MENSAGENS EDUCATIVAS POSITIVAS
Prezado/a internauta Nos anos em que residi em Blumenau, SC, (março de 1974 a agosto de 1984 e abril 1985 a julho de 1987) ocorreram enchentes na região. As duas maiores foram as de 1983 e 84, e como rádio amador (PP5-WCK), participei ativamente das ações de emergência. Apresento aqui os meus comentários com as lembranças daquelas tragédias vivenciadas naqueles anos. Com a enchente e catástrofe que abateu a cidade de Blumenau em novembro de 2008, esses comentários e observações se tornam atuais. Antonio de Andrade
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Fotos das enchentes de
1983 e 1984 (fonte:
www.adalbertoday.blogspot.com)
São
impressionantes as imagens da enchente em Blumenau
e região, apresentadas algumas acima e também mostradas pelos meios de comunicação,
enchente que começou dia 23 de novembro/2008 às 10 hs com as águas atingindo 9,53 metros e tendo seu
pico na segunda-feira dia 24 com 11,52 metros e
após isso, diminuindo gradativamente. E somente
quem viveu situações como essa, sente mais
profundamente o que os blumenauenses estão
passando. Residi por 12 anos e 5 meses em
Blumenau, nas décadas de 70 e 80 e passei por 16
enchentes nesse período, sendo as maiores a de
1983, que durou 32 dias de 5 de julho a 5 de
agosto, com a enchente tendo atingido a marca de
15,34 metros no dia 9 e a de 1984, por alguns dias
somente, com as águas atingindo seu pico máximo
dia 7 de agosto, com 15,46 metros, ultrapassando a
marca anterior. Pelos registros constata-se que a
enchente de 1984 foi a maior em altura, até então,
na história de Blumenau, desde sua fundação.
A enchente de
novembro de 2008 provocou mais estragos na cidade
com deslizamentos de terra de morros da região,
levando abaixo casas e pessoas. É triste essa
realidade de grandes estragos e perdas de vidas
humanas e materiais, com a população sofrendo com
a falta de água e de alimentos. A população de
Blumenau já mostrou que tem um forte sentimento de
esperança e muita garra e determinação e com
certeza saberá enfrentar esta nova catástrofe. De
longe, o que se pode fazer é enviar donativos e
auxílio em dinheiro. Donativos podem ser feitos
para: Fundo Estadual da Defesa Civil -
Doações, no Banco do Brasil agencia 3582-3 conta
80.000-7. Ou: 1)
Depósito/Transferência: Favorecido: PMB –
Calamidade Pública; CNPJ: 83.108.357/0001-15 :
BESC Agência: 003-5 C/C: 400.000-3; Banco do
Brasil Agência: 0095-7 C/C: 400.000-5 ; Caixa
Econômica Federal Agência: 0411 C/C:
80.000-0; Bradesco Agência: 0333-6 C/C 2020-6 -
2) Alimentos não perecíveis
(Leite, alimentação infantil, entre outros),
Produtos de higiêne pessoal (absorventes, fraldas
descartáveis infantis e geriátricas, entre
outros), Cobertores Colchões -
Fundação
Pró-família (Pequenas Doações)
Rua Itapiranga, 368, Bairro: Velha - CEP
89036-230, Fone: (47) 3326-6972 e (47) 9976-0284;
Parque
Vila Germânica (Doações Volumosas)
Rua Alberto Stein, 199 Bairro Velha - CEP
89036-200 Fone: (47) 3326-6901 e (47) 9976-0284.
Quando vejo pela TV que várias cidades do vale do Itajai Açú, em Santa Catarina, estão com enchente das águas do rio, sempre me vem à lembrança alguns fatos que ocorreram quando, morador da cidade de Blumenau, vivenciei os acontecimentos das enchentes. Residi por 12 anos e 5 meses em Blumenau, nas décadas de 70 e 80 e passei por 16 enchentes nesse período, sendo as maiores a de 1983 e 1984, com a enchente tendo atingido a marca de 15,34 metros no dia 9 e a de 1984, com as águas atingindo seu pico máximo dia 7 de agosto, com 15,46 metros, ultrapassando a marca anterior. Pelos registros existentes na cidade parece que a enchente de 1984 foi a maior em altura, até então, na história de Blumenau, desde sua fundação. Eu participei ativamente nos acontecimentos das enchentes em especial de 1983 e 1984, dentre outras. Na de 1984, como rádio amador, prefixo PP5-WCK, era o responsável pelas comunicações do Posto de Emergência nº 7, onde instalei meu rádio amador no platô do morro do Clube que fica na entrada de Blumenau, na Rua Itajaí, o Clube de Caça e Tiro Blumenauense. Lembro-me que horas antes da enchente chegar, ouvia pelo rádio amador em minha casa que estava passando água por cima da represa em Rio do Sul, localizada aproximadamente a uns 100 km acima da cidade e que devido ao volume de água e com a continuação das chuvas fortes, o nível das águas em Blumenau chegaria em torno dos 15 metros ou mais. Coloquei o que pude no 2º andar da casa, empilhado em cima de armários e mesas, desliguei a eletricidade e tranquei a casa e para prevenir, fui com minha esposa e 4 filhos pequenos para o morro desse clube, que ficava mais perto de onde eu residia e lá instalei minha barraca e junto o rádio amador, que ficava em meu carro. Levei mantimentos para aguentar pelo menos 7 dias. E muita gente também subiu esse morro, com a elevação das águas. Pessoas se acomodavam onde podiam nas instalações do clube e muitas outras que tinham barracas de acampamento, se instalavam no descampado que havia no platô no alto do morro do clube. Junto com alguns escoteiros que também ficaram no morro (eu na época era membro do Grupo Escoteiros da cidade, tendo 2 filhos como lobinhos), procuramos organizar o que fosse possível, montamos um acampamento com alguma organização, fizemos banheiros, com fossa coberta com bambus amarrados com barbante, cercados de bambus amarrados em estilo caracol que não precisa de porta, com pedaço de pano em uma cordinha no alto de um bambu, quando estava livre e abaixado quando estava ocupado, e com bambus grossos com seus nós cortados, e terminando em vários outros bambus, canalizamos algumas bicas de água para que mais pessoas pudessem beber água. As fossas foram necessárias porque os poucos banheiros do clube não iriam dar conta do grande número de pessoas que tinha subido aquele morro para se abrigar da enchente. E coisas curiosas aconteceram lá nesse Posto de Emergência nº 7. A chuva não parava e na "varandinha", extensão que havia em minha barraca, certa hora apareceram duas pessoas, um senhor e sua esposa, encharcados pela chuva até os ossos e estavam com fome. Não tinham com eles comida, mas seguravam agarrados ao corpo umas 4 caixas pequenas de metal onde carregavam barrinhas de ouro e joias da mulher, segundo a própria mulher contou. Lembro que reparti com eles um pacote de bolachas e um cobertor. E assim eles ficaram ali umas horas e depois sumiram. Não soube mais nada deles além de que o senhor era um dos donos de uma empresa da cidade. A situação começou a melhorar um pouco e a dar mais esperança para as pessoas quando começaram a chegar os helicópteros da Marinha, se não me engano no terceiro dia da enchente.
Na final da
tarde do segundo dia chegou ao acampamento um cabo
da Marinha que veio desde a cidade de Gaspar caminhando pelo
mato e floresta dos morros, abrindo caminho com
facão. Foi chegando e perguntando quem era "o
oficial comandante do acampamento", pois ele
achava, pela disposição das barracas e dos
banheiros, que tinha sido organizado por militar.
Informamos que tinha sido feito por um grupo de
escoteiros. E ele começou a ajudar no que ele
podia, inclusive utilizando o meu rádio amador
para se comunicar com outras equipes da Marinha e
mais tarde com os helicópteros que começaram a
descer no morro em que estávamos e deixavam
alimentos e levavam sacos plásticos envolvidos por
sacos de estopa, com água potável que era
abundante em bicas naquele morro. Muita gente
ajudava a descarregar os alimentos e estocar no
salão do clube, protegendo da chuva, e depois
esses alimentos eram levados pelos helicópteros e
descido com cordas em prédios, em hospitais e
outros morros onde havia necessidade de alimento e
de água. As pessoas não se importavam com a chuva
forte, formavam filas e ajudavam a carregar os
helicópteros com os sacos de água ou a descarregar
alimentos.
Certa tarde
nos dias em que ficamos naquele morro, uma pessoa
chegou e disse, que havia morrido uma senhora que
tinha estado muito doente há dias. Pelo rádio
informei à central que estava no Quartel do
Exército, o 23º BI, e depois de uns minutos de
consulta às autoridades que lá estavam, a central
informou que deveria ser datilografado um termo de
responsabilidade com o nome da pessoa falecida, a
identificação de familiares com endereços e a
pessoa enterrada em saco plástico em um local do
morro, devidamente sinalizado, e após a catástrofe
deveriam ser levados os documentos ao Fórum da
cidade. As pessoas que ouviam, em volta de minha
barraca, pelo rádio amador, caíram na risada
porque estávamos ali com um bloquinho de
anotações, um caderninho e uma caneta. As
autoridades na central
não se tinham dado conta que estávamos em uma
catástrofe e que não havia como datilografar em 3
vias o que elas pediam.
No morro onde
estávamos de vez em quando ouvíamos um barulho
forte lá pelo lado da ponte que cruza o rio no
bairro Vorstad, entrada da cidade e pelo binóculo
foi verificado que o barulho era provocado por
botijões de gás, levados pela correnteza, que se
chocavam com força nos pilares da ponte. E isso
era constante, muitos botijões eram levados pela
correnteza. Passavam também gado morto e muitos
galhos de árvores.
Outra
coisa de que me recordo é que com o passar do
tempo e o nível da enchente não abaixava, devido a
ter encontrado maré alta na foz do rio lá em
Itajaí, segundo as informações que vinham pelo
rádio amador, as pessoas começavam a ficar
apreensivas, perdendo a esperança, algumas até
mais nervosas tinham crises de choro e
houve até casos de histeria, com descontrole, e
tivemos que organizar grupos de pessoas mais
calmas para poderem ajudar as pessoas a se
acalmarem, ficando conversando com elas, tentando
dar um pouco de esperança. Como eu atuava em
clínica psicológica na cidade, nessa época, dei as
orientações básicas para os que iam ajudar. Outra
coisa que aconteceu, curiosa, é que um casal de
namorados foi encontrado em atividade sexual e
algumas pessoas foram à barraca do rádio amador
perguntar o que deveria ser feito. No morro estava
presente um delegado de polícia, que sempre estava
pela barraca, ajudando nas transmissões e ações, e
após uma conversa rápida, decidiu-se que nada
seria feito, somente para as pessoas pedirem ao
casal para irem para um lugar mais reservado, já
que eram jovens maiores de idade... O
interessante, do ponto de vista psicológico e
sociológico, é que naquela situação de catástrofe
como a dessa enchente de 84, as pessoas pareciam
voltar a um comportamento de "tribo", primitivo,
perdendo o "verniz da cultura e do aprendizado
social" e as "convenções sociais", mudando para
outro estilo, onde em vez de decidirem por si
mesmas, queriam que "alguém" (alguma pessoa ou
autoridade) decidisse por elas. Era também um modo
de elas conversarem com pessoas, sentindo-se um
pouco mais protegidas, diminuindo a insegurança
que sentiam. Aí está um bom tema comportamental
para pesquisadores examinarem em épocas de
catástrofe coletiva.
Prevendo-se que
faltaria alimento caso a enchente durasse muitos
dias, pois as águas não davam sinal de abaixarem,
e devido ao fato de estarem aparecendo pessoas em
busca de alimento, antes da chegada dos alimentos
trazidos pelos helicópteros, depois de uma
conversa com o delegado e com outras pessoas que
sempre estavam ajudando, foi organizada uma equipe
para fazer uma busca nos trechos da estrada mais
elevados e que não havia água da enchente, trechos
que era possível alcançar através do morro onde
estávamos, trechos que pessoas diziam ter visto
caminhões parados, presos entre as águas, para ver
se estavam transportando alimentos. Foram
encontrados dois caminhões, um com arroz e sacos
plásticos e outro, frigorífico, com frango
congelado. Através do rádio amador e da central
que comandava as ações de socorro á
população, conseguimos que os donos das
mercadorias cedessem os alimentos e na cozinha do
clube, onde havia panelões, mulheres voluntárias
começaram a fazer comida para as muitas pessoas
que estavam naquele morro e sem alimento. O
cardápio era "muito variado" duas vezes ao dia:
arroz com frango, sem tempero que não havia e para
variar na segunda vez era frango com arroz.
Naquela situação de catástrofe qualquer coisa era
usada para relaxar as pessoas, até rir do
"cardápio" na hora de servir o "banquete", como
algumas pessoas começaram a chamar a comida.
Lembro que as pessoas comiam como se estivessem
realmente comendo um banquete, com a fome que
estavam, comiam com as mãos mesmo, com a comida
colocada em saco plástico. Depois, com a chegada
dos helicópteros, muito daquele arroz e frango foi
enviado a outros morros, hospitais e outros locais
onde havia necessidade.
Lembro-me também
que havia a "rodada botina preta" todo dia às 18
horas, pelo rádio amador, com transmissão pela
central de rádio do 23º BI, com informações e
exame do que acontecia nos vários Postos de
Emergência, nos morros onde havia rádios amadores,
e com informações das autoridades que comandavam
as ações de socorro á população. Essa era a única
hora em que se ficava sabendo das notícias e dos
acontecimentos. As 18 horas as pessoas ficavam em
volta do meu rádio-amador, estavam ávidas em
querer saber o que estava acontecendo na cidade.
Na "rodada botina branca" que ocorria após a
primeira de informações gerais, médicos davam
orientações a casos específicos aos vários postos
de emergência.
Outro fato que me
lembro, este a meu ver, grave, é que nas primeiras
horas da grande enchente, todo mundo gritava para
que não se encostasse nas águas porque parecia que
ela estava com eletricidade, pois segundo corriam
as notícias, a rede elétrica de alta tensão não
havia ainda sido desligada e alguns fios já
encostavam nas águas, um perigo.
Esses
acontecimentos e muitas outras anotações que fiz
naqueles dias, depois de passadas a limpo,
entreguei ao comando do 23º BI do Exército quando
houve uma reunião após a catástrofe, com todos os
rádios amadores dos diversos Postos de Emergência.
Anotações e sugestões práticas, como por exemplo,
o Exército mapear a cidade para se ter
melhor condição de enfrentar futuras catástrofes
como a de 1984 e a atual, de 2008, com anotações e
mapeamento onde há fontes e bicas de água potável, por
exemplo, já que em uma catástrofe a água potável é
essencial. Lembro-me que uma das sugestões foi
fazer pelos morros que circundam a cidade de
Blumenau, um caminho, ou picada onde se pudesse
haver deslocamento de equipes de socorro pelo alto
dos morros. Estabelecer em pontos estratégicos em
morros ou outros locais, lugares para atender a
população que se deslocariam para esses locais em
caso de enchentes. E que fosse mapeado também onde
existiam bicas de água potável nos morros e que
essas bicas de
água tivessem uma canalização (com canos ou
bambus, para que maior número de pessoas pudessem
beber água). Outra sugestão é que a cidade não
permitisse que lojas que comercializavam botijões
de gás ficassem muito perto do rio, para evitar
que os botijões fossem levados pela correnteza e
afetassem a estrutura das pontes.
Sugestão dada
também, para que fosse estabelecido onde ficaria a
central de atendimento, via rádio amador ou outro
sistema, para evitar "briguinhas" entre o poder
executivo da cidade e o comando do 23º BI, como
ocorreu em 84, briguinha pelo rádio, acompanhado
por todos os que ouviam nos postos de emergência.
Em situações de emergência, alguém tem que
comandar e tem que ser gente com experiência em
enfrentar catástrofe e, certamente, a pessoa mais
indicada não seria um político que administrava a
cidade e que nada tinha de experiência de
enfrentamento de catástrofe. Nessa hora um militar
com seu treinamento e experiência de enfrentamento de crises
certamente seria a pessoa mais indicada. "Egos"
têm que ser deixados de lado nessa hora de
catástrofes
e é preciso ficar logo estabelecido quem irá decidir e
comandar as
ações efetivas para enfrentar a situação. O povo
merece melhor organização dos poderes
constituídos, seja civil ou militar, para que as
pessoas não
sofram tanto com catástrofes como a de 84 que
ocorreu em Blumenau. Acredito que nesta catástrofe
de 2008 as ações de atendimento à população tenham
sido melhores, com maior organização.
Logo
após a enchente de 84, concluí que não havia mais
condições de trabalho na cidade, porque eu atuava
em Clínica Psicológica, com grande parte do
atendimento a empregados das empresas, e a maioria
das empresas tinha sofrido com as enchentes e
ficaria parada por longos meses. Saí da clínica
onde eu era sócio, encerrando a sociedade limitada que
tinha com outra sócia, psicóloga. Então,
coloquei a casa nova, recém construída, à venda, e
que foi comprada em menos de um dia por um
empresário da cidade (cuja casa tinha sido
totalmente coberta pelas águas e a minha estava em
melhores condições), e como no campo
familiar minha esposa também não queria mais ficar
na cidade, resolvemos retornar para nossa cidade
de origem, em Lorena, SP, em busca de outra região
onde eu pudesse realizar trabalhos profissionais.
Devido a isso não acompanhei as ações feitas na
cidade após a catástrofe de 1984, pois parei de
atuar como rádio amador e as atividades
profissionais como consultor organizacional
impediam tal acompanhamento, mesmo tendo voltado a
residir em Blumenau de abril de 1985 a julho de
1987, realizando trabalhos em uma empresa. Acredito que tenham sido feitos
planejamentos mais eficazes para que em futuras
catástrofes, como as de 2008, as ações sejam
melhores.
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