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         TEMA: POR QUE ESCREVI O LIVRO 1932 OS DEUSES ESTAVAM COM SEDE

  

(Antonio de Andrade *)

    Acredito que na História do Brasil há muitos fatos pouco conhecidos pelas novas gerações. Um deles é a Revolução de 1932 feita pelos paulistas contra o governo provisório de Getulio Vargas e que completa 90 anos neste 9 de Julho de 2022. Foi uma guerra civil, o maior conflito militar do Brasil no século 20.

      Meu pai Ten. Firmo de Andrade Jr era cabo músico do Exército em 1932, servindo no 5º RI. atual 5º BIL em Lorena e, como músico, não pega em armas ele lutou como padioleiro na frente de combate recolhendo feridos para serem socorridos mais atrás. E eu nasci em 1944 doze anos após a revolução, mas cresci ouvindo meu pai contar sobre a revolução e em conversas com ex-combatentes que se reuniam em nossa casa todo primeiro sábado de cada mês e das 2 as 6 ficavam em alegre conversas, enquanto degustavam um café com leite quente saído do fogão à lenha que existia naquele tempo em nossa casa, junto com bolo de fubá que minha mãe preparava para eles. E quando aprendi a escrever, eu registrava em um caderno as histórias que ouvia. E desde muitos anos atrás interessei-me por esse assunto e comecei a registrar depoimentos, notícias, relatos, fatos ouvidos de ex-combatentes. E resolvi escrever um livro histórico para resgatar as grandes lições de idealismo e coragem dos paulistas para os brasileiros poderem conhecer melhor essa história de 1932.

        Escrevi o livro 1932 Os deuses estavam com sede também para homenagear os 135 mil soldados e voluntários civis que com bravura lutaram em 1932. E homenagear também meu pai. E foi um modo de fazer uma homenagem póstuma aos 830 paulistas que tombaram mortalmente dando suas vidas e sangue pelos ideais democráticos.

        Quais cidades do Vale do Paraíba viveram a revolução de 1932? O Vale do Paraíba, em especial o Vale Histórico, entre Cachoeira Paulista, Queluz e Bananal foi e Frente Norte de combates da revolução de 32. Em toda a fronteira com o Estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais, em especial em torno das estradas e ferrovias, aconteceram combates. A região de São José do Barreiro teve violentos combates, estendendo-se esses combates no entorno por Areias, Silveiras, Queluz, Lavrinhas, Cruzeiro, Piquete, Cachoeira Paulista, Canas, Lorena, Cunha e Guará. A estrada que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro passava após Cachoeira Paulista, virava em direção a Silveiras, e ia até Bananal seguindo para Barra Mansa e o Rio. Em 1951 essa estrada recebeu novo traçado e partir de Cachoeira Paulista indo direto para Resende. E todas as cidades do Vale do Paraíba e Vale Histórico onde aconteceram combates estão homenageadas em meu livro 1932 Os deuses estavam com sede.

         E quais as conseqüências de 32 que ainda perduram nos tempos atuais? 1 - O grande exemplo de cidadania e patriotismo dado por milhares de jovens voluntários civis que se alistaram nos batalhões patri[oticos, indo lutar nas frentes de combate. Acredito que as novas gerações precisam conhecer esses exemplos de cidadania e patriotismo dos paulistas.  2 - O grande exemplo de luta por ideais de uma vida melhor, um país livre e democrático. 3 - O grande exemplo dado por um povo que se uniu em todas as camadas da população paulista, para lutar para melhorar o país, fazendo-o retornar ao respeito às leis e em especial à Constituição. O feriado de 9 de julho, acredito, tem essa finalidade, não deixar morrer a lembrança do povo, a luta por ideais e uma vida melhor e que se cada um fizer bem a sua parte, em qualquer trabalho que realize, estará contribuindo para um país melhor, uma vida melhor para todos, com melhores resultados e qualidade de vida.

