MENSAGENS EDUCATIVAS POSITIVAS
TEMA: A FÁBULA MODERNA - A EXECUTIVA
Agradeço ao autor Max Gehringer a utilização do texto para outras pessoas poderem refletir sobre o assunto. Este texto foi publicado na Revista Exame nº 772, de 08/07/2002.
Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito,
vacilou, cambaleou, deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos,
viu-se diante de um imenso portal. Ainda meio zonza, atravessou-o e deu de cara
com uma miríade de pessoas, todas vestindo cândidos camisolões e caminhando
despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva
bem-sucedida abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório porque tenho um
meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque
meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um
pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É. Tipo assim, o céu, aquele. Com querubins voando e coisas do gênero.
- Que é isso amigo, você está com gozação?
- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém
usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que
havia mesmo apitado na curva. Tentou então o plano B: convencer o interlocutor,
por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação
era inaceitável. Porque, ponderou. dali a uma semana ela iria receber o bônus
anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do
conselho de administração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Assim? (...)
- Pois não?
A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente,
segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações
inesperadas e reagiu rapidinho:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida
e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?
- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo "executiva"?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali
no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão
empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia
rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na
organização.
- Sabe, meu caro Pedro, se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma
proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa,
para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade
na produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo
ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o
quê?
- Ah, não sabemos.
- Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
- Hã?
- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera
desmotivação. Com o tempo, isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós
dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de
targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o
pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a
galera bolando um sistema de stock option, com uma campanha motivacional
impactante, tipo: "O melhor céu da América Latina".
- Fantástico!
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um
organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver. Aí, contrataríamos uma consultoria
especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e
estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma,
o retorno do investimento do Grande Acionista... Ele existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,
encontrar sinergias hi-tech, redigir manuais de procedimento, definir o
marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto
valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece extremamente
atrativo.
- Incrível!
- É obvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um board
de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim
de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe.
Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai
concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um
turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que você terá um futuro brilhante se for trabalhar com o
nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o
Inferno...