero ler pelos jornais a sua grande ação
cívica de doação. Três dias! E dos seus outros comparsas, cuido
depois...
Otávio afasta-se do seu ex velho amigo, sem dar-lhe as costas, por
precaução. Afasta-se, andando de costas e fecha a pesada porta
de duas folhas depois de passar por ela. Caminha rápido para a saída,
passando como um vento por Eunildo
e Celio na saleta de entrada, sem despedir-se deles...
Entra resoluto em seu carro e alcança a rua, entrando no meio do trânsito
dos carros, afastando-se de vez da mansão do Antunes. E respira aliviado, ao
constatar que não está sendo seguido...
“Traição! É o
pesadelo que rouba agora o sossego do povo paulista! Está irritado,
rancoroso, de olhos baixos, de supercílios vincados. Não pode explicar a
derrota após tanto esforço, tanta luta, tanto ouro, tanto trabalho, tanto
amor ao próximo, tanto heroísmo. Mães perderam até seis filhos!
Esposas vendo o pão minguar e o lar derrocado! Criancinhas sem compreender,
de olhos grandes, magrinhas, reclamam os pães! Oh! como tudo é horrível! E
vem a queixa enorme: como tamanho desastre! Como tanta miséria!... Traição
dos políticos! O mau político não trai - o mau político vende-se pelo melhor
quinhão!
Quando houve a disputa pelo poder formaram-se as Frentes Únicas. Gente
absolutamente incompatível, que se insultava dias antes, milagrosamente fez
as pazes. “Tudo por amor a São Paulo” já se vê. Ficou combinado que
São Paulo, Minas e o Rio Grande se levantariam contra o governo central.
Alguma coisa, porém, aconteceu que os homens centrais de Minas e do Rio
grande resolveram não se levantar. Mas disso não cientificaram os
companheiros. Não sei bem qual é o nome que se dá a estas ações! Ora, os
homens que dirigiam as Frentes Únicas, sabendo que não iriam entrar nos
combates, mas dirigi-los e estimulá-los de longe, esqueceram-se por sua vez
de prevenir os armamentos, as munições e os aviões.
Só quem vai à briga é que examina se possui fuzil e se tem balas!
São Paulo contou com o Rio Grande,
este com Minas e Minas com São Paulo. O circulo vicioso. Como os meus
patrícios vêem, eles não tiveram culpa. Foi só um esquecimento - atiraram o
povo de São Paulo, sem armas, sem munição, sem aviões e sem canhões, contra
a ditadura armada até os dentes!
Travam-se os combates. Os soldados recuam por não ter um tiro no fuzil. Os
canhões não respondem porque faltam balas. Os aviões inimigos nos metralham
e bombardeiam porque não temos outros para combatê-los. O soldado, criatura
humana que não é de ferro, fraqueja, hesita e dispara.
Batalhões inteiros vieram de licença
e não tornaram a regressar! Outros batalhões não quiseram combater mais!
Tivessem dado armas a esses homens e no arroubo de entusiasmo teriam passado
o Catete e esbarrado na Guanabara!
Os oficiais atordoam-se, a defesa
desorganiza-se, tudo se mistura e vem as retiradas de trem ou de caminhão...
Há também as traições locais, os espiões. Isto, porém, não é uma traição
geral; é uma ação de guerra. Canhões, metralhadoras, soldados, munição,
espiões e traidores. Tudo isso eu vi. O primeiro traidor que me caísse nas
mãos seria fuzilado em dois minutos. Não pude fuzilar um só por não
encontrá-lo. Fui chamado várias vezes para ver um traidor dando sinais com
uma lâmpada, no alto de um morro. No local encontrei um tronco, guardando
fogo, de uma queimada produzida por uma bomba incendiária. Os traidores são
como os fantasmas. Existem alguns, mas são tão raros que bem examinados não
se descobre um só!...
Só a bravura do povo de
São Paulo, auxiliando de um modo espantoso, podia prolongar a luta por três
meses. De outro modo não duraria quinze dias. Aí é que está a culpa
dos políticos, que clamarei durante o resto da minha vida. Se não possuíamos
elementos, confessassem logo o erro e não continuassem, na doce esperança de
qualquer milagre, a mandar os pobres soldados para o açougue!
Os comandos sentiram a situação. As
tropas inimigas chegaram a Jundiaí, a batalha de Guará acabaria com a Frente
Norte.
Tenho ouvido dizer que o aviador de observação notificara vários
dias que a frente inimiga não possuía tropas na linha de Campinas. Todo o
mundo pergunta:
-
Por que não se avançava, então?