            Nós lorenenses e os habitantes de outras cidades paulistas,   em seu dia-a-dia convivemos com nomes de personagens e fatos da revolução de 1932 e raramente as pessoas têm consciência disso. Por exemplo, em Lorena a Rua Oswaldo Aranha, paralela à avenida Peixoto de Castro, entrada da cidade, a Rua Getulio Vargas, rua 23 de Maio, praça MMDC e tantos outros logradouros. Convivemos com o passado todo dia em alguns desses locais e muitas vezes não sabemos nada sobre o significado do nome do local. Algum leitor deste texto conhece a praça MMDC no centro de Lorena? Fica a uns 300 metros da praça Arnolfo de Azevedo. Já ouviu falar dessa praça? Infelizmente essa praça não existe de fato, praça com nome que homenageia os primeiros 4 civis que tombaram mortalmente em 23 de maio de 19232 num confronto na praça da República em S.Paulo. As letras de seus primeiros nomes formam o nome da entidade que organizou boa parte da resistência paulista. M de Martins, M de Miragaia, D de Dráuzio e C de Camargo. Como eu dizia, essa praça só existe na placa Praça MMDC afixada no alto da parede de canto da casa de esquina em frente a um espaço, um largo, início da avenida do Fórum, bem na esquia no Centro da Saúde da cidade. O espaço em frente é vazio, onde deveria existir uma pequena praça com algum obelisco homenageando os primeiros mortos da revolução de 32. Esse local merecia do poder público um pequeno obelisco em uma pracinha real em homenagem.

         Quando eu pesquisava os fatos da revolução para escrever meu livro encontrei uma citação que me deixou emocionado, um fato marcante da revolução de 32. O Cel Euclides de Figueiredo anotou em seus registros esse fato ocorrido num dos morro entre Lavrinhas e Queluz, fato também encontrado em outros livros históricos e que também ocorreram em outros locais como o túnel de Cruzeiro. No amanhecer do dia 7 de setembro de 1932, as 7 horas os paulistas, ao som de um clarim começaram a hastear a bandeira nacional verde e amarela, num mastro improvisado no alto do morro. Os paulistas saíram de suas trincheiras e em posição de sentido no alto do morro prestaram continência à bandeira nacional. A tropa federal parou de atirar e os soldados também saíram de suas trincheira e prestaram continência à bandeira nacional. E a região da Mantiqueira viu um fato inédito nunca acontecido em alguma guerra, viu dois exércitos adversários interromperem a batalha e prestarem continência à mesma bandeira. E esse fato é muito marcante porque derrubou por terra as notícias que Getulio Vargas propagava em folhetos lançados por aviões sobre a tropa paulista e cidades, na qual dizia que o governo lutava contra São Paulo porque o Estado queria se separar do Brasil. Na linguagem de hoje, uma grande fake news mentirosa. Os paulistas prestaram continência não à bandeira paulista, mas sim à bandeira nacional.

       Para entender melhor o que foi a Revolução de 1932 é preciso examinar seus antecedentes. A Grande Depressão econômica de 1929 derrubou os preços internacionais do café, o principal sustentáculo da economia do Brasil naquela época e provocou uma grave crise econômica e social. Em São Paulo houve muito desemprego e fechamento de empresas com essa crise. Em meio à crise foi realizada a eleição de 1930 para presidentes da república. Em 1919 pelo Pacto de Ouro Fino foi implantado no país a Política do Café com Leite, com alternância da presidência da República entre representantes políticos das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, os dois Estados mais importantes do país naquela época. E na eleição de 1930 era a vez dos mineiros. Porém, o presidente em exercício Washington Luís Pereira de Souza resolveu não indicar o governador mineiro Antonio Carlos. Preferiu apoiar a candidatura do paulista Julio Prestes de Albuquerque. Por que ele fez isso? Porque ele queria garantir a continuidade da sua política de reformas em defesa dos interesses de São Paulo. Isso desagradou o governador mineiro e seu partido Republicano de Minas. "Se o próximo presidente não for mineiro, não o será paulista" e lançou a candidatura do governador gaúcho Getulio Vargas, unindo forças com outros políticos de outros Estados, em especial a Paraíba, criando a Aliança Liberal. O paraibano João Pessoa seria o vice.

