Há cerca de dois anos, a advogada Gratiela Folly Rodrigues Barreto, do
Rio de Janeiro - RJ, percebeu que estava acordando cada vez mais cedo
e dormindo cada vez mais tarde para dar conta de todas as tarefas
diárias. A esposa, mãe e funcionária do Tribunal Regional do Trabalho
cumpria suas responsabilidades, mas faltava tempo para fazer o que
para ela era mais importante.
Ela e o marido, o arquiteto José Lindemberg, começaram a buscar meios
de simplificar suas vidas. "Tivemos que decidir o que era realmente
importante", diz Gratiela. Eles sabiam que precisavam de mais
tempo com as filhas Natália, 11 anos, Júlia, 8, e Mayla, 5, além de
fazer exercícios físicos, alimentar-se corretamente e estabelecer
amizades.
Então, o casal decidiu viver mais modestamente: ao voltar ao trabalho
depois da quarta gravidez, ela abriu mão da função de
assistente-secretária do juiz que exercia no tribunal, tornando-se
assessora administrativa do juiz. Dessa forma, passaria a trabalhar em
casa. Embora a decisão significasse uma queda de 30% a 40% no salário
– e um orçamento mais apertado –, Gratiela pôde reduzir o ritmo de
atividades. As filhas não precisariam mais de cursos extracurriculares
para preencher o dia, o casal teria mais tempo juntos e Gratiela
poderia desenvolver uma atividade física. O marido também ficou menos
sobrecarregado, pois não precisaria mais pegar as meninas na escola.
"Ainda sou dedicada ao meu trabalho, mas hoje me alimento melhor e
minha saúde melhorou. Não tenho mais pressão alta, cansaço ou dores de
cabeça. Minha vida está mais simplificada. Por ser capaz de controlar
meus horários, tenho tempo livre e posso comparecer às festas
escolares, onde antes minha mãe me representava. Vejo que minhas
filhas choram menos. Agora conheço as mães de seus colegas e, se for
preciso, uma delas pode buscar as meninas no colégio. Definitivamente,
minha família ganhou muito com essa mudança."
De acordo com estudos recentes, a família Barreto não está sozinha na
procura por um ritmo mais lento e uma vida mais satisfatória. Uma
pesquisa do professor Esdras Guerreiro Vasconcellos, do Instituto de
Psicologia da USP e do Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e
Psiconeuroimunologia, realizada com mais de 1.500 pessoas em todo o
Brasil, mostra que 92,4% delas se queixam da falta de tempo para fazer
o que desejam.
Para onde o tempo vai? Para a maioria das pessoas, o trabalho e o
deslocamento entre a casa e o emprego dominam o dia. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quando você é
empregador, trabalha, em geral, 49 horas por semana. Já os empregados
destinam 42 horas semanais ao desempenho de suas funções. E os que
trabalham por conta própria, dedicam 38 horas aos afazeres
profissionais. A isso se soma uma hora e meia gasta diariamente no
trânsito, no Rio de Janeiro - RJ ou em São Paulo- SP, e cerca de uma
hora em capitais como Fortaleza - CE, Belo Horizonte - MG, Salvador -
BA e Recife - PE.
Aí está a grande questão da vida moderna: muitas informações para
examinar, muitos produtos para comprar. "Precisamos parar de nos
preocupar com o ter e pensar mais no ser", propõe o escritor
Antonio de Andrade, autor de Criança feliz, adulto feliz: o
poder emocional da autoimagem, livro que prega a simplicidade
voluntária. (Livro encontrado no formato
impresso no site
www.editora-opcao.com.br e no
formato E-Book na Amazon)
Simplificar significa estar atento às maneiras, pequenas ou grandes,
de como gastamos dinheiro, tempo e energia e, então, estabelecer
medidas para controlar o desperdício. Aqui estão algumas sugestões dos
especialistas para ajudar a ganhar o controle sobre os aborrecimentos
da vida de forma a ter tempo para os prazeres.
