MENSAGENS EDUCATIVAS POSITIVAS
Recordações da participação em 1969 no Projeto Rondon
Antonio de Andrade
Em 1969 eu estava no 2º ano do curso universitário
e participei, como voluntário, do Projeto Rondon, ficando o mês de Julho
de 1969 numa cidadezinha. Um dos objetivos do Projeto Rondon era enviar
estudantes voluntários para promover uma integração social e desenvolver
ações, por um mês, para ajudar comunidades carentes do país. Cada
estudante tinha que ir de bota e mochila, com poucos pertences. Junto
com outros 7 estudantes de vários cursos universitários de São Paulo
(Medicina, Odontologia, Psicologia, Enfermagem), fomos enviados para
Minas Gerais. Dormimos em um quartel do Exército em Belo Horizonte e
logo de manhã viajamos de ônibus por estradas de terra e empoeiradas,
por várias horas, em direção ao norte do Estado. Paramos em um lugarejo
na estrada e lá havia uma pessoa nos esperando com vários cavalos. À
cavalo fomos por picadas serra acima até chegarmos a um lugarejo chamado
São Sebastião do Maranhão, uma cidadezinha localizada no Vale do Rio
Doce a 350 km de Belo Horizonte, cidade tão pequena que tinha 4 ruas
apenas e naquela época, entre 1.200 a 1.500 habitantes, a maioria
residindo no sertão (em 2011, verifiquei pela internet, ela tem 11.686
habitantes). Fomos hospedados em uma casa e percebemos que havia
utensílios e roupa de cama de várias origens, uns diferentes dos outros.
Ou seja, os habitantes da cidade contribuiram para a nossa hospedagem. A
cidadezinha tinha 4 ruas, todas sem calçamento e quando chovia era
barro em todo lugar fazendo nossas botas atolarem até o meio da canela.
Luz e água encanada não havia e a água que a cidade consumia vinha da serra,
em uma canaleta escavada na terra e desaguando num tanque de cimento no
centro da cidade. Essa água passava por dentro do cemitério da cidade em
seu trajeto até a cidadezinha e logo ela foi apelidada de "caldinho de
defunto". Nós estudantes não tínhamos coragem de tomar aquela água ou de
tomar banho com ela. A 1ª providência foi comprar o estoque de água em
garrafa que havia nos inúmeros bares da cidade. Além disso, arranjávamos
tempo todo dia para irmos acima do cemitério com latões, pegar água para
fazer comida e banho. Ah, o banho. Havia um cercado de madeira com uma
portinha, aberto em cima e na parte de baixo. Pendurado em uma corda
havia um latão (daqueles grandes de banha), adaptado para chuveiro, onde
se colocava a água. Quando se puxava uma cordinha, a água caía e quando
se soltava a cordinha a água parava de cair. A pessoa se molhava,
ensaboava e depois tirava o sabão segurando a cordinha. Quando acaba a
água do latão, o banho acabava alí. Para as necessidades diárias era um
tormento, já que havia uma "casinha" de pau a pique e barro afastada da
casa, com uma portinhola e dentro havia, em cima de uma fossa, uma
madeira com um buraco de uns 20 cm com uma tampa de madeira, tampa
removível. O difícil era "acertar" naquele buraco enquanto se respirava o
cheiro da fossa!
Havia outras coisas curiosas naquela cidadezinha.
Aos sábados, as pessoas que moravam no sertão vinham a cavalo e carroças
para a cidade e se reuniam num grande largo na cidade, em frente a uma
igrejinha. Ali eram trocadas as mercadorias, porcos, galinhas, feijão,
mandioca, frutas, etc. Era raro haver circulação de dinheiro naquela
feira, era tudo feito na base de troca. No primeiro sábado que lá
estivemos, lá pelas 14 horas, a mulher que cuidava das refeições começou
a fechar as janelas que davam para a rua e apreensiva nos pedia para
todos irem para os fundos da casa. Não sabíamos o motivo. De repente
começou um tiroteio, uma verdadeira fuzilaria, parecendo som de filme de
faroeste. Depois de uns 10 a 20 minutos o barulho parou e nós,
preocupados, corremos prá fora, pensando em encontrar muitos mortos e
feridos para serem socorridos. Mas só encontramos as pessoas retornando
para o sertão em seus cavalos e carroças, alegres após o fim da feira
semanal, com litro de pinga das mãos e os revólveres e peixeiras na
cinta. Costume estranho de comemorar o encontro semanal de todos da
região!
Outra coisa estranha que me lembro é que na sexta
à tarde amarravam um boi com a cabeça presa perto do chão, em uma estaca
num terreno. E a marretadas na cabeça do boi, batiam até ele morrer e
cair ao chão. Alí mesmo o boi era recortado e as partes iam para os
bares da cidade para serem vendidos. Espetáculo triste de se ver. Certo
dia fomos convidados a ir à casa do fazendeiro mais rico da cidade.
Cavalgamos umas 2 horas sertão à dentro. Chegando lá uma das moças da
equipe pediu para usar o banheiro e foi levada por uma das filhas do
fazendeiro, atrás de várias bananeiras. Incrível, o fazendeiro mais rico
da região não tinha banheiro na casa! Outra surpresa dessa vista foi ele
nos mostrar a mina em suas terras de onde ele retirava um minério raro e
era enviado em lombo de burro e depois de caminhão para Governador
Valadares de onde era exportado. Não me recordo que minério era esse já
que não tenho mais cópia do relatório que fizemos ao final do mês. Nas
terras desse homem alguém tinha tentado construir um pequeno aeroporto,
num terreno plano que lá havia, bem delimitado com estacas. Segundo o
fazendeiro, quem tinha feito aquilo eram homens com uma língua que ele
não conhecia. O aeroporto não tinha sido utilizado até então.
Nos dias em que estivemos nesse lugar, realizamos
inúmeras atividades programadas, dentre levantamentos da situação do
local e da população, suas carências básicas e necessidades urgentes, as
soluções possíveis na visão das pessoas do local e dos estudantes do
Projeto Rondon, atendimento médico e odontológico pelos estudantes
dessas áreas e de enfermagem (eles levaram caixas de medicamentos
fornecidos pelo governo além de alguns equipamentos básicos), palestras
para casais e pais sobre psicologia infantil e de relacionamento e
várias outras atividades solicitadas pela população. Era a contribuição
dos participantes do Projeto Rondon para ajudar essa população.
E chegando aos últimos dos 30 dias que lá ficamos,
tivemos uma surpresa, ao lermos em páginas velhas de um jornal de 21 de
julho de 1969, jornal que embrulhava mercadorias que um tropeiro trouxe
nos balaios pendurados em burros, que o homem havia chegado à Lua no dia
20 de julho. Estávamos a quase 30 dias sem saber se o mundo ainda
continuava a existir...
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