         A campanha eleitoral foi acirrada com denúncias de fraude no processo eleitoral. A vitória coube ao paulista Julio Prestes que teve 1.100.000 votos contra 737.000 votos do Getulio Vargas.Aos oposicionistas só havia agora a certeza de que pela via legal eles não assumiriam o poder. Resolveram fazer um movimento armado. O assassinato de João Pessoa em 26 de julho de 1930 por um desafeto político mudou o rumo da história. Com a comoção nacional pelo assassinato foi iniciado um movimento armado contra o presidente. E em 3 de outubro de 1930 foi iniciado o movimento armado no Rio Grande do Sul liderado por Oswaldo Aranha e Flores da Cunha, apoiado por Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina e Paraná. Em vão o presidente Washington Luís tentou resistir. Foi deposto em 24/10/1930 pelos 3 ministros militares enquanto Getulio viaja de trem com tropas para o Rio de Janeiro. O poder foi assumido por Getulio Vargas como chefe do Governo Provisório. Mas Getulio queria se perpetuar no poder e agiu de modo a garantir isso. Tornou-se ditador ao assumir com plenos poderes, suspendendo a Constituição de 1891, demitiu todos os governadores e prefeitos do país e nomeou interventores. Para São Paulo foi nomeado o coronel pernambucano João Alberto Lins de Barros. A nomeação de um "forasteiro" para governar São Paulo revoltou os paulistas. E começou a conspiração paulista para mudar isso e exigir a volta ao respeito à lei e à Constituição. De janeiro a junho de 1932 a insatisfação dos paulistas foi crescendo. Parecia que nuvens escuras de uma tempestade estavam se aproximando. Greves, passeatas, protestos populares, comícios ocorreram por todo o solo paulista, em especial na capital. Dia 23 de Maio aconteceu um grande comício. O povo assalta casas de armas e ataca na praça da República a sede da Legião Revolucionária e do Partido Popular Paulista, do Getulio Vargas. Na fuzilaria caem mortos os estudantes Miragaia, Martins, Dráuzio e Camargo, os primeiros combates mortos. Com as iniciais dos nomes deles foi criado a entidade MMDC para organizar o levante paulista, organizando milícias para lutarem contra o governo provisório do Getulio. Essa sigla posteriormente foi acrescida da letra "A", de Alvarenga, o 5º a tombar morto, uns dias após 23 de maio, em hospital. Em 13/01/2004 foi promulgada Lei Estadual 11.658 que denominou o dia 23 de maio como Dia dos heróis MMDCA.  Não há mais o que esperar. A senha Sergipe e a contra senha 37 estipulada para dar início a Revolução são difundidas entre os batalhões revolucionários organizados pelo MMDC, pelos membros da Força Pública do Estado de São Paulo e pelas guarnições do Exército simpatizantes à causa paulista. E assim na noite de 9 de julho de 1932 explode o movimento armado paulista.

         O comando da 2º Região Militar de SP foi assumido pelo Coronel Euclides de Figueiredo, militar carioca que foi contrário à Revolução de 1930. Seu filho João Baptista Figueiredo ocupou a presidência da República entre 1979 e 1985. A Força Pública aderiu à revolução com seus soldados e arsenal bélico. E em 14 de julho em Cunha ocorre o primeiro combate entre paulistas e fuzileiros navais vindos por Paraty. Os paulistas no Vale Histórico pararam em São Jose do Barreiro aguardando a tropa do Mato Grosso que sob o comando do general Klinger viria com soldados e artilharia. Em vão aguardaram. Klinger destituído do comando veio para SP sozinho. Sozinho na luta, São Paulo enfrentou os outros Estados. E foi uma guerra de trincheiras. Com pouca munição e armamentos, a tropa se posicionou por todo o Vale Histórico e fronteira com Minas Gerais a principal frente de combates. Coube à 2ª Divisão de Infantaria em Operações - 2ª D.I.O. comandada pelo coronel Euclides de Figueiredo a tarefa de combater na frente do Vale do Paraíba. Segundo alguns registros históricos a sede do comando foi na Escola Conde Moreira Lima em Lorena e segundo outros historiadores a sede foi no 5º R.I, atual 5º BIL em Lorena.

        Durante 3 meses os paulistas enfrentaram a tropa federal. A partir do início de setembro começou a retroagir evido à falta de munição. Primeiro retroagiram de São José do Barreiro para Silveiras, depois Cachoeira Paulista e ao final as tropas para as trincheiras de 22 km cavadas na região entre Lorena e Guaratinguetá. Esse local, chamado de Engenheiro Neiva, seria o último local de combates que na realidade não aconteceram porque dia 27 de setembro foram iniciadas as conversações para um cessar fogo. O cessar fogo definitivo do conflito ocorreu a 2 de outubro de 1932. Na cidade de Cruzeiro foi assinado o armistício. Os principais comandantes paulistas foram degredados, exilados na Europa, em especial em Portugal.

       Como escritor imaginei o sentimento dos soldados ao abandonarem as últimas trincheiras em Engenheiro Neiva. Deve ter sido uma nostalgia, um sentimento de perda. Após receberem a ordem de retirada, os soldados arrastam-se pelas trincheiras interligadas e começam a recuar. Chegando à posição segura, colocam o material bélico, metralhadoras e fuzis, telefones de campanha e caixas de munições nos caminhões. O dia escurecia. O último caminhão com os faróis apagados segue pela estrada estreita em direção a Guaratinguetá, fechando o comboio de soldados e caminhões. Os soldados do último caminhão olham para trás, melancolicamente, para as trincheiras emolduradas pelo fio de luz do sol que já se tinha posto atrás dos picos da Serra da Mantiqueira ao fundo do Vale. Estavam indo embora os idealistas da última trincheira da revolução de 1932.  

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