1. Comece bem o dia
Antes de aplicar a regra, as manhãs eram um pesadelo para a enfermeira
de Natal - RN, Aura Helena Gomes Dantas de Araújo (mãe de Aldair
Júnior, 14 anos, Ana Júlia, 12 e Arthur, 11) e o marido. "Tínhamos
que sair de casa todos os dias às 6h30. Quase sempre um livro ou
trabalho era esquecido, ou ainda a lancheira ou a toalha da natação.
Era preciso, então, voltar. Chegávamos atrasados e as crianças rendiam
menos na escola. Quando a aflição acabava, estávamos todos de mau
humor. Foi preciso mudar nossos hábitos."
A regra dos Araújos?
Na noite anterior, preparar tudo que for possível para o dia seguinte.
Os filhos guardam na mochila o material escolar. Os uniformes e as
roupas também são separados na véspera, quando é possível ver se falta
algum botão ou se é necessário passar as roupas novamente. O pão com
manteiga é guardado na geladeira pronto para ir para a torradeira e
todos tomam a mesma vitamina ou o mesmo suco.
"Planeje o seu dia ou a sua semana. Comece com uma lista de
atividades, organizada em seqüência lógica. Faça um roteiro para as
tarefas a serem realizadas na rua. E coloque todas as contas numa
pasta, separadas por dia e banco. Assim, nenhuma tarefa será
esquecida", sugere o consultor Jorge Bruno, que ministra cursos e
palestras sobre administração de tempo.
Deixe tudo que será levado – mochilas, roupas – em frente à porta.
Guarde as chaves sempre no mesmo lugar. Estudos americanos mostram que
o adulto gasta, em média, 16 horas num ano procurando chaves.
2. Organize a casa
"Quanto mais bens materiais você acumula, mais se torna escravo
deles", diz Rosa R. Krausz, autora de Administre bem o seu
tempo. "Não é só o trabalho com limpeza e manutenção que
conta, mas também o tempo gasto tomando conta dos bens, como quem
deixa de viajar com medo de que a casa fique vazia e seja assaltada."
Para derrotar aquela voz interior que diz "Eu posso precisar
disso", Antonio de Andrade aconselha: "Pergunte à você
mesmo se realmente precisa disso. É necessário mudar os valores e
ajustar a vida ao próprio padrão."
Laura Bortolai, dona da Help Home, empresa paulista especializada em
organização e manutenção de residências, aconselha os clientes
soterrados em escombros – e incapazes de encontrar sequer um parafuso
perdido – a começar devagar. "Tudo o que você não usa mais pode
fazer a felicidade de alguém. Comece por um cômodo, por exemplo, o
quarto. A roupa que não foi usada numa estação provavelmente não será
mais vestida. E na cozinha? Se comprou panelas novas, dê as antigas."
Arrume uma gaveta ou prateleira de cada vez. Se está quebrada,
conserte-a ou jogue fora. Se não servir, transforme-a ou desfaça-se
dela.
Basta o cultivo de um só hábito para evitar a bagunça: não deixe nada
num lugar provisoriamente. Não ponha paletós em cadeiras ou copos na
pia. Como mamãe dizia, "Não deixe nada espalhado. Guarde tudo."
Do contrário, fará o mesmo trabalho mais de uma vez.
3. Diga não gentilmente
Há dois anos, a auditora Marlene Mendes Louro, do Rio de Janeiro - RJ,
dividia o seu tempo entre a filha, o emprego na Receita Federal e os
trabalhos voluntários no Comitê Centro da Ação da Cidadania do
Instituto Palmares de Direitos Humanos e no Lar Flor de Lis, um abrigo
para menores de rua.
Seu horário impossível a levou a crises de ansiedade, que a forçaram a
priorizar e limitar o trabalho: decidiu aposentar-se, fechou o
comitê, delegou tarefas no Flor de Lis e reestruturou o Instituto
Palmares, passando a preparar pessoas para o mercado de trabalho.