Respondo eu:
Podia não haver tropas, mas havia canhões - e onde há canhões, ou se avança
para o combate a baioneta ou se recua. Não há outro modo. A tal ineficiência
dos canhões reside na mobilidade das tropas visadas. Experimente alguém
ficar no campo de tiro e sentirá a apregoada ineficácia!
Perdida Campinas, viria a invasão da capital. Combates nas
proximidades, nas ruas, destruição, saques e violentarão das mulheres. A
pata do vencedor se assentaria sobre São Paulo!
O Comando da Força cedeu mais depressa do que devia, é verdade!
Ainda mesmo que se não tivesse precipitado em aceitar a paz, não sobraria a
São Paulo outro recurso. Era questão de mais dois dias. Campinas
representava a chave das estradas de ferro e conseqüentemente do
abastecimento da capital e das tropas em operações.
Acreditais paulistas que a burguesia e o capitalismo que vivem convosco
partilhariam da vossa abnegação e coragem indo até o sacrifício da cidade e
da população? Se assim é, estais enganados. O burguês e o capitalista
só conhecem a casa e o dinheiro. Julgai, meu povo!”
[1]
Segundo o
noticiário dos jornais e das rádios naquele dia, era um paulista
que não havia aguentado a derrota de São Paulo, preferindo a
morte...
[1]
Dr. Luiz Vieira de Mello, Renda-se, Paulista!, pp. 75-77.
[2]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 303.
[3]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 168.
[2]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 153.
[3]
Ibid., pp. 154.
[4]
Antônio Carlos Pereira, Folha Dobrada I, pp. 217.
[5]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 32, pp. 39.
[6]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 59
[7]
Ibid., pp. 59
[8]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 176.
[9]
Ibid., pp. 177.
[10]
Ibid., pp. 179.
[11]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 179.
[12]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 63.
[13]
Ibid., pp. 63.
[14]
Ibid., pp. 64.
[15]
Ibid., pp. 63.
[16]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 64.
[17]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 181.
[18]
Ibid., pp. 182
[19]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 65.
[20]
Ibid., pp. 65
[21]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 65.
[22]
Antonio Carlos Pereira, Folha Dobrada, I, pp. 361.
[23]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 191.
[24]
Ibid., pp. 193
[25]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 70.
[26]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 69.
[27]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 194.
[28]
Ibid., pp. 204
[29]
Ibid., pp. 204
[30]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 70.
[31]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 210.
[32]
Ibid., pp. 217
[33]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 32, pp. 49-53.
[34]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 219.
[35]
Ibid., pp. 219
[36]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 77.
[37]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 229.
[38]
Ibid. pp. 224.
[39]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 76.
[40]
Ibid., pp. 77.
[41]
Capitães Heliodoro Tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 237.
[42]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 85.
[43]
Ibid., pp. 84.
[44]
Capitães Heliodoro tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 237.
[45]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 86.
[46]
Capitães Heliodoro tenório e Odilon Aquino de Oliveira, São Paulo contra
a ditadura, pp. 238.
[47]
Hernani Donato, A revolução de 32, pp. 88.
[48]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 1932, pp. 143.
[49]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 93.
[50]
Ibid., pp. 221
[51]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 221.
[52]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 1932, pp. 59.
[53]
Ibid., pp. 60.
[54]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 1932, pp. 60
[55]
Ibid., pp. 60.
[56]
Ibid., pp. 59
[57]
Euclydes Figueiredo, Contribuição para a História da Revolução
Constitucionalista de 1932, pp. 61-64.
[58]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 106.
[59]
Ibid., pp. 95.
[60]
Jornal O Estado de S.Paulo, 11/07/1932.
[61]
Hernani Donato, A Revolução de 32, pp. 104.
[62]
Maria Apparecida Nogueira Coupé e Edson José Galvão Nogueira, Heróis
Desconhecidos, pp. 29. Os 12 voluntários são: Braz Esteves, Celso
Rodrigues Alves, Francisco de Paula Santos, Geraldo Francisco do
Nascimento, João Galvão de França Rangel, João Tamborindeguy, José
Juvenal Monteiro dos Santos, José Limongi Moreira, Manoel de Castro
Nogueira, Nicolau Abdalla, Peppino Aliandro e Virg[ílio Rodrigues
Gonçalves.
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E
dois dias depois os jornais dão a notícia:
“Empresário Antunes suicida-se... depois de doar toda a sua
fortuna para os órfãos e as viúvas da Revolução de 1932”.
Outras informações: