Olha ao seu redor e vê pessoas caídas, muitas pessoas e em todo
lugar, nas ruas e avenidas há carros, caminhões e ônibus batidos uns nos
outros, todos parados, num verdadeiro caos. Verifica as pessoas e constata
que todas estão mortas, sem nenhuma pulsação. Olha nos veículos, alguns com
os motores ainda ligados. Também neles, nenhum sinal de vida. Belisca você
mesmo e - ai! - constata que não está sonhando, mas "vivinho da silva", com
seus 30 anos de idade.
Todo ser vivo está morto, pessoas, cachorros, pássaros. Um desespero
mental o aflige: só você vivo? E grita desesperado: - Socorro! Tem alguém
vivo aí? O silêncio continua, ninguém responde. Você perambula pela avenida
onde estava, por praças, hall de entrada de prédios comerciais e repartições
públicas. Em todo lugar, pessoas caídas, mortas por algo misterioso, talvez
um vírus mortal fulminante, mas que por algum motivo não o matou, só o fez
perder os sentidos por um tempo.
Você não procura encontrar mentalmente explicações científicas dessa
estranha situação. Volta correndo para casa e encontra pai, mãe, irmãos e
esposa caídos, todos mortos. Desliga o fogo no fogão onde sua mãe cozinhava
alguma coisa antes de cair morta. Você chora seus mortos e, de repente,
volta aquela sensação de solidão, você sozinho no mundo. Liga a TV e nada,
nenhum canal funcionando, liga o rádio e só ouve estática, mas nenhuma rádio
transmitindo. Aí você lembra do rádio amador que utiliza em suas horas de
folga para se comunicar com pessoas pelo mundo, corre para o quartinho, liga
o transmissor-receptor e faz uma Chamada Geral para ver se encontra alguém.
Repete a Chamada Geral em várias freqüências e desolado constata de novo:
nada, nenhum ser vivo responde, em nenhum lugar do planeta Terra.
Horas se passam enquanto a pergunta "martela" em sua cabeça: E
agora? Com o colapso geral das cidades, provavelmente das nações também, com
nada funcionando porque não há pessoas vivas, nenhum serviço público como
polícia, bombeiros, hospitais, nada, a luz elétrica logo parará de funcionar
e com isso o abastecimento de água cessará. Sem as facilidades da vida
moderna, sem poder usar a geladeira e o micro-ondas, sem água encanada e
chuveiro elétrico, sem comunicações como a TV, telefone, internet, celular,
sem combustível para manter o carro funcionando, sem supermercados onde se
abastecer periodicamente, enfim, sem nada onde se apoiar, como sobreviver?
Constata, desolado, a inutilidade do trivial, do culto das inovações
tecnológicas tão vivamente valorizadas por multidões que buscavam cada vez
mais, ávidas, as novidades tecnológicas de comunicação, como se fossem o
único horizonte que existia para elas... E lembra até que deram um nome para
um medo da era moderna, o Nomofobia, o medo de ficar sem celular...
E você constata que apesar dos vários diplomas universitários que
possui, inclusive mestrado e doutorado, nenhum preparo você tem para a
sobrevivência num planeta sem as facilidades que a vida moderna dava.
Lembra-se apenas de alguns aprendizados quando jovem, de seu tempo como
escoteiro. Depois de alguns dias, agora sua maior preocupação é: como
sobreviver? Você enterrou no quintal seus parentes, mas a cidade cheira a
morte, um cheiro suportável apenas quando você amarra um pano úmido tampando
o nariz.
E assim, com o rosto coberto, você perambula pela cidade deserta de
vida, entra em um supermercado e abastece seu carro com enlatados e comida.
Em um posto você enche o tanque do seu carro e ao terminar enfia a mão no
bolso para pegar dinheiro e lembra que não há ninguém para receber, e fica
olhando para aquelas notas agora sem nenhum significado prático na situação
em que está vivendo, num planeta sem outros habitantes vivos. E resolve ir
até a cidade vizinha para ver o que aconteceu por lá, se encontra algum ser
vivo. A estrada está cheia de veículos parados, batidos uns nos outros e
alguns tombados, quase obstruindo a passagem. Mas você, em verdadeiros
zigue-zagues pela estrada, consegue chegar à cidade vizinha e constata que
lá também a situação geral é de caos e mortandade geral.
Você retorna, com tristeza no coração, e devido ao forte cheiro de
morte, decide sair da cidade. Coloca em seu carro alimentos, uma mala com
roupas e algumas ferramentas úteis e sai por uma estrada rural. Dirige por
um tempo e chega a um sítio onde vê que todos morreram. Depois de uma
limpeza geral e ter enterrado os seres mortos, pessoas e animais, decide
ficar nesse sítio pois encontrou muita plantação útil como alimento e lenha
para cozinhar, além de água potável de um riacho próximo. E os anos se
passam, você ali sozinho, sobrevivendo como um eremita, vivendo a vida
simples do campo. E certo dia aparecem no sítio 10 pessoas, 4 mulheres, 2
homens e 4 crianças que andavam como nômades pelas cidades, atrás de comida
e viram a fumaça de uma queimada de mato que você tinha feito, resolvendo
vir verificar. Sua alegria é indescritível por encontrar outros seres vivos.
Em todas as cidades por onde eles passaram não encontraram nenhum ser vivo e
ficaram surpresas de encontrar você. Ficam horas conversando sobre o que
aconteceu ao mundo, hipóteses as mais variadas e como vocês sobreviveram ao
que causou a morte do resto da população. Mas também eles não sabem o que
aconteceu e do milagre de estarem vivos enquanto milhões pereceram.
E ali, naquele sítio no sertão perto de uma montanha, uma nova
civilização estará começando, com muita esperança de se viver, iniciando com
esses sobreviventes do que foi outra civilização, agora extinta.
E você, caro leitor, se fosse um dos sobreviventes, como seria a sua
vida sem nenhum apoio das inúmeras conquistas que a atual civilização
desenvolveu e que todas as pessoas acostumaram a utilizar em seu dia-a-dia?
Muitas pessoas não conseguem se imaginar vivendo sem o uso dessas
facilidades que a vida moderna lhes proporciona, em especial das novidades
tecnológicas desenvolvidas nos últimos 30 anos. Faça um esforço mental de se
imaginar na situação dessa historinha inventada. Como seria viver como nos
primórdios da civilização humana, com um viver primitivo, com uma
simplicidade de vida? Você sobreviveria?