"Hoje vejo mais a minha filha e a ansiedade desapareceu. Tudo está
funcionando melhor. Acho que quando atiramos em várias direções,
acabamos não acertando em nada."
"Quando você diz sim para alguém, pode estar dizendo não
para você mesmo", diz Fernando Henrique da Silveira Neto, autor de
Ganhe tempo planejando: seu dia pode render mais. "Às
vezes, basta dizer não por enquanto."
Diga de forma gentil, mas imediata, dando uma breve explicação, como
"Não tenho tempo". Evite entrar em detalhes – ou a pessoa verá
um jeito de você atender ao pedido.
4. Não poupe centavos e gaste horas
"Costuma-se dizer que tempo é dinheiro", diz Renato Bernhoeft,
autor de Administração do tempo – um recurso para a melhoria
da qualidade de vida pessoal e profissional. "Mas o tempo
é mais importante, pois ele não pode ser poupado ou recuperado."
Vale a pena perambular atrás de uma promoção quando o armazém da
esquina tem o que você quer? Esperar pelo prato para viagem quando
existe um serviço de entregas em troca de uma pequena gorjeta?
Em vez de afastar a ideia com frases como "Eu não posso pagar",
pense duas vezes. Pode valer a pena.
5. Encoraje seus filhos a ajudar
Tania Zgury é educadora com mestrado pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFRJ e autora de Educar sem culpa – a gênese da
ética. Sua regra de ouro para as famílias é que os filhos
devem participar da vida da casa, pois essa é a primeira sociedade à
qual pertencem. Como consequência da sua ajuda nas tarefas
domésticas, sobra mais tempo para os pais, inclusive para ficar mais
com os filhos.
As crianças de três ou quatro anos podem se despir e se vestir
sozinhas, mesmo que os pais precisem orientar na escolha da roupa,
abotoá-la ou amarrar os sapatos. Podem também carregar os
mantimentos para os adultos guardarem as compras do supermercado. As
de cinco a sete anos podem tomar banho sozinhas, ajudar a lavar o
carro, arrumar a mochila e cuidar dos animais, inicialmente com a
supervisão dos pais. As de oito a 12 anos podem receber semanada
para gastos pessoais, limpar o próprio sapato, ajudar os irmãos
menores e, dependendo do local onde moram, comprar o jornal.
"Os pais devem ensinar fazendo as tarefas com as crianças como uma
brincadeira. Não devem tratar os erros como fracassos. Pelo
contrário: devem estimular as vitórias. Se as crianças acharem ruim
fazer sempre as mesmas tarefas, pode-se estabelecer um rodízio",
aconselha.
Esteja preparado para reduzir as expectativas a princípio – uma cama
malfeita é bem melhor do que uma cama desarrumada. Mas se a
arrumação da cama estiver patética, talvez se trate de uma
sabotagem.
"Procure uma estratégia", diz Tânia Zagury. "Se você desistir,
o seu filho, tendo saboreado o gostinho de vencer as delegações,
poderá usar a mesma tática para se livrar de outras tarefas."
6. Desligue a televisão
De acordo com o Ibope, o brasileiro assiste à televisão, em média, 21
horas por semana. Ela é seu principal lazer. “Entretanto, a
televisão não é a melhor forma de entretenimento no tempo livre",
diz o sociólogo Luiz Octávio de Lima Camargo, autor de O que é
lazer?. Ele sugere diversificar: ler, ouvir música ou
desenvolver atividades físicas e artísticas.
Professora do Instituto de Psicologia da UFRJ e terapeuta familiar,
Angelina Belli propõe desligar a televisão em determinados momentos,
como durante as refeições. "As famílias poderiam reservar pelo
menos uma hora por dia para conversar e descobrir outros
passatempos."
A recompensa por toda essa simplificação? Mais tempo para fazer o que
gosta – brincar com as crianças, dedicar-se à jardinagem ou viajar.
Nada poderia ser mais simples.
(Revista Seleções, junho de 1999